GoldGreatWyrm escreveu:E quando eu falo tortura e matança eu falo da Europa absolutista, onde os monarcas abusavam do próprio povo e ainda tinham o aval da Igreja. A partir das reformas religiosas e iluminismo que ela lentamente virou uma potência - tanto que a Inglaterra foi a pioneria na Revolução Industrial. Daí saímos dos problemas do mundo medieval e entramos no moderno, que se arrasta até hoje.
Abuso do próprio povo e matanças continuaram legitimadas em diversos países mesmo após a queda do absolutismo e do avanço do protestantismo. Já que você citou a Inglaterra é interessante notar o seguinte. A Revolução Gloriosa (1688) representou o fim do absolutismo monárquico em terras inglesas e a Carta de Direitos aprovada pelo Parlamento destruiu qualquer pretensão de coroação de um rei católico (uma vitória expressiva dos protestantes). No entanto isso não significou a suspensão imediata do “Bloody Code”, como era conhecido o código de leis e punições da Inglaterra que foi criado em 1400 e durou até 1750 [62 anos
depois da queda do absolutismo]. Ele recebeu esta alcunha pelo grande número de crimes cuja a sentença era a morte. Mesmo assim, a pena de morte de morte por crimes como furto, por exemplo, só foi abolida em 1808. Como vê, não há uma relação
tão direta entre o fim do absolutismo [e da perda de influência da Igreja Católica nos governos] e o fim das das matanças legais. E a exploração e abuso da população – sobretudo a proletária – foram legitimados pela Inglaterra no período de ascensão dela à potência mundial dominante durante a Revolução Industrial.
Adultos e crianças eram submetidas a extenuantes cargas horárias de trabalho e péssimas condições de trabalho e pouca coisa, durante muito tempo foi feita de concreto pelo governo para proteger os trabalhadores. Os “Factory Acts” – leis de regulamentação do trabalho infantil e feminino – era medidas ridículas em face dos abusos. Somente em 1833 foi
oficialmente proibido que crianças entre 9 e 13 anos trabalhassem mais do que 9 horas por dia. Ademais, crimes contra a propriedade privada eram punidos com rigor. Membros do movimento Ludista – que realizavam protestos contra a industrialização e atacavam fábricas – foram condenados à morte, porque destruição de máquinas era considerada crime capital.
Deixar de ser um Estado Absolutista e romper as relações de poder com a Igreja Católica não significou necessária e imediatamente o fim das matanças e abusos legitimados pelo governo ao seu próprio povo. A ascensão da Inglaterra a condição de principal potência mundial também teve sua dose de exploração do povo e matanças respaldadas por lei.
Note, entretanto, que a mudança do sistema político, econômico e alterações na tessitura social e cultural são
fatores que permitiram, em dado contexto sócio-histórico, mudanças de pensamento em relação a punição de crimes e a determinação de direitos e proteções à população. Mas, nas ciências humanas, como a História, não se pode afirmar que a reunião de fatores
aparentemente iguais resultará nos mesmos resultados. Eu sigo uma linha de pensamento onde se procura analisar permanências e rupturas que ocorrem, ao invés de se tentar estabelecer uma simples relação de causa-efeito [como ‘o Estado absolutista caiu, logo a matança oficial acabou’].
Da maneira como argumenta, você tem uma maneira positivista de ver a História, principalmente ao afirmar “saímos dos problemas do mundo medieval e entramos no moderno, que se arrasta até hoje”. Eu não acho que superamos certos problemas “medievais”, como fome, doenças, acesso à educação, exploração da população e guerras (ressalvando que os problemas são os mesmos, mas seus
contextos são diferentes conforme a época). Problemas esses que são muito anteriores à Idade Média, por sinal.