Caleidoscópio Onírico

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Caleidoscópio Onírico

Mensagempor Magyar em 07 Out 2010, 13:55

- E com um côco, um bambu e dois furos perfeitos, você tem o mesmo que as lojas vendem por R$300,00 - dizia o irmão mais velho.

O ambiente era uma sala rústica, cheia de tranqueiras com cara de antiguidades. Luzes vindas de um lustre iluminavam paredes verdes escuras. As janelas estavam de um preto opaco, devia estar escuro lá fora. Cortinas vermelhas escondiam-se no canto da sala enquanto a conversa continuava.

- Filho, também não é assim... o côco tem que ser perfeitamente simétrico, coisa que esse daí pelo menos não o é. Caso contrário as lentes não estarão alinhadas e o efeito não será o mesmo.

- Binho, não ouve a mãe não. Eu sei do que eu tô falando. Na Europa é assim que funcionam as coisas.

Inicialmente, o objeto em si assemelhava-se a um caleidoscópio. A discussão rodava em torno de como coisas que não necessitamos são simples de se fazer com coisas banais, e suprem tanto quanto as demais - absurdamente caras, por sinal.

- Mas mãe, caso não dê certo por causa da simetria, basta fincá-lo na areia que você terá um ótimo alerta de território! Todo gringo sabe disso, e os que não sabem aprendem rápido, nem que seja na porrada - concluiu o irmão mais velho, furando o côco com o bambu com uma certa facilidade. Vizivelmente experiente, fincou em seguida o objeto recém criado na areia da praia.

O ambiente? Uma praia de areia grossa, daquelas que parece que você está pisando em diversas conchas quebradas. O mar estava preto, o céu nublado. Cara de chuva - o dia estava azul escuro. A mãe sumira. Ele tinha uma prancha em mãos, e estava se aquecendo para entrar na água enquanto continuava a falar.

- Presta atenção, Binho. Se tu ver um treco desses, se tem que baxar a bola porque é área dos local. Só pega onda se eles deixarem, e fica esperto, porque se nego fica olhando torto você pode tá na merda.

A caminho do mar, percebo que a praia está deserta. Entrando na água, reparo que está frio e não sei surfar. Ele não me escuta - crê mais em mim que eu mesmo. Diz que aprenderei rápido. Coisa de irmão mais velho mesmo.

- Maninho, é só remar com a onda e dropa. Qué vê? é facinho! - disse ele, remando e pegando a primeira onda. Aproveitou para dar umas rasgadas e terminar com um aéreo. Olhando aquilo, fiquei me perguntando quanto tempo ele demorou para aprender a fazer essas coisas. Tem vezes que me sinto incapaz de fazê-las, mesmo que tivesse a vida inteira para praticar.

- Viu? É fácil, mermão. Claro, as rasgadas e aéreos depois tu aprende, o negócio agora é se ater ao básico. Ei! Ta vindo uma onda boa ae! Rema! Rema! Rema!

Não precisei de muito para que a onda me carregasse. O ruim foi ela crescer a ponto de eu ir de bico pro fundo da água. Quando me dei conta, estava boiando na beira da praia, enquanto o maldito ria.

- Que vaca, Fabinho! Pior do que essa você não consegue - falou antes de deitar de tanto rir.

Depois de um tempo conversando na beira da praia, vimos uma figura vindo distante. Um cara aparentemente velho, cabeludo e barbudo.

- Ué, será que o turista não viu o sinal de alerta? Alá, maninho, esse cara vai acabar apanhando se resolver entrar na água - disse ele, dessa vez voltando para a água.

Observando fiquei enquanto as ondas curtas batiam no meu tornozelo. A areia agora estava macia. O céu continuava azul escuro e nublado. O andarilho trazia algo em suas mãos.

Quando estava a 10 metros de mim, ele parou e jogou no ar o objeto em mãos. Um boomerang. Daqueles em forma de "v". Jogou longe e acompanhou a trajetória com os olhos. Aquilo voou, distante. Estava fazendo um círculo perfeito. Ver aquele boomerang me fez pensar em tudo que não tenho o controle.

Ao prestar mais atenção, quando o boomerang voltava, reparei que o andarilho não tinha intenção de pegá-lo, e logo aquilo vinha em minha direção. Estiquei o braço e o peguei sem esforço algum. Parecia uma pluma que aterrissara na minha mão. Um olhar de aprovação veio do andarilho, e um grito veio do mar.

- Caraio, Fabinho! Mandou bem!

Fiquei com o objeto em mãos, sentindo a sensação daquele momento. Tinha um certo peso por mais que voasse com tamanha facilidade. O andarilho não tirou os olhos de mim. Eu já sabia o que fazer, e joguei-o para longe.

Ele não foi tão longe quanto o do homem barbado e cabeludo, porém, a sua trajetória foi única. Ao acompanhá-lo, vi o céu mudando de cores indo do azul escuro ao laranja. Verde claro virou vermelho escarlate numa fração de segundo. As coisas mudaram de formato como uma onda que se acaba na areia, até que o boomerang foi parar nas mãos de seu dono. Estranho pensar que num piscar de olhos as imagens, sons, cores, lembranças, sonhos não são nem nunca mais serão os mesmos.
Quem me leva a sério não deveria ter saído do hospício.
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Magyar
 
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