O Cavaleiro das Trevas
Este filme dá um passo além de todos os outros filmes já feitos sobre super-heróis. Não que o Batman seja um super-herói
per se, ou se é provavelmente não é dos tradicionais, mas era assim que ele era visto pelos cineastas até Christopher Nolan. O
Batman Begins trouxe-nos já uma idéia de como ele queria trabalhar: buscando fazer o personagem ser o mais verossímil possível, sempre justificando suas atitudes, e investindo num realismo artístico, aonde Gotham é uma metáfora de toda a sociedade ocidental, vista sob uma lupa.
Tim Burton já havia feito um trabalho decente, um filme muito bem ambientado, muito sombrio e interessante, mas que ainda tinha muitas caricaturas e acabava que nunca nos envolviamos de fato e acabávamos vendo aquilo de forma distante, como "um filme de super-herói".
O Cavaleiro das Trevas não é apenas um "filme de super-herói".
O filme se inicia com uma sequência de assalto a um banco, extremamente dinâmica e muito eficiente. Serve para deixar o espectador atento desde a primeira cena, e serve de introdução perfeita ao antagonista do filme, o Coringa. Ele já é apresentado de vez como alguem impiedoso, com um humor sádico e ao mesmo tempo despreocupado, e o fato deste assalto ser ao banco da Máfia, já deixa claro de maneira sintética, simples e eficaz, que ele está desafiando os poderosos da cidade.
Não me adentrarei nos detalhes de mais cenas, com o risco de dar spoilers, mas basta dizer que o Coringa protagoniza algumas das melhores cenas
da história dos filmes de suspense/ação. O roteiro é fantástico em demonstrar o antagonista como uma força temível, cujas motivações são obscuras, que debocha das explicações lógicas, alguem cuja próxima ação é sempre algo inesperado. De forma brilhante, o roteiro faz esse vilão soar verossímil e por muitos momentos podemos até enxerga-lo em nossa sociedade. Ouso até dizer, que ele toca uma parte de nós mesmos, quando de alguma forma desperta nossa paixão pelo caos, pelo descompromisso e principalmente, nos mantém interessados através de seu carisma e dos diálogos muito, muito bem escritos.
Tudo isso, além da maquiagem perfeita, dando uma impressão de algum caseiro, maltrapilho, sujo, e devidamente pertubado, apenas auxiliam e reforçam a magnifíca atuação de Heath Ledger. Não sou dado a ir na hype, por isso, apesar do trailer promissor, fui receoso e cético ao filme. Tampouco iria concordar ou vangloriar sua atuação se eu não achasse realmente excelente, tanto que critiquei e ainda critico vários hypes injustificados.
Mas dessa vez... Ledger está perfeito.
Ele trabalha cada pequena característica. Ouso dizer até que o ator sumiu no papel, de modo que é muito laborioso tentar lembrar-se do ator por trás do personagem, o que apenas demonstra um cuidado milimétrico. A postura é muito bem trabalhada, um pouco curvado e com o passo meio mancado, além de conseguir, apesar da postura nada favorável, exalar respeito e temor. Suas expressões faciais são perfeitas, sempre levando-se muito a sério quando não deveria, e sempre usado de um humor que soa legítimo e espontâneo, torna uma figura tão medonha, até carismática e atraente. às vezes ele aprece completamente contido e sério, outras vezes saltitante e empolgado, e nunca isso soa como uma caricatura.
A voz também é incrível, oscilando dos tons agudos aos murmurros sibilantes e até a jorros de raiva, com gritos graves e cavernosos, como se de fato se escondesse, por trás da aparência e voz de um doente infantil, alguem profundamente sinistro e pertubado.
Se for reparar, há muitos detalhes cuidadosamente pensados na atuação. Ledger insere cada movimento com cuidado, como a forma de olhar ou o tique que ele tem de passar a lingua na cicatriz da boca, um recurso excepcionalmente feliz, que quem já teve uma cicatriz na boca (como eu), sabe que é algo quase natural. Ledger além de inserir esse tique, torna-o como uma forma de torar o personagem mais asqueroso, como se lambesse os beiços antes de uma crueldade. Lindo.
Christian Bale está muito bem novamente, assim como esteve no Begins. Obviamente ficou ofuscado diante do Coringa, mas a isso não devemos levar em consideração apenas a qualidade da atuação, mas o roteiro, que reserva momentos mais impactantes ao antagonista, e ao fato de que a atuação de Bale não era mais novidade, como foi a de Ledger. Mesmo assim, consegue sustentar muito bem o protagonista, sempre de forma contida e evitando caricaturas.
Os coadjuvantes estão todos bem: Michael Caine novamente nos trás um Alfred que representa a parte mais humana e calorosa da trama; Gary Oldman está excepcional como sempre, e aceita muito bem ser um comissário de policia sem nada de excepcional, e interpreta de acordo, com seriedade e perfeição; Morgan Freeman não faz muito esforço, e está eficiente; Maggie Gyllenhaal tem a infelicidade de ser mais feia que sua antecessora, mas compensa isso dando um ar de maior inteligência e atitude, que Katie Holmens não tinha.
E o destaque entre os coadjuvantes é Aaron Eckhart, que interpreta muito bem Harvey Dent, convencendo-nos de que o idealista político de fato poderia se tornar alguem pertubado a ponto de matar.
A fotografia do filme é perfeita, dando o ar escuro e sombrio de Gotham, mas sem atrapalhar a visibilidade das cenas. Ela contribui tanto para o escuro Batman, como para o colorido (e ainda sim sombrio!) Coringa.
Os efeitos especiais são pouco usados e passam despercebidos, como deveriam ser, quando são. Destaque para o excelente efeito no rosto de Harvey Dent. Fiquei prestando atenção para ver falhas, mas foram de fato muito cuidados na concepção. Muito bom.
Eu tenho uma tendência a fazer apenas uma ressalva ao filme, que é o fato de, apesar dos pesares, ainda sim investir em momentos "super-herói", como a cena dos meninos no túnel, que brincam de tirinho e depois vêem os carros explodindo (bem infantil), ou a cena aonde o Batman gira com a moto na parede, como se fosse um James Bond das trevas. No entanto, como assisti ao filme 3 vezes, vi que isso foi importante para a maioria das pessoas. É como um alívio, uma forma de deixar a pressão craniana diminuir, uma forma de respirar ou perceber que estão vendo um filme. Afinal de contas, o filme é um ataque cardíaco ambulante, são duas horas e meia de tensão.
A meu gosto, Nolan deveria ter sido ainda mais cruel com a platéia, e o filme seria algo muito próximo da perfeição se não fosse estas pequenas indiossincarias. Mas que, como disse acima, pode ter sido o que garantiu que as pessoas saissem mais entusiasmadas do que nauseadas ao final do filme.
Para finalizar, gostaria de chamar atenção para o final. O fardo que ele decide carregar, a postura de anti-herói que decide assumir - e tudo muito bem justificado, como toda a proposta do filme - , promete um Batman ainda mais sombrio no próximo. E a cena dele fugindo em sua moto, enquanto é perseguido pelos policiais e odiado pelas pessoas de sua cidade, é um desfecho maravilhoso para este personagem que encontra-se, ao menos por enquanto, anos-luz na frente dos demais personagens dos quadrinhos retratados no cinema.