Gêmeos
Repousou os pés calmamente sobre a madeira velha e empoeirada da sala e contemplou os olhos claros de seu irmão se perderem naquele aposento. Tantas lembranças haviam naquele lugar. Lembranças boas e ruins das duras lições de seu austero pai e de sua rígida mãe. Dos primeiros passos na arte da família ao estalar dos chicotes sobre as costas dos irmãos. Recompensas e castigos lhes eram confiados sempre naquela sala a qual estranhamente não conseguiam sentir medo.
Acomodou-se na cadeira, que gemeu com seu peso, despertando aquele pálido ser de suas memórias distantes.
- Quanto tempo, desde aquele dia? – Ele perguntou pousando seus olhos ainda mais desbotados e sem vida que os seus.
- Muito tempo, meu querido irmão. – Respondeu sobriamente. – Cerca de quinze anos mortais. Tempo o suficiente para que eu pudesse descobrir meu caminho e pudesse te trazer de volta.
- Quinze anos... – Murmurou ele, como se pensasse alto. – Tão pouco tempo para quem tem a eternidade...
-... Tempo o suficiente para que os acontecimentos daquele dia não passarem de uma mera mancha na vida deles.
Sua voz soou áspera. Estava começando a deixar que suas lembranças tomassem conta de sua mente. Também recordava com terrível nitidez do que acontecera.
Alguma coisa havia dado errado e o castelo fora invadido. Muitos morreram naquele dia. Uma aia conduziu-os pelos corredores ainda vazios, tentando salvá-los. Homens vigorosos perseguindo uma pobre criada muda e duas crianças que mal chegaram à idade de abandonar a inocência que sempre lhes fora negada.
Corriam de mãos dadas, até que ele a soltou e correra na direção oposta, enquanto cantava as preces que tinha aprendido com sua família. Lágrimas foram derramadas pelos olhos azuis quando sentiram um forte aperto no peito, e a escuridão se apossou de suas mentes.
De alguma forma, sabia que ele havia sido morto pelos camponeses furiosos. E de algum modo ele sabia que a outra metade de sua alma havia conseguido fugido e sobreviver sem sua ajuda.
- Deixe-os. – Disse o irmão, interrompendo. – Não temos tempo para eles agora.
Seus olhares se cruzaram, curiosos e cúmplices.
- Devemos cumprir aquilo que nos foi designado desde o nosso nascimento. – Ele disse com firmeza, se aproximando lentamente da mesa onde seu pai passava a maior parte do dia. – É nossa obrigação...
- E o faremos, meu irmão. – Respondeu num sussurro malicioso. Um sorriso brota de seus finos lábios naturalmente escarlates. – Faremos o que nos foi destinado... E faremos com que todos paguem por nossa ruína...
E então ele também sorriu, apreciando a idéia oferecida. Deu-lhe a mão magra para ser acolhida pela sua mão sedosa. A cadeira novamente gritou quando o peso fora removido de si.
Mantiveram suas expressões por algum tempo, onde, com certeza, um via no outro o reflexo do que um dia fora e daquilo em que se tornara...
- Já encaminhei algumas coisas, meu querido irmão. – Disse sorrindo. – Incluindo nosso prelúdio...