Distrito 9 (District 9, Neill BlomKamp, 2009)
Há 20 anos, uma nave estacionou sobre a cidade de Johanesburgo (África do Sul) o que provocou uma grande comoção na população local (e mundial). A nave permaneceu pairando sobre um ponto da cidade sem manifestar nenhum sinal de vida durante um certo tempo. Em determinado momento o governo resolve enviar helicópteros com homens do exercito para revistar a nave e ao entrar na mesma a equipe se depara com criaturas desnutridas e passando grandes dificuldades no geral.
Logo se inicia uma espécie de ação "humanitária" para ajudar os alienígenas (que serão pejorativamente chamados de camarões). Embaixo da nave (que flutua sobre a região) é montado um acampamento (do tipo que é feito para refugiados) e que virá a ser conhecido como Distrito 9.
Com o tempo o local se transforma numa favela aonde a violência, criminalidade e imundice imperam. O que era no inicio um sentimento de deslumbramento por parte dos humanos, logo se torna irritabilidade (aversão) com a presença dos "camarões". Isso vai piorando a medida que o mundo dos alienígenas se choca com o dos humanos, apesar de que curiosamente esses mundos são quase idênticos.
E é nesse contexto que o MNU (organização responsável pelos aliens) decide remover os alienígenas da área atual onde eles vivem (que fica dentro da cidade), para uma outra bem mais afastada e controlada. O homem que vai comandar essa missão é Wikus Van De Merwe (o excelente Sharlto Copley), um burocrata governamental que é cunhado do chefão da MNU e que vê nessa oportunidade a chance de se promover e ainda de quebra impressionar o sogro. Assim como acontece nos despejos humanos (na vida real inclusive), as coisas não serão tão simples assim, com direito a explosões de violênica de ambos os lados, contando ainda com as intervenções de uma gangue de nigerianos e outros grupos que exploram banditismo e a miséria no Distrito 9.
O que torna toda essa premissa ainda mais interessante é que essa historia é apresentada como um documentário, numa mistura de realidade com ficção interessantíssima, que engrandece muito o filme. Como toda boa ficção cientifica, o filme usa o fantástico para mostrar questões sociais reais e mesmo aspectos da natureza humana. No caso de Distrito 9, os aliens surgem como uma representação de povos/minorias que acabaram na situação que pode ser vista no filme, e o fato do mesmo se passar na África do Sul torna essa representação ainda mais forte e simbólica (e isso pode ser vista na reação da população negra, que trata os aliens da mesma forma que havia sido tratada).
O personagem Wikus (e a atuação intensa de Copley colabora muito com isso) é muito bem construído e desenvolvido, alem de ser uma figura trágica. Ele não chega a ser um sujeito "ruim" (se esses termos se aplicarem), é simplesmente uma pessoa meio tola que tenta impressionar os chefes e crescer na carreira, sem se preocupar muito com as implicações que seu trabalho provoca nos outros e tentando ignorar aquilo do qual faz parte (o que a MNU fazia com alienígenas capturados por exemplo) e tudo o que o mesmo representa, embora ele tente sempre seguir a lei e fazer as coisas dentro dos procedimentos aceitáveis.
A partir do momento em que ele próprio se torna membro de uma minoria perseguida, Wikus vai sofrendo gradualmente uma mudança de postura, mas ainda mantendo muitos dos seus traços originais.
Os efeitos especiais que dão vida aos aliens são perfeitos, por fazer esses realmente parecerem seres reais, sendo que a movimentação deles é natural e bem verossímil (e não aquela bizarrice de Eu Sou A Lenda, por exemplo). As cenas de ação estão entre as melhores que vi nos últimos anos (talvez ate na década), por serem absolutamente intensas e dramáticas, verdadeiramente violentas e inteligíveis, não tem aquela edição desgraçada cheia de cortes rápidos que não da para entender nada. Alias as sequências de ação desse filme me lembram as de O Reino, que apesar de não ser um grande filme (nota 3,5) tinha cenas espetaculares de ataques contra um complexo habitacional e o confronto final entre os soldados americanos e os terroristas.
Somado a tudo isso, talvez o que torne Distrito 9 um filme tão impactante seja sua semelhança com Robocop dirigido por Paul Verhoeven, não apenas na sequências final (por motivos um tanto óbvios) mas na própria construção e clima do filme. Assim como Robocop, Distrito 9 é uma sátira. Se em Robocop os alvos eram as mega corporações e seus agentes que jogam dos dois lados sempre em busca de seus melhores interesses, em Distrito 9 o alvo é a própria exclusão de grupos minoritários, a xenofobia e tendência humana de se aproveitar da desgraça de determinado grupo marginalizado.
Assim como no filme de Verhoeven, Distrito 9 não se utiliza de sutilezas para defender suas idéias, o faz de forma direta através de cenas incrivelmente violentas, humor negro grotesco (a parte do "aborto", em que Wikus faz o comentário de forma jocosa para o soldado é um bom exemplo) e da própria utilização do falso documentário (mockumentary) como ferramenta narrativa.
Também é importante mencionar o clima de desesperança do filme. Diferentemente de outros lideres de minorias perseguidas, nada do que Wikus fez conseguiu melhorar a situação daquele povo oprimido. Apesar da aparente sensação de vitoria que o filme passa, o que fica é um sentimento amargo. No fim um individuo não pode mudar a situação de um povo em sua base, o maximo que ele pode fazer é ajudar algumas poucas pessoas que estão inseridas nesse problema (o que também acontecia com Murphy em Robocop). Para os habitantes do Distrito 9 tudo continuou exatamente igual e o futuro não parece muito promissor.
Bastardos Inglórios (Inglourious Basterds, Quentin Tarantino, 2009)
A cena que abre esse Bastardos Inglórios é absolutamente fantástica, uma das melhores feitas por Tarantino. O coronel Hans Landa (Christoph Waltz, numa grandíssima atuação) acompanhado de alguns subordinados, faz uma visita a casa de um fazendeiro francês chamado Perrier LaPadite (Denis Menochet, segunda melhor atuação do filme). Landa procura o paradeiro (e outras informações) das famílias judias que residiam nessa região. Informações essas que LaPadite já tinha fornecido a outros interrogadores. Só que Landa não é qualquer interrogador. No inicio tudo parece um procedimento de rotina, mas à medida que conversa avança percebemos que algo terrível esta prestes a acontecer. Alem dessa cena ser a melhor do filme, dela também surge uma personagem que guiará a historia ate o seu desfecho e sua temática.
A historia avança desde o encontro de Landa com LaPadite, e somos apresentados ao tenente Aldo Raine (Brad Pitt), que também é conhecido como o "Apache", um caipirão que monta um grupo conhecido como "Os Bastardos", composto por soldados judeus que tem como objetivo matar nazistas da forma mais cruel e chamativa o possível.
Em determinado momento "Os Bastardos" se envolvem em uma trama bem mais elaborada, que tem como objetivo matar vários lideres do partido nazista (Goebbels, Borman, Goering e outros) e ate o próprio Hitler. Só que não são apenas os Bastardos que querem eliminar os nazistas, Shosanna (Melanie Laurent) a dona do cinema aonde ocorrerá apresentação do filme que reunirá a cúpula nazista, também tem seus próprios planos de vingança. E outros personagens como o próprio Landa e a espiã/atriz Bridget Von Hammersmark (Diane Krueger) também terão grande importância nos acontecimentos.
Esse filme é um western passado na 2° Guerra Mundial, e que tem a vingança (tema tão caro ao estilo) como motivador de toda a trama. Assim como em seus outros filmes (mas de forma mais escancarada aqui), Tarantino declara seu amor ao cinema e parece achar que se auto-homenagear é um dos propósitos do mesmo. Alem de um cinema em si ter grande importância para a trama (é o que une os diversos personagens), existem inúmeras referencias ao mesmo ao longo do filme.
Um dos pontos que merece destaque é a utilização de outros idiomas alem do básico inglês e que são adequadas a nacionalidade dos envolvidos ou a situação em si. Isso dá um charme irresistível ao filme, alem do fato de que os idiomas (e seus sotaques)tem grande importância para o desenvolvimento de diversas cenas. Só para dar uma idéia, alguns personagens morreram porque o seu sotaque denunciava algo de suspeito em suas origens/atitudes.
A atuação de Christoph Waltz como Landa é disparada a melhor, assim como esse é personagem mais marcante e com algum desenvolvimento um pouquinho mais profundo, apesar de ter um destino broxante e duro de acreditar. Afinal como um sujeito tão perspicaz e planejador, pode ser enganado de forma tão débil por um caipira do Alabama. Menochet como LaPadite, também esta ótimo numa apresentação bem curta (só aparece na cena inicial). O resto do elenco não acrescenta grande coisa. Pitt está divertido como Aldo Raine, mas sem grandes atrativos a mais, sendo que a voz que ele utiliza lembra bastante a mesma voz que ele utilizou para interpretar Jesse James. Diane Krueger surpreende positivamente (depois da inexpressiva participação em Tróia) como uma atriz que também atua (literalmente) como espiã que ajuda os bastardos, sendo que ela é beneficiada pelo fato de que a maior parte de sua participação ocorre na cena do "bar", a segunda melhor do filme (e tipicamente "tarantinesca"). Os nazistas (Hitler, Goebbels e etc.) são apresentados de forma caricatural ao extremo e sem nenhuma complexidade, só que Tarantino não consegue fazer disso algo interessante ou mesmo engraçado.
O resto: Mike Myers, Melanie Laurent (que tem uma personagem importante e so), Eli Roth (como o "urso judeu"), Michael Fassbender e tantos outros não fazem nada de muito relevante e seus personagens tem importância em momentos bem pontuais da historia e nada mais. Na verdade quase todos os personagens têm importâncias para determinado acontecimento e se restringem a isso. Não é um filme de atuações marcantes e personagens longamente desenvolvidos, a historia em si (a vingança de um grupo de pessoas contra os nazistas) é o principal mesmo.
Sem trazer nenhuma novidade ou mesmo personagens marcantes (tirando Landa), esse Bastardos Inglórios é bastante divertido e acima da media. Tecnicamente bem feito e com uma trilha sonora bacana (a musica que abre o filme é a melhor e tem todo o climão western).
"Aqueles que não conseguem se lembrar dos erros do passado estão condenados a repeti-los."
- George Santayana