Campanha - 1 - Medo

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Campanha - 1 - Medo

Mensagempor Frost em 16 Dez 2010, 03:16

Como alguns aqui do fórum bem sabem, eu narro uma mesa de D&D 4.0 para um pessoal do fórum. A campanha se encontra no final de seu primeiro arco e, como prometido, contos relacionados e pessoas e eventos da mesa serão postados aqui. Esse é o primeiro, espero que o pessoal goste da leitura, estejam em minha mesa ou não.



“Medo? Não há sentido no medo.”

“Tais seres desafiam o desconhecido e clamam pelo fim de nossas vidas. Ridículo! Como podemos ter medo dessas vãs ameaças quando a própria Deusa da Morte está do nosso lado?”

Esses pensamentos estavam sempre com os cavaleiros. Eles eram a força que movia seus passos e suas espadas. Eram também suas defesas, seus escudos e força de vontade. Ele não tinha medo de morrer, pois sabia que haveria um momento para isso, um momento que, quando chegasse, não traria tristeza.

O vento contorcia a vegetação daqueles campos. A beleza das flores brancas, que chegavam à altura dos joelhos, ocultava o horror que se escondia mais além.

A noite externava o clima sobrenatural do ambiente. A cor do céu noturno era quase púrpura e a lua cheia brilhava como uma jóia. Uma estrada há muito não utilizada cortava a paisagem em direção à construção soturna erguida mais adiante.

Os três homens seguiam pela estrada, sozinhos. A Morte os acompanhava naquela viagem. De fato, ela sempre esteve com eles. Seus corpos eram protegidos por armaduras metálicas velhas e oxidadas, mas que correspondiam a toda proteção física que lhes era necessária.

A torre na qual os viajantes armados chegaram não era das maiores. Em verdade, era pequena e parecia exibir pouca resistência. Estava escuro do lado de dentro e o muro que a cercava estava aos pedaços. Os portões estavam retorcidos, logo, não havia qualquer dificuldade para a entrada.

Apesar de tais detalhes, o semblante do local era assustador e o ar pesado. Simples cidadãos sairiam receosos das proximidades, ou tomariam aquelas terras como totalmente abandonadas.

Entretanto, havia alguém lá. Alguém que esperava.

“Então foi para esse amontoado de alvenaria que Bemerth fugiu.” – disse o cavaleiro que tomava à dianteira. Ele era o maior dos três, seus ombros eram largos e sua armadura o tornava assustador. O elmo era completamente fechado, de modo que não se podia ver qualquer resquício da pele morena de seu rosto.

“Não escuto gritos, talvez os prisioneiros já tenham perecido.” – proferiu o homem à esquerda, menor que o outro, mas também de estatura acima da média. Assim como o colega, sua armadura era de placas, mas seu elmo cobria apenas a parte superior da cabeça, exibindo o rosto claro e os cabelos castanhos longos que atingiam suas costas.

“Espero que eles estejam mortos, Bierof, pois se foram utilizados da mesma forma que aqueles soldados, teremos que livrá-los do tormento que lhes assola.” – bradou o último cavaleiro, um jovem que mal suportava a própria armadura, altura mediana, sem elmo, cabelos castanhos escuros despenteados e barba por fazer.

“Humph! Você fala como se já tivesse feito isso mil vezes, Valker!” – brincou Bierof, sorrindo de maneira patética.

“O jovem terá sua nova oportunidade.” – o líder da comitiva disse enquanto se afastava dos demais, com a lança em punho. “Há outros que merecem ter seus corpos respeitados após suas mortes indevidas.”

O homem mal proferiu essas palavras quando dois grupos surgiram, um de cada lado da torre. Totalizavam doze ou treze indivíduos. Estavam todos mortos, suas almas já haviam abandonado seus recipientes anteriores, mas esses agora eram preenchidos por alguma espécie de magia negra que era capaz de erguê-los mais uma vez, ativando apenas algumas regiões específicas de suas mentes, fazendo-os obedecer cegamente a um comando enquanto seus corpos durassem.

Tais seres avançavam em passos lentos. Suas mãos pútridas carregavam ferramentas rurais, agora como armas consideráveis.

Esses fazendeiros nunca haviam aprendido a lutar ou a manejar uma espada ou qualquer tipo de arma, mas eram servos e defensores eficientes, pois não se cansavam, não sentiam dor, frio, fome ou remorso.

Bierof sacou seu malho enquanto observava com cuidado os passos das criaturas que surgiram pela esquerda. “Um destino cruel, certamente. Estou certo que a Rainha havia planejado outros fins para essas almas. Pagará aquele que distorceu a vontade de nossa Dama.”

Valker mal havia preparado suas palavras quando três mortos já haviam sido empalados por uma lança. O martelo de Bierof também contava com três cabeças atingidas.

O guerreiro maior retirava com certa dificuldade a lança daqueles corpos quando um dos mortos o atingiu com sua foice. Entretanto, a arma improvisada não era capaz de sobrepujar a forte armadura. O guerreiro, ainda sem sua lança, com sua mão direita apertou o pescoço da criatura até que este partisse.

Valker conseguiu atingir um deles com usa espada, mas os talhos nos braços e na barriga da criatura não conseguiam fazê-la cessar seu movimento. Nem mesmo um golpe certeiro em seu coração. A criatura avançava desarmada e mutilada para cima do cavaleiro, que tentava se manter protegido com seu escudo leve.

Restos do que antes fora um cérebro agora estavam por toda armadura e escudo do jovem paladino. Bierof havia sido certeiro mais uma vez com o golpe de seu malho. “Golpes que matariam um ser vivo não podem ferir aqueles que já se foram.”

Atento à fala de seu companheiro, Valker empurrou um dos seres que se aproximava até o muro da entrada da torre. Com seu escudo, acertou sua cabeça por diversas vezes até que ela estivesse amassada como uma fruta estragada. Ao ver o resultado positivo, partiu em direção a outro, mas todos já haviam morrido, mais uma vez.

“Rápidos movimentos, Olaf, ao menos para um monstro do seu tamanho.” – escarneceu Bierof. “Dessa vez fomos mais rápidos do que com aqueles guardas. Embora esses pobres diabos não usassem qualquer armadura. Bom, ao menos nosso amigo Valker conseguiu pegar um deles dessa vez.”

“Calado, Bierof!” – Valker, em fúria, chutou as grandes portas de madeira da torre, que, ao abrirem, revelaram a presença de estranhos seres que avançaram sobre o grupo. “Justifer! Ainda não!” – Olaf havia alarmado, mas o outro cavaleiro já havia realizado seu ato imprudente.

As três criaturas se assemelhavam a pessoas, mas assim como os fazendeiros momentos antes, também estavam mortas. Suas peles estavam grudadas em seus ossos, não possuíam cabelos, exceto por alguns tufos sujos que recusavam a cair. Elas eram mais rápidas. Os olhos eram fundos e negros, a boca exalava um hálito de morte, seus dentes podres eram finos e perigosos, assim como suas unhas sujas. Duas elas trajavam apenas trapos velhos, a terceira estava vestida do que parecia ser o resto de trajes nobres.

Olaf já havia encarava a porta. A criatura trajada avançou sobre ele, mas teve a cabeça subitamente atravessada por uma lança. Justifer caiu com outra criatura por cima de seu corpo, mas protegeu-se com o escudo enquanto realizava diversos cortes no morto-vivo que o atingira. Bierof, que estava de costas à porta, virou-se apenas para ser atacado pelo ser restante, que o derrubou e começou a atacar a parte desprotegida de seu pescoço com suas mãos e dentes.

A lâmina na ponta de uma lança perfurou o peito da criatura acima do guerreiro com o malho. Olaf elevou a lança com a criatura até que o próprio peso a fizesse atravessar a arma. Então, com a mão livre, puxou a mandíbula do monstro, arrancando-a do resto de sua cabeça para atingir o cérebro do ser com sua manopla e removê-lo.

Justifer viu sua espada ser abocanhada, mas com um movimento, conseguiu cortar a cabeça do monstro acima da mandíbula inferior, fazendo-a rolar ao lado de seu corpo.

“Carniçais, sabia que havia um odor incomum vindo dessa construção.” – Olaf disse no momento em que agachava para analisar seu companheiro caído. Bierof sangrava muito, não haveria como estancar seu pescoço estraçalhado por meios normais.

“Se for a vontade de nossa Rainha, você não nos deixará hoje.” – As mãos de Olaf estavam sobre o ferimento do outro, sujando ainda mais sua manopla com sangue.

O ferimento continuava aberto, mas não havia mais sangue sendo jorrado. Justifer permaneceu imóvel após ter conseguido se levantar. Bierof apenas olhava para cima, tentando dizer algo que suas cordas vocais afetadas jamais profeririam.

Olaf se levantou, observando a luz desaparecer dos olhos do companheiro de batalha. “Ele se foi.” – disse devagar.

“Não... Espere, Não!” – Justifer não conseguia completar uma frase, embora tentasse. “Ele... A culpa é minha. Eu não devia...”

“Silêncio, tolo” – brigou Olaf. “Essa morte pode ter sido resultado de seus atos, mas foi a Vontade de nossa Deusa que retirou Bierof de nós.”

“O quê? Olaf, você está dizendo que esse foi o destino dele?”

“Somos apenas servos, Valker, jamais compreenderemos em vida a ação de nossa Rainha.”

“Não posso crer que ela desejasse a morte de um de seus servos vinda de um ato desastroso de outro.”

“Se assim foi o desejo Dela, você nada poderá fazer para alterar.”

Justifer abaixou a cabeça, afastando-se da torre, olhando agora para as criaturas mortas.

“Olhe, o carniçal, suas vestes.” – Justifer olhou após o comando de seu superior. O monstro estava vestido como um nobre, com algumas algibrieiras em um cinto velho e uma adaga presa à sua bota.

Olaf desvirou a criatura e a revistou, encontrando algumas folhas de pergaminho e um ferimento pré-existente em seu braço esquerdo.

“O necromante. É ele. Parece que este encontrou seu fim conforme havia feito com suas vítimas.”


A comitiva havia sido enviada há pouco mais de uma semana. Entretanto, os fatos que haviam impulsionado tal empreitada começaram meses antes.

A pequena cidade de Camille havia crescido bastante nesses últimos anos. Seus mercadores eram determinados e viajavam quase todo continente vendendo, comprando e trocando bens de alto valor. No final do inverno, porém, um mercador havia retornado sem qualquer bem de valor comercial, mas com algo diferente.

O homem, de nome Bemerth, havia adquirido uma estranha doença das terras ao sul. Alguns de seus subalternos que participaram da viagem haviam morrido, outros rezavam em templos por uma cura, mas a força desaparecia de seus corpos. Em alguns dias, apenas Bemerth havia restado. Este medicava a si mesmo por meio de poções arcanas produzidas pelo próprio mercador com conhecimentos arcanos que esse havia adquirido durante sua vida de viagens.

Algo não familiar ocorreu cinco dias após a última morte. Um dos guardas que patrulhara a viagem de Bemerth levantou de seu túmulo. Ele vagou por várias horas até ser encontrado e destruído pela guarda local.

O mesmo ocorreu com diversos outros que estavam naquela viagem.

Uma jovem chamada Cheryl, em uma noite, contou ao chefe da guarda algo que todos aqueles seres possuíam de comum: todos eles, antes de encontrarem seu fim, foram medicados por Bemerth.

O caso dos mortos ambulantes havia alarmado tanto aquela cidade que poucos se deram conta de que algumas pessoas desapareceram, embora ninguém de importância para a cidade.
A essa altura a Ordem da Rapina já estava em Camille, convocados, embora com certa relutância, pela regência da cidade. Três cavaleiros procuravam por Bemerth, um deles era um recém iniciado.

O mercador foi enfim encontrado. Um galpão a certa distância de sua residência era guardado por outros seres já mortos, o restante dos guardas que, em vida, protegeram Bermeth durante suas viagens.

Os cavaleiros destruíram essas criaturas e invadiram o galpão, descobrindo um laboratório feito de improviso. Havia corpos lá dentro, corpos daqueles que desapareceram. Ao que tudo indicava, o mago utilizava partes de pessoas saudáveis em seus macabros medicamentos, somados a estranhos rituais dedicados a criaturas das nove profundezas.

O laboratório foi destruído, mas o necromante escapou, embora tenha sido ferido por um dos paladinos. Seu corpo se deteriorava, por isso ele precisava de pessoas saudáveis para se alimentar, de modo a evitar o mesmo fim de seus guerreiros. O mercador levou consigo dois prisioneiros em uma carroça que foi encontrada pelos cavaleiros três dias depois. O mago então havia partido com os cativos para uma torre abandonada ao leste da cidade.

Assim como suas vítimas e companheiros de viagem, o fim do mago foi negro. A sede por carne humana havia aumentado de tal forma que ele passou a se alimentar daqueles que haviam morrido, contaminando os plebeus da região não com a doença que havia adquirido, mas com a maldição que ele mesmo havia criado.

Por fim, o necromante sucumbiu ao poder sombrio que havia invocado, tornando-se um carniçal, assim como os prisioneiros que havia levado.

“Tal é o destino daqueles que cultuam as profundezes, acreditando que são capazes de vencer a morte.” – Olaf caminhava para longe da torre, deixando Valker ao lado do corpo de Bierof. “Vamos, Valker. Não há mais nada que possamos fazer.”

“Olaf, deixaremos o corpo dele aqui? Junto a esses outros seres imundos?” – indagou Justifer, indignado.

“Seu destino em morte será diferente desses outros seres, tenha certeza. Não será um ritual ou oração feitos aqui que alterará seu caminho do outro lado. Tampouco temos tempo para isso. Essa viagem durou mais do que foi esperado, já é hora de retornarmos.”

Justifer olhou uma última vez para aquela pessoa que conhecia há pouco tempo, mas que havia morrido por sua causa. Era sua culpa, não importava o que dissessem.

Então partiu com esse pensamento, que jamais o deixou.
Cenário Pirata da Spell! "Arr!!!"

A máfia está vindo...
SPOILER: EXIBIR
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Campanha: O reino atrás das cortinas. Arco II
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Re: Campanha - 1 - Medo

Mensagempor KYU em 17 Dez 2010, 14:46

Uuuuuh... Nice. Justifer em sua fragilidade de iniciante. :P

Gostei do conto, ta bom escrito.
Espero pelos próximos!
:laugh:
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