por Luminus em 12 Ago 2009, 11:30
Watchmen
A série em quadrinhos finalmente chegou às telas... e eu finalmente vi depois que saiu de cartaz... e, glória das glórias, eu finalmente cheguei aqui para comentar o filme.
Em primeiro lugar, é bom conhecer a história contada nos quadrinhos para saber o contexto, correto? Não? Oh, bem... então falemos do filme.
Estamos no ano de 1985, e os super-hérois foram forçados à aposentadoria oito anos antes. Alguns passaram a trabalhar para o governo, outros simplesmente assumiram sua "vida normal" em tempo integral, e uns gatos pingados ainda agem e vivem na ilegalidade. Alguns ex-heróis são conhecidos mundialmente ( "o mundo" no contexto dos filmes de Hollywood...), outros foram esquecidos e, bem, de alguns agradeceu-se o sumiço.
Então, um belo dia, alguém começou a matar os ex-heróis. E começou muito bem, matando um que trabalhou para o governo americano enquanto ainda estava na ativa, sendo inclusive um veterano da guerra do Vietnã (que os EUA ganharam, por intervenção de um super-ser doméstico). Começa-se então a desenrolar-se uma história de investigações, crimes, conspirações e tretas variadas.
O grande plano do filme consiste no seguinte: um dos ex-heróis, chamado Adrian Veidt, é hoje um industrial multitrilionário. Ele então entende que o mundo está à beira de um holocausto atômico, e que, se a história seguir seu curso, tudo irá pelos ares. Ele então planeja jogar toda a culpa em um dos super-seres, no caso o mesmo que ganhou a guerra do Vietnã para os EUA, e para tal ele necessita bloquear um dos super-poderes desse super-ser, que é o de conhecer o seu próprio futuro. Ele então entende que deve desenvolver uma pesquisa com táquions (ou outra partícula subatômica) que possui a interessante propriedade de interferir com a percepção desse super-ser. Como essa partícula viaja no tempo, sua presença no futuro (e consequente viagem no tempo) interromperá o poder desse super-ser no presente, bloqueando sua visão do futuro. Então, para saber se teve sucesso em seu empreendimento (ele normalmente tem, pois é o ser humano mais inteligente do mundo, dentre outras coisas) Adrian só precisa observar as reações do super-ser e, quando ficar evidente que algo o incomoda, é a hora de agir.
Surpresa das surpresas, Adrian tem sucesso. E ele então começa a agir.
Seu grande plano envolve criar um ataque e culpá-lo no super-ser. Para tal, ele necessita emular o "ataque padrão" do super ser, que é conhecido por todo o mundo (mundo Hollywood, please), e simplesmente deixar as pessoas concluírem o óbvio: o super-ser enloqueceu. Assim, americanos e soviéticos deixariam de lado as inimizades, e viveriam sob a paz e a necessidade de se aliarem contra esse inimigo.
Fazendo um aparte na história, eu quero dizer que o plano na história de quadrinhos é bem outro, muito mais inteligente, mais elaborado e, bem, o mais próximo de heróico que se pode ser tendo esse objetivo como foco. Criar uma catástrofe para impedir outra pode não ser a solução das soluções, mas temos de trabalhar com o que temos. Tanto no filme quanto nos quadrinhos, o super-ser afasta-se da humanidade, mas por motivos muito diferentes.
O problema nos planos de Adrian Veidt é que ele não pode realizá-lo sozinho: ele precisa de pessoas externas à sua corporação, e então cria uma outra empresa... mas as coisas acabam vazando. O primeiro herói morto foi justamente quem descobriu tudo... porém, antes de morrer, ele contactara seu arquiinimigo (hoje aposentado e com câncer) e abrira o jogo, e então o arquiinimigo também teve de ser assassinado. Adrian, para encobrir seus passos, manda um assassino para matá-lo, assassino esse que falha miseravelmente, e então "morde uma cápsula" de cianureto diante de todos os presentes. Claro que foi o próprio Adrian que forçou-o, mas para quem estava ali, o assassino cometera suicídio após falhar em sua tarefa.
Um dos heróis, um clandestino ainda na ativa, investigava o assassinato do herói e de seu arquiinimigo, e isso acaba sendo fundamental à história do filme. São seus passos que revelam tudo, que expõem a trama, que ele registra em um diário. Porém, no confronto com Adrian, ele é colocado diante da escolha entre aceitar a mentira e salvar o mundo, ou contar a verdade e botar mais lenha na fogueira. Incapaz de comprometer sua integridade e aceitar uma mentira como a salvação, ele se nega a entrar para a colundria. Poucos instantes depois, enquanto caminhava sobre a vastidão gélida exterior à fortaleza de Adrian, ele é assassinado pelo super-ser, o que põe fim à vida da última pessoa que estava disposta a contar tudo.
Porém, esse mesmo heroi enviara seu diário para a redação de um jornal, não o New York Times ou outro desse tipo, mas sim um pequeno jornal de extrema direita. Desse jornal pouco se fala no filme... e, então, juntamente a muitas outras "notícias absurdas", esse diário jaz enterrado, esperando pelo dia em que, devido a uma ausência de matéria de capa, ele será folheado e ganhará as ruas e os prédios.
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No fim das contas, esse filme é uma merda. Ele expõe Adrian Veidt como uma espécie de Bill Gates, e nada poderia estar mais longe da verdade. Adrian é, sabidamente, um atleta formidável: já aos 40 anos, ele faz exercícios anualmente, em cadeia nacional, em um programa beneficente, fazendo piruetas e saltos no aparelho de ginástica de barras assimétricas. Ele também detém títulos como lutador marcial. Tudo isso é mostrado na história em quadrinhos, onde Adrian Veidt é o heroi mais bem sucedido, de longe, em todas as áreas em que se pode imaginar. A sua saída, o seu plano original, é sim um golpe de mestre, não só pelo absurdo que envolve, mas também por ter sido feito à margem de uma criatura onisciente, que é o super-ser alvo da calúnia no filme.
Além disso, faltou falar da origem do personagem principal do filme, o herói marginal que investiga tudo. Algumas coisas foram citadas, mas o que ficou de fora compromete sua caracterização, especialmente sobre o jornal para o qual ele envia seu diário.
Há ainda dois momentos com um heroi aposentado (um deles a sua morte, outro uma conversa sobre seus planos para o futuro) que ficaram de fora e, assim, perdeu-se a caracterização não apenas das mudanças provocadas no mundo devido à presença do super-ser, mas também à proximidade das relações humanas entre os super-heróis.
Enfim, muito mais faltou, e eu nem reli a série para escrever isto aqui. Eu poderia ainda falar do cargueiro negro, ou então de um filme trabalhado em um paraíso tropical e que nunca será visto por ninguém, ambos fundamentais ao enredo e desenrolar da história.
No fim, o filme de Watchmen ficou mais ou menos como um filme do Batman (um dos bons, como o último lançado), e quem leu os quadrinhos sabe que ele é muito mais que isso.
E.