Vício Frenético (Bad Lieutenant: Port Of Call New Orleans, Werner Herzog, 2009)
Terence McDonagh (Nicholas Cage) e Stevie Pruit (Val Kilmer), dois detetives da policia de Nova Orleans, vasculham uma delegacia que se encontra parcialmente inundada devido ao furacão Katrina que atingiu a cidade. A parte das celas que fica em um andar mais baixo foi justamente a mais atingida e se encontra quase inteiramente submersa. Os dois detetives encontram um preso que ainda se encontra em uma das celas e se segura desesperadamente nas grades para não se afogar. O cara choraminga de todas as formas (alegando inclusive que tem uma cobra nadando entre as celas) para que os detetives o resgatem. Depois de negarem inicialmente com direito a piadinhas, McDonagh sobe em uma grade e mergulha na parte inferior da delegacia para soltar o preso restante. Só que nesse mergulho ele acaba sofrendo uma contusão grave na coluna que provocará dores que oscilam entre moderadas e severas, o que obrigará McDonagh a usar analgesicos para o resto da vida.
Devido a esse ato de "heroísmo" McDonagh é promovido a tenente, no entanto é a partir desse ponto que a situação dele irá degringolar bastante. Passado algum tempo, McDonagh agora é um junkie em estado terminal que rouba drogas apreendidas da delegacia com a ajuda do responsavel pelo setor (interpretado por Michael Shannon) e que tambem "rouba" drogas diretamente de usuários. E quando eu falo em drogas me refiro a uma incrível combinação de analgésicos, cocaína, ecstasy, maconha e o que aparecer pela frente. McDonagh usa de tudo e o mais incrível que ao mesmo tempo. Alem disso McDonagh também é jogador inveterado e namora com uma prostituta (Eva Mendes) que também é usuária de drogas.
Apesar de tudo isso, McDonagh é um detetive bastante habilidoso (o que ficará bem claro numa cena posterior) e ainda respeitado pelos superiores. Por isso ele recebe um caso que envolve o massacre de uma família de imigrantes africanos que lidavam com trafico de drogas. Rapidamente as investigações vão apontar que o principal suspeito é um sujeito conhecido como Big Fate, que controla o trafico dessa região. E é no enterro dessa família que McDonagh vai prometer a um dos parentes remanescente que irá prender o responsável pela chacina. E essa promessa vai guiar o personagem ate o fim do filme.
Esse filme é uma revisão do Bad Lieutenant dirigido por Abel Ferrara em 1992 e que tinha Harvey Keitel no papel principal. Não chega a ser uma refilmagem por os dois filmes são muito diferentes, basicamente o que tem em comum é a premissa (um policial que se torna um viciado e tem um caso complicado para resolver). O filme do Ferrara explorava a decadência do personagem e tinha um clima triste (com direito a estupro de uma freira). Já o do Herzog explora mais as bizarrices e a amoralidade do personagem em seus métodos para atingir certos objetivos.
Apesar de ser um ator irregular que volta e meia entra em barcas furadas, Cage esta fantástico nesse filme, totalmente aloprado. Bastante exagerado em diversos momentos, principalmente quando o personagem se afunda mais nas drogas, mas também raivoso quando as coisas saem dos eixos (o que acontece bastante ao longo da narrativa) e amoroso com a namorada e com o pai. Alem disso ele consegue transmitir bem a obsessão do personagem, mesmo quando esse parece ter jogado tudo para cima.
Apesar da grande atuação no geral, são os momentos pouco ortodoxos que se destacam não só no que diz respeito à atuação de Cage, mas da própria direção e roteiro do filme. Como por exemplo, quando McDonagh "interroga" uma idosa com problemas de saúde, ou quando ameaça Big Fate e alguns de seus capangas dentro de um carro, para em seguida soltar uma risada exagerada e dizer que o "bagulho vai ficar doido", ou quando ele prende um sujeito sozinho conseguindo evitar que ele fugisse ou desce inicio a um tiroteio com os policiais que estavam na porta (o que mostra o talento de McDonagh) e fuma um baseado na frente do bandido.
A duas cenas em que o personagem de Cage chega a surtar de fato: uma delas quando ele pergunta com tom de indignação para outro policial (o personagem de Val Kilmer) "quem colocou essas iguanas na minha mesa de café", e diante da resposta (não tem iguana nenhuma na mesa) ele olha de lado as duas iguanas e cutuca elas com os dedos como se quisesse ter certeza (e a musica de fundo torna tudo ainda mais bizarro). A outra cena é ainda mais impagável, depois que três infelizes são baleados, McDonagh diz para um dos atiradores atirar de novo "porque a alma de um deles ainda esta dançando" (o que é seguido por uma risada digna do Coringa). Sem contar que a alma que faz a dança não tem nada a ver com o morto exceto pela roupa e a musica não tem nada a ver com a dança.
O final do filme também sintetiza perfeitamente a trajetória desse personagem controverso e amoral (mas também obstinado), e é curioso a referencia que ele faz com o inicio do filme como se aquele fato tivesse dado inicio a um ciclo interminável na vida do tenente Mcdonagh.
"Aqueles que não conseguem se lembrar dos erros do passado estão condenados a repeti-los."
- George Santayana