Lo Pepito

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Lo Pepito

Mensagempor Magyar em 24 Jan 2011, 13:52

O avô estava sentado em sua velha poltrona, grande e largo como um touro saudável. A posição deitada em direção à TV indicava que estavam assistindo algo. As sombras e claridade da sala o lembravam de filmes do entardecer.

- Que filme está passando, vô?

- Uhn que te gusta..

Começo a assistir e logo me lembro do filme. Era antigo, início dos filmes em cores. Marcara a minha infância. Era sobre um garotinho de seis anos que aprendia várias coisas com o avô numas férias em que os pais viajavam. O garotinho usa uma blusa amarela, com listras que seguem o ombro, uma vermelha e outra azul. Cabelo de cuia e liso, olhos castanhos, loiro. No filme, ele atende pelo nome de Gerrahd.

Estava num terreno. Uma mulher humilde despedia-se. Um marido parecia zangado, não pela venda do imóvel (um minimercado branco em um terreno irregular), mas pelas pedras que quebraram sua antiga janela do quarto e do carro. Algumas pessoas passavam em frente de sua casa e cuspiam. O motivo? eles venderam o único mercado que tinha em quilometros, para um cara rico que nada construiria de bom lá.

- Mas porque você fez isso? - perguntou Gerrahd.

- Porque aqui era a decadência! Só me dava prejuízo! Eu estava preso a essa terra... agora não tenho mais esse fardo de ter que dar do meu para os outros.

O intervalo surge, e uma conversa com o meu avô sobre o que era certo e errado se perde junto ao retorno do filme. Se perde, mas não para. Estou vivendo Gerrahd, e o meu avô é o avô dele. Estamos num tipo de oficina, a andar.

- Tienes que pensar que la condución és você quien leva...

Lições de kart que conduziam a sua vida.

- Si haces una curva más fechada, terá difilculdad nel início, pero poderá acelerar más nel final.

O português dele sempre foi péssimo. Deveriam ver ele falando "mortadela" ou então "Watchatcha".

No rodar pela oficina, ele me coloca numa cadeira com rodinhas que lembram um kart no modo de conduzir. Com um empurrão dele, dou uma volta ao redor de uma pilha de latarias. Com certos raspões nas paredes pela curva, ainda inexperiente, e algumas palavras das quais não me recordo - Gerrahd se divertia demais enquanto o velho falava.

O ambiente muda. Gerrahd está a caminhar por uma estrada. Escapara do avô enquanto o mesmo atendia um cliente na oficina. Um morro chamava a sua atenção. Palavras desconhecidas era ditas pela criança enquanto ela caminhava. Era Italiano. Eu não falo italiano, mas entendia perfeitamente.

"subir, subir até sumir" dizia Gerrahd enquanto pulava uma rua em direção a um morrinho. No morrinho, algumas pedras e grama davam uma visão de tranquilidade em meio a rodovias.

"não posso ficar preso à terra" Ele não parava de subir o morro, com singela facilidade, pulando de pedra em pedra. Algumas formigas vermelhas destacavam-se em meio ao cinza da pedra e o amarelo e verde dos matos.

"subir, subir, sem cair" Chegando ao topo, as palavras do garoto não pararam ainda. Estou novamente no personagem enquanto tento me equilibrar no topo. As formigas me assustam, e me desequilibro.

"para o rio..." a voz para ao me desequilibrar. Uma diferente melodia me faz perceber que, do ponto em que eu estava, brotava um pequeno jorro d'água, que seguia em direção a um rio. Descendo enquanto cantava, o jorro d'água começa a se alargar. Gerrahd vê o seu avô, que o alerta sobre o rio, mas ele parece não ouvir. A melodia tomara conta de seu corpo, que agora se movia sozinho. Chegando na beira do rio maior, ele pulou e tentou ir até o fundo.

Não demorou para que a correnteza tomasse conta de suas forças. No fundo do rio, dejetos eram despejados de dois canos que lembravam o escapamento de um carro. Ouvia os gritos do avô enquanto tentava sair de um mar de merda que o dominava. Alguns operários de um sistema no qual disbocava o rio resolveram ajudar e tentaram parar o fluxo pelo qual o garoto se perdera. O rio dara lugar a um corredor bem estruturado, algo que me leva a crer que tratava-se de uma hidrelétrica. Eles pararam o fluxo da água e tentaram achar o garoto, que a segundos atrás gritava. Todos ficaram apreensivos, e, no clímax do suspense, um grito: "Lo cinto!".

De um carro, que sabe-se lá como, estava atravessado no meio da estrutura, o garoto estava preso ao cinto. Ao soltar o sinto, ele caiu de cabeça no chão, como se fosse um boneco de borracha. Efeitos especiais toscos - pensei. Com a chegada do avô ele se levanta como se nada tivesse acontecido. Os efeitos pareceram surpreendentes nesse momento. Gerrahd estava morto, e seu avô conversava com o seu espírito.

A partir daí, o filme já estava no fim, e meu avô resolve me levar para sair. Meu irmão resolve ir junto e, quando estávamos saindo, damos de cara com uma prima que a tempos não víamos.

- Andallamos a comer sorvete?

- Sí sí! - ecoamos eu e meu irmão.

No meio do caminho, um sono parece atormentar o velho touro. Com um piscar de olhos alongado, ele parece cochilar no volante. Uma chamada de atenção minha seguida de risadas de uma das palhaçadas do meu irmão fazem o velho despertar e se desculpar. A prima pergunta se ele não quer que ela dirija - ele se recusa.

Minutos depois, outro apagar de olhos, só que dessa vez durante uma curva. Grito para o meu irmão pisar no freio enquanto tento acordar o velho. Nenhuma reação. Por sorte o carro para antes de se esborrachar num morro de terra. Tento acordar o meu avô, que levanta assustado. Ele pede desculpas e diz não passar bem. Já falo para a minha prima perguntar aonde fica o hospital mais próximo para os operários de uma obra perto da estrada que presenciaram o quase acidente. O velho já dirigia sem rumo quando nos demos conta de onde estávamos.

Coloco ele no banco de trás e fico sem reação quando vejo seus olhos brancos, sua face pálidamente esverdeada e partes do corpo roxa. Grito para a minha prima ir mais rápido, enquanto tento reanimá-lo. Depois de alguns socos em seu peito, a cor volta, e um dos olhos também. Palavras sopradas saíam de sua boca.

- Dexa-me ir...

- Não! Agora não! não é para ser assim - debatia o meu irmão.

- Su madre... já sabe...

- Mas não é pra ser assim! - continua o irmão.

Então como? Quando? Todos morremos um dia. Eu já sabia o que meu avô queria dizer, e suas palavras pareceram sair de minha boca. Com pesar, dei um beijo de despedida em seu ombro. Minha prima já parara o carro no acostamento. Meu irmão chorava.

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Nota: Creio que algumas partes do conto ficaram meio surreais e sem explicação. Principalmente por ter sido um sonho meu. Mas até que gostei do resultado final.

Editado: Essa música possivelmente tocaria nos créditos do filme:
Quem me leva a sério não deveria ter saído do hospício.
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