Reencontro e Despedida

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Reencontro e Despedida

Mensagempor Ironsoul em 11 Out 2007, 20:21

Mal o galo cantara naquela manha de sábado quando Juvenal abriu o portãozinho de madeira e entrou cambaleante carregando duas pesadas malas. Assim que perceberam a chegada do pai, as crianças correram em feliz sonolência em direção ao moreno de tronco largo que anunciava presentes para todos.

Na porta estava Filomena, cujos incomuns olhos claros fitavam apaixonadamente o marido. Buscava em sua memória: quantos meses se passaram desde o último serviço dele? Seis? Oito meses?

A vida tinha melhorado muito desde que Juvenal conseguira um emprego na cidade. Não faltava mais comida, as crianças podiam andar com roupas inteiras e a aconchegante casinha da família tinha até alguns eletrodomésticos, como rádio, TV e geladeira.

No entanto, a mulher confessava na igrejinha que sentia inveja dos vizinhos que passavam fome, mas que dormiam juntos todas as noites. Por outro lado, Filomena escutava palavras maldosas cortarem suas costas. Sabia de cor as principais fofocas: o marido fazia coisa que não prestava por isso tinha tanto dinheiro; Juvenal tinha arrumado outra mulher bem longe dali; ele estava morto ou entrevado e não mais voltaria para casa.

Devido a tudo isso, seus dias mais felizes eram na companhia de Juvenal. Mesmo assim, era também um momento de aflição, pois a qualquer momento seu amado poderia ir embora. Nenhuma visita durava o mesmo que outra: ele já ficou duas semanas em casa, mas também já fizera uma visita de poucas horas.

Filomena procurou afastar tais pensamentos. O que importava é que seu marido estava em casa. Correu até ele e o abraçou longamente.

Um dia feliz. Não havia outra forma de descrever aquele sábado ensolarado. Música, carinho, conversa, brincadeira. A apreensão de Filomena diminuía na mesma proporção que o sol. A tarde veio gostosa e Juvenal não fez menção alguma que partiria naquele dia.

Antes do jantar, Filomena tomou um banho caprichado e colocou seu melhor vestido. A sopa de ervilha, que Juvenal adorava, já estava pronta. Mas os pensamentos da mulher estavam em outro lugar. Depois de longo tempo teria uma noite de amor com seu esposo.

Imersa em pensamentos lascivos, a mulher foi colocando a mesa e ajeitando as crianças nas cadeiras. Apenas quando Juvenal veio lhe abraçar forte é que percebeu a mala pronta ao pé da porta.

Sabia a resposta, mas decidiu perguntar:

— Você vai ficar?

— Sabe que não posso. Preciso voltar ao trabalho para ganhar dinheiro pra nossa família. Amor não enche barriga, não garante estudo pros nossos filhos.

— Dinheiro é essencial, mas não é o mais importante — retrucou a voz de Filomena.

Suas lágrimas eram mais eloqüentes. Não agüentava mais reencontros e despedidas. Suplicaram para que o marido ficasse.

Juvenal nada disse.

Deu um beijo na boca da mulher e afagou as crianças. Elas, embora pequenas, já estavam acostumadas com a situação e despediram-se alegremente do pai, que só voltaria daqui a indefinidos meses.

Pegou sua mala e foi embora, voltando para a cidade grande com o anoitecer acompanhando seus passos.

A mulher olhou um olhar triste e perdido para porta e então voltou seus olhos para o único lugar vazio onde repousava o prato de seu marido. Depositou no mesmo uma concha de sopa de ervilha e acabou de servir as crianças ao som de um triste forró que tocava no rádio.


A minha amada tá chorando de saudade
Arrumei trabalho no setor de construção
Ganho dinheiro, mas fico preso na cidade
Esperando o dia de voltar pro meu Sertão
"Under the iron bridge we kissed
And although I ended up with sore lips
It just wasn't like the old days anymore
No, it wasn't like those days"
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Mensagempor Lady Draconnasti em 14 Out 2007, 15:49

Um tema nada excepcional, mas contado de forma agradável.

O único porém que realmente incomodou foi a mecanicidade do Juvenal: Já se acostumou tanto a ir e vir que ele nem mesmo esboçou uma reação de "Eu queria ficar, mas não posso"?
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Mensagempor Ironsoul em 15 Out 2007, 05:50

Obrigado pelo elogio e pelo comentário, Lady Draconnasti.

Lady Draconnasti escreveu:[Juvenal] Já se acostumou tanto a ir e vir que ele nem mesmo esboçou uma reação de "Eu queria ficar, mas não posso"?


Ótima observação! O sentimento de "quero, mas não posso", do Juvenal existe e está representado no final do texto (nos versos da música).

A atitude de conformismo com a situação talvez seja mais forte na reação das crianças. A única pessoa que expressa descontentamento ou questionamento em relação a esta situação é a Filomena, o que gera aquele curto diálogo onde cada um expõe as suas prioridades.

A idéia central é levantar uma questão: em um relacionamento, o que é mais importante?


Curiosamente, a história foi montada em cima de um sonho que tive. Eu sonhei com a parte final e assim que acordei escrevi o resto do texto.
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Mensagempor Lady Draconnasti em 15 Out 2007, 10:48

A idéia central é levantar uma questão: em um relacionamento, o que é mais importante?


Além de amor, equilíbrio e respeito, meu bem. ;)
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Mensagempor Dahak em 22 Out 2007, 01:28

Um bom exemplo de que não precisa ser revolucionário pra ser bom =)

Olá Ironsoul, tudo certinho?
^^

Gostei de reparar que o conto é tem dois tons que se alternam, ambos bem distintos.
Em um primeiro momento, a parte mais descritiva, que dá ambiente. Seguem falas bem construídas, bem completas mas que não roubam o direito da imaginação brincar com elas. Por fim, a retomada da forma descritiva, completando o trabalho.

Talvez eu tenha sentido um pouco a falta de ousadia. Não me refiro a sair do contexto, gerar aquela surpresa inusitada ou algo do tipo. Mas talvez emplacar algum detalhe capaz de enriquecer o todo, de permitir maiores divagações.

De certo modo isso é alcançado lendo os comentários, mas creio que ter intentado focar isso de forma menos sucinta ao longo do trabalho teria sido um bom diferencial.

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Mensagempor Ironsoul em 24 Out 2007, 21:31

Tudo bem, Dahak. E você? Como vai?

Obrigado pelos comentários e pelo elogio. Acho que os tons no texto se devem pela maneira como o conto foi concebido. Como disse à Lady Draconnasti, o conto começa pelo final. A parte inicial é uma tentativa de criação de um ambiente que permite que se chegue a situação do final.

De fato, o texto é bem modesto e bem comum (tendo em vista a situação apresentada), mas pode ser que aquele diálogo ou a reação de algum personagem tenha um sentido especial para algum leitor e o faça ter algum tipo de pensamento ou reflexão.
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Mensagempor Saxplr em 11 Nov 2007, 21:57

Eu fico com a Draconnasti

O tema é um tanto batido, nada excepcional, mas o conto é gostoso de ler. Senti falta de um "soco" em alguma parte do conto, mas não sei se seria a melhor solução.

Também concordo com o Dahak que não precisa ser revolucionário para ser bom. Mas talvez um temperinho a mais não faria mal...

O que é mais importante? Bom, é claro que é o relacionamento, mas eu não acredito em relacionamento feliz na pobreza. O que nos leva a um círculo vicioso difícil de resolver. É o tipo de coisa que não ser discute na teoria, e na prática é mais complicado ainda.
Revista de histórias:
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Mensagempor Lady Draconnasti em 05 Dez 2007, 22:59

Senti falta de um "soco" em alguma parte do conto, mas não sei se seria a melhor solução.


Deve ter sido na parte em que ele disse que ia voltar pro trabalho sem ter jantado.

Eu teria dado o soco.
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Mensagempor Ermel em 06 Dez 2007, 01:48

Acho que a simplicidade cai bem ao conto.
Bons contos nem sempre necessitam de socos, chutes, entre tantos outros golpes (Não resisti ok?)

Fica ate dificil comenta-lo sem cair na simplicidade, uma narrativa, que pelo tamanho acabei esperando ser apressada, foi bem ajeitada e construida.

Mas acho que o mais importante em uma relação são os pequenos sacrificios =P
"And the question is
Was I more alive then than I am now?
I happily have to disagree
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I am more me!"
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