Mal o galo cantara naquela manha de sábado quando Juvenal abriu o portãozinho de madeira e entrou cambaleante carregando duas pesadas malas. Assim que perceberam a chegada do pai, as crianças correram em feliz sonolência em direção ao moreno de tronco largo que anunciava presentes para todos.
Na porta estava Filomena, cujos incomuns olhos claros fitavam apaixonadamente o marido. Buscava em sua memória: quantos meses se passaram desde o último serviço dele? Seis? Oito meses?
A vida tinha melhorado muito desde que Juvenal conseguira um emprego na cidade. Não faltava mais comida, as crianças podiam andar com roupas inteiras e a aconchegante casinha da família tinha até alguns eletrodomésticos, como rádio, TV e geladeira.
No entanto, a mulher confessava na igrejinha que sentia inveja dos vizinhos que passavam fome, mas que dormiam juntos todas as noites. Por outro lado, Filomena escutava palavras maldosas cortarem suas costas. Sabia de cor as principais fofocas: o marido fazia coisa que não prestava por isso tinha tanto dinheiro; Juvenal tinha arrumado outra mulher bem longe dali; ele estava morto ou entrevado e não mais voltaria para casa.
Devido a tudo isso, seus dias mais felizes eram na companhia de Juvenal. Mesmo assim, era também um momento de aflição, pois a qualquer momento seu amado poderia ir embora. Nenhuma visita durava o mesmo que outra: ele já ficou duas semanas em casa, mas também já fizera uma visita de poucas horas.
Filomena procurou afastar tais pensamentos. O que importava é que seu marido estava em casa. Correu até ele e o abraçou longamente.
Um dia feliz. Não havia outra forma de descrever aquele sábado ensolarado. Música, carinho, conversa, brincadeira. A apreensão de Filomena diminuía na mesma proporção que o sol. A tarde veio gostosa e Juvenal não fez menção alguma que partiria naquele dia.
Antes do jantar, Filomena tomou um banho caprichado e colocou seu melhor vestido. A sopa de ervilha, que Juvenal adorava, já estava pronta. Mas os pensamentos da mulher estavam em outro lugar. Depois de longo tempo teria uma noite de amor com seu esposo.
Imersa em pensamentos lascivos, a mulher foi colocando a mesa e ajeitando as crianças nas cadeiras. Apenas quando Juvenal veio lhe abraçar forte é que percebeu a mala pronta ao pé da porta.
Sabia a resposta, mas decidiu perguntar:
— Você vai ficar?
— Sabe que não posso. Preciso voltar ao trabalho para ganhar dinheiro pra nossa família. Amor não enche barriga, não garante estudo pros nossos filhos.
— Dinheiro é essencial, mas não é o mais importante — retrucou a voz de Filomena.
Suas lágrimas eram mais eloqüentes. Não agüentava mais reencontros e despedidas. Suplicaram para que o marido ficasse.
Juvenal nada disse.
Deu um beijo na boca da mulher e afagou as crianças. Elas, embora pequenas, já estavam acostumadas com a situação e despediram-se alegremente do pai, que só voltaria daqui a indefinidos meses.
Pegou sua mala e foi embora, voltando para a cidade grande com o anoitecer acompanhando seus passos.
A mulher olhou um olhar triste e perdido para porta e então voltou seus olhos para o único lugar vazio onde repousava o prato de seu marido. Depositou no mesmo uma concha de sopa de ervilha e acabou de servir as crianças ao som de um triste forró que tocava no rádio.
A minha amada tá chorando de saudade
Arrumei trabalho no setor de construção
Ganho dinheiro, mas fico preso na cidade
Esperando o dia de voltar pro meu Sertão