A Balada dos Mortos.

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A Balada dos Mortos.

Mensagempor Arnok em 22 Set 2010, 22:22

A Balada dos Mortos.


Prefácio.

Já deveis conhecer a famosa Balada dos Mortos, a única balada que compus que outros se dignaram a cantar e que se espalhou rapidamente, chegando antes mesmo de mim em vários lugares... Normalmente essa é uma honra para qualquer bardo, ter sua arte reconhecida entre os seus e vê-la ganhando vida própria, mas ao ver o efeito que ela causa em todos os que a ouvem – um misto de admiração e o mais genuíno terror – penso que seria melhor se não a tivesse composto...

O pior sobre esses versos que compus, talvez não seja o fato de assustar as pessoas – assustar talvez não seja o certo, aterrorizar é a palavra mais correta –, mas, assim como a morte, ela tem o poder de fascinar muitos. Entretanto, como ia dizendo, o mais terrível sobre essa balada é que a compus baseada em coisas que aconteceram, na verdade, em coisas que estão acontecendo, assim sendo, quero que tome meu relato como aviso e desculpas, desde já...

Talvez eu tenha exagerado um pouco nos fatos, mas qual Bardo não aumentou um palmo do tamanho de um gigante que tenha visto ser derrubado ou a quantidade de dentes de um dragão, ou mesmo o número de ladrões ou inimigos derrotados? De todo modo, o relato que vos apresento agora está desprovido desse “exagero” artístico que torna as coisas belas e memoráveis... Portanto não espere encontrar uma obra similar a Balada dos Mortos que com certeza deves ter ouvido e admirado.

Advertência feita, peço-vos que tenhais por esse relato o mesmo respeito e atenção com que tratarias qualquer relato de um soldado, falando sobre os eventos fúnebres que ele, por capricho do destino, tenha presenciado.
Alian Aliadron, Vosso Servo.
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Re: A Balada dos Mortos.

Mensagempor Arnok em 22 Set 2010, 22:23

A Fortaleza Esquecida.

Éramos companheiros de aventuras, como dizem popularmente, e buscávamos tesouros e aventura, na verdade, eu buscava tesouros e histórias para contar, não tinha muito interesse em arriscar a minha vida, mas são ossos do ofício como costumava dizer meu pai. Dessa forma, nos encontrávamos e nos envolvíamos em diversos acontecimentos. Alguns interessantes, outros deveriam ser esquecidos, mas todos eles perdem o brilho e a importância diante do que começou no que foi nossa última aventura juntos.

Viajávamos durante alguns dias em busca de uma fortaleza que há muito jazia esquecida e que só vivia em algumas poucas lendas, O Forte Wanterlon. Deduzo que todos conheçam uma lenda da única fortaleza a resistir aos ataques inimigos nos anos escuros e viver sendo sitiada durante várias décadas para depois jazer esquecida na floresta, sendo que nenhum dos guerreiros que lá resistiram foi visto novamente fora daqueles muros, ou de acordo com o relato, não foram vistos dentro dos muros que simplesmente desapareceram, perdendo-se no tempo.

Como era uma região repleta de inimigos, foram anos até que uma verdadeira expedição (com guias, soldados, estudiosos e tudo o que se faz necessário em uma expedição grande, com mais de uma centena de pessoas) fosse até lá verificar se haviam vivos, mas de todo o contingente que para lá rumou, apenas três pessoas retornaram afirmando que não havia nada lá naquele lugar além de perigos selvagens. Isso foi há quase vinte anos.

Como as lendas ainda vivem, e se espalham com uma rapidez enorme... Sempre aumentando um pouco e a versão mais conhecida é a de que os soldados não ficaram por heroísmo ou porque acreditavam poder vencer, eles ficaram por haver uma grande quantidade de tesouros naquela fortaleza, de onde surgiu o tesouro as lendas não concordam, a maioria diz ser fruto de saques que soldados daquele forte fizeram ou despojos de guerra, como tentam amenizar alguns... De todo modo, com a lenda de ouro, muitos e muitos caçadores de tesouros, que se auto-intitulavam aventureiros, perderam suas vidas rumando até lá, como era de se esperar e a maioria era bastante jovem. Nós éramos apenas mais alguns que decidiram se arriscar nessa busca, talvez até conseguíssemos fazer nossos nomes se voltamos com algo bom e de valor (que iríamos voltar não era dúvida, a questão era se conseguiríamos alguma coisa que compensasse os riscos e gastos...).

Qualquer um que não estivesse lá vai dizer que éramos tolos ou incautos, mas em nossa defesa digo que até então não havíamos encontrado nada com o que não pudéssemos lidar e encarávamos o desafio de ir em um lugar abandonado, talvez com algumas armadilhas deixadas pelos mortos, algo mediano, mas mesmo assim, Jhur, um homem de grande fé que nos acompanhava, retornou do templo antes da viagem e insistiu que não corrêssemos riscos e nos preparássemos para algo realmente complicado. Segundo um relato que ouviu de um colega – acho que devo ressaltar que ele era um clérigo de grande fé e prestigio entre os seus – o relato secreto de que aquele é um lugar de morte, um lugar onde os mortos não descansam...

Deduzimos que talvez um mago, talvez mesmo um clérigo, das trevas tenha tomado o controle daquele lugar e esteja criando um exército de zumbis, nós já havíamos enfrentado esse tipo de criatura antes e não são muito fortes ou perigosos, se levarmos em conta nossa força e habilidade... Um alerta desses, vindo de um clérigo, nos deixou com algum receio, bom, na verdade o único preocupado e interessado nisso fui eu, o restante não se intimidou e digo mais, mesmo que dissessem que havia um ninho de dragões no forte, eles não ficariam muito abalados... Confiávamos na nossa própria força, confiávamos em nós mesmos e nos nossos companheiros... Infelizmente, todos os que fazem algo do tipo vão dizer a mesma coisa, “não sabíamos o que iria acontecer...”!

Foi com base no alerta de meu companheiro que comecei a imaginar e compor a primeira versão da Balada dos Mortos... Infelizmente aquela seria uma música fraca e teria morrido comigo, mas a balada que surgiu depois da fortaleza, a balada que se espalhou... Essa sim! Vai viver mais que o seu autor com certeza...
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Re: A Balada dos Mortos.

Mensagempor Arnok em 22 Set 2010, 22:26

estou nos últimos dias de férias (das minhas duas semanas) e sem muito o que fazer, então decidi escrever uma história medieval sem grandes pretenções... (vou postar os capítulos aos poucos... não pretendo que seja muito longa... quem quiser me acompanhar, sinta-se bem vindo... mas não garanto que gostarão do que encontraremos pelo caminho...)
Editado pela última vez por Arnok em 02 Mar 2011, 19:17, em um total de 1 vez.
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Re: A Balada dos Mortos.

Mensagempor Arnok em 23 Set 2010, 11:31

Através dos Muros.


Viajamos por pouco mais de três dias, seguindo a cavalo, mas depois tivemos que viajar mais quatro dias com nossos próprios pés atravessando a floresta. A estrada que levaria até o forte não era usada há mais de duas décadas, provavelmente bem mais, e a vegetação rapidamente apoderou-se do espaço. Depois desse tempo viajante finalmente chegamos. Pouparei os pormenores e as pequenas armadilhas e contratemos que enfrentamos porque os eventos que se deram foram tão corriqueiros que quero já contar a nossa chegada na fortaleza.

Sim, encontramos com certa facilidade a fortaleza e as paredes permaneciam de pé, eram magníficas e imponentes. A vegetação ainda não havia tomado conta dela como havia feito com a estrada, entretanto não entendemos como outros grupos não foram capazes de chegar nesse local, não enfrentamos nada de mais. A chegada fácil ao forte nos deixou com receio de que talvez tudo o que houvesse de valor naquele lugar já houvesse sido levado por pessoas antes de nós, mas decidimos não desanimar antes de examinar tudo.

-Quem sabe esse é o nosso dia de sorte? Falou alguém.

Procuramos alguma entrada, sem dar muita atenção à entrada principal, quando notamos que não havia nenhuma e foi então que voltamos nossa atenção para o portão principal, que estava bloqueado por pedras. Em um primeiro momento acreditei que fosse algum desabamento, talvez o deslizamento de uma montanha, mas me alertaram que aquilo era muito estranho... Afinal, não havia nenhuma montanha por perto e as paredes do forte estavam praticamente intactas, salvo o musgo que se alastrava.

Todos devem pensar como nós: “Aquelas pedras foram colocadas para trancar alguma coisa dentro do forte.” Mas mesmo assim não nos intimidamos, o que quer que fosse, estávamos prontos para enfrentar qualquer coisa e, depois de todos esses anos, o que quer que estivesse dentro já teria morrido ou estaria definhando próximo da morte. Assim sendo, não hesitamos ao tomar nossa decisão, ou por acaso me diz que pensaria em voltar depois de uma semana viajando?

Até sou capaz de ouvir vossa voz dizendo: “hãhã. Não faça isso. Péssima Idéia.” E eu até concordaria, mas quero lembrar que não agíamos sem pensar, queríamos aventura, queríamos o tesouro e eu queria uma história para cantar. Tínhamos plena consciência de que poderíamos morrer, não nos julgue como ingênuos, mas avaliando os prós e os contras, não havia muito o que pensar e se conhece alguém que tomaria uma atitude diferente, ou ele possuiria o dom de prever o futuro ou seria um covarde que jamais ousaria se aventurar, deixando a segurança de sua casa. Como não éramos nem um nem outro... Optamos por enfrentar o perigo, afinal, esse era nosso trabalho!

Retiramos boa parte das pedras, mas decidimos que acamparíamos fora do forte para recuperarmos nossas energias e que no outro dia, quando o sol nascesse e tivéssemos recuperado nossas forças, enfrentaríamos a criatura dentro da fortaleza. O que quer que estivesse do outro lado daqueles muros e daquele portão teríamos sua cabeça e seu couro como troféus. Olhe a sua volta, qualquer jovem cavaleiro deseja um feito de bravura para entrar na história e não teria medo de enfrentar um monstro, por pior que fosse e foi exatamente o que nós fizemos.

No dia seguinte, o dia que marcou o começo da nossa desgraça, acordamos mais cedo que o planejado, fomos acordados por uma chuva silenciosa e moderada que nos molhou, juntamente com o nosso equipamento, mas mesmo assim não nos desesperamos e, somente depois de prontos, acabamos de abrir os portões e entramos. Depois de remover as pedras, bastou forçarmos um pouco e o portão, apesar de emperrado, abriu-se esfarelando a madeira que servia como tranca interna. Acho que o tempo fez todo o trabalho, do contrário levaríamos um bom tempo para atravessar aquele portão. O que gerou outra dúvida e nos confundiu mais um pouco, afinal, porque colocar pedras do lado de fora se o portão havia sido trancado também por dentro e assim permaneceu? Essa dúvida permanece até hoje e como não temos como saber o que aconteceu no passado, permanecerá...

O que vimos não era grandioso ou terrível, era simplesmente deprimente. Restos de coisas... Restos de mesas, cadeiras, armaduras, armas, pessoas (na verdade apenas ossos, a maioria estava espalhada, mas intacta) e coisas assim... Tudo estava parcialmente coberto por musgo mostrando o abandono... Pode não parecer, mas aquilo não é uma coisa de modo algum agradável e esperávamos um monstro ou algo do tipo e tudo o que encontramos atravessando o portão foram restos...

A porta do Forte propriamente dito estava aberta, em sinal de abandono, nas janelas, havia muitos arcos, provavelmente podres, que jamais disparariam em outro inimigo... No chão, jaziam os restos de guerreiros, com armaduras destroçadas, que não mais seriam sentinelas e estavam esquecidos... Ninguém se lembrará dos seus nomes, soldados anônimos que perderam suas vidas nessa batalha, mas espero que saibam que vocês realmente estiveram aqui e aqui permanecem e talvez continuem até o fim dos tempos...

Lentamente entravamos dentro daqueles corredores desertos, sempre com armas em punho e tudo o que encontrávamos era abandono... Contemplávamos o efeito do tempo e nos imaginávamos naquela situação, imaginávamos os sonhos daquelas pessoas, a esperança de morrerem como heróis, de serem enterrados como heróis... E que não tiveram nada além de uma morte esquecida no tempo...
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Re: A Balada dos Mortos.

Mensagempor Arnok em 24 Set 2010, 18:08

O Baú de Ouro.

Estávamos tristes e melancólicos quando acabamos de revistar o primeiro andar e nada de valor havia sido encontrado, mas por outro lado também não vimos nada que representasse perigo. Não víamos qualquer sinal de vida ou de algum movimento que tivesse acontecido naquele lugar nos últimos anos... A poeira havia tomado conta do lugar e posso garantir que nada se moveu ali por muito tempo... Com base nisso, deduzimos que estávamos sozinhos.

Talvez estejais pensando que éramos tolos por sermos tão otimistas, mas quero lembrar-vos que a maioria das ruínas que figura em lendas, nada mais é do que restos de construção enfrentando uma batalha perdida contra o tempo e nós, como aventureiros, já havíamos feitos várias viagens por nada e essa parecia ser apenas mais uma... E quero deixar bem claro que não abaixamos em nenhum momento nossa guarda, estávamos apenas desanimados e sem expectativa de que fossemos encontrar algo que valesse o tempo viajado!

Sentíamo-nos sozinhos ali, era um clima de abandono que começava a inundar nosso espírito... Talvez fosse disso que o clérigo tentou nos alertar, pensávamos. Estávamos em um lugar de morte, um lugar onde nenhum dos mortos realmente pode descansar, um lugar onde eles estão condenados a manter seus postos de sentinelas, mesmo depois de mortos, por anos, décadas, talvez séculos sem conta... Um lugar de morte e onde os mortos não têm descanso.

Isso era muito triste, mas mesmo assim tínhamos uma missão: Encontrar qualquer tesouro que por ventura estivesse escondido naquele forte. Assim sendo, decidimos descer até os pisos mais profundos.

O lugar me dava arrepios, e não pense que sou fraco ou que me falta coragem. Não, nada disso, aquelas paredes, aqueles corredores não eram iluminados há muitas décadas e podíamos sentir isso, entende? Podíamos sentir que a luz era algo estranho ali, podíamos sentir a luz sendo absorvida e devorada avidamente por aquelas pedras sedentas de luz... Pode parecer que estava delirando, mas se estivesse lá entenderia o quão terrível foi essa sensação e não apenas eu, mas meus companheiros que enfrentaram a morte muitas vezes mais que eu também sentiam e queria deixar logo aquele lugar.

Não ousávamos perturbar o silêncio do lugar, por isso andávamos lentamente embora tivéssemos pressa, era como se não fossemos sair dali se fizéssemos diferente. Não explorávamos as salas, seria perda de tempo. O tesouro deveria estar no lugar mais distante, por isso passávamos direto por aquelas portas que permaneceriam fechadas por dias sem conta... Todos, sem dizer palavras, concordávamos que teria sido melhor se tivéssemos travado uma batalha com um monstro violento e perigoso que nos deixasse a beira da morte, porque aquele vazio, aquela ausência de sinal de vida, estava dentro do peito de cada um de nós e a angustia crescia a ponto de...

Não, isso não é importante e também não é importante perder tempo com minhas impressões do lugar ou essas coisas pequenas... Não acho que valha a pena dizer os objetos corriqueiros destruídos e envelhecidos que machucavam mais que facas, afinal, um corte cicatriza com facilidade, mas receba um ferimento em sua alma e veja a dificuldade de curá-lo, ou a diferença entre a dor dos dois ferimentos e aquele lugar machucava, isso, aquele era um lugar que machucava!

Seguimos até a primeira sala do piso mais profundo - pelo menos acho que era o mais profundo, mas não verificamos -, encontramos um baú de ouro e nele nossa passagem para fora dali.

Era um velho baú de madeira, como se espera encontrar tesouros, mas na verdade eles quase sempre estão escondidos ou espalhados... Nessa caso, o baú encontrava-se sobre uma velha mesa de madeira e provavelmente o último a morrer ali era muito ganancioso... Se trancou naquela sala e esperou a morte chegar abraçado ao tesouro daquele forte... Felizmente a tranca não era das melhores e não deu trabalho algum abri-la. O cadáver ainda não tinha apodrecido totalmente, digo, era estranho, afinal, só encontrávamos ossos como restos mortais e nesse caso, o cheiro era forte e ainda devia haver uma quantidade considerável de carne... De todo modo, era repugnante e deveria ser pior se chegássemos perto e, felizmente, não fui eu quem teve que fazer o serviço.

Guilderon chamou a responsabilidade e deu um passo a frente enquanto estávamos parados, contemplando aquele quadro. Ele caminhou com passos firmes e lentos até o baú e o abriu, não estava trancado. Dentro, pudemos ver, mesmo a distância, muitas peças de ouro e algumas jóias. Nossos olhos brilharam, não sei se por termos achado um tesouro ou se por podermos finalmente deixar aquele lugar, e só não gritamos comemorando por causa do efeito que aquele lugar causava em nossas almas.

Infelizmente, como é fácil deduzir, aquele que segurava o baú não estava verdadeiramente morto, bom, estava e não estava... É difícil explicar, porque é fácil ver que ele não estava mais vivo, mas também não posso dizer que ele estivesse verdadeiramente morto... Vocês vão ver que é tudo culpa da maldição daquele tesouro, maldição daquelas moedas, maldição... Mas não devo atropelas os fatos, voltemos ao ataque que o dono do baú que estava apodrecendo desferiu contra Guilderon.

Ele, Guilderon, começou a levantar o baú para irmos embora, era uma arca média e um homem forte poderia carregá-la sozinho, mas tão logo começou a levantar, parece que o guerreiro morto acordou, seus músculos putrefatos se contraíram e com um veloz e surpreendente salto atacou nosso companheiro que não teve tempo para se esquivar. Foi uma mordida certeira que atingiu o pescoço, única parte do corpo que não estava sendo protegida pela armadura, não sei se a criatura entendia isso, se foi um golpe de sorte ou se algum tipo de instinto a fez agir desse modo, o fato é que nenhum morto-vivo, nenhum corpo que eu já tivesse visto ou do qual já tivesse ouvido falar, poderia se mover dessa forma.

Um belo e rápido golpe de espada, desferido por Guilderon, atravessou o peito daquele monstro humano, pudemos ver a espada do doutro lado. Não saiu sangue, apenas algo negro manchando a parte da espada que brotava nas costas da criatura, mas isso pareceu não afetar a coisa que continuava mordendo com vontade, como se só isso importasse e não se dando conta de que havia mais pessoas lá.

Taliance - a mais hábil no manejo de armas pesadas, coisa que pouquíssimas mulheres são capazes e duvido que alguma tão bela quanto esta que foi minha companheira - cortou a criatura ao meio com um golpe de machado, separando o troco do restante do corpo e fazendo a espada, antes empalando o peito da criatura, rasgar o restante daquela carne apodrecida cortando o que pareciam órgãos internos em decomposição avançada se espalhar pelo chão. Mas mesmo partida ao meio, ela, a coisa que parecia um homem, não parava de morder e, apenas com muito custo e força, Guilderon foi capaz de jogar a criatura longe antes de perder as forças e cambalear para o lado.

Então, jogada no chão e sem as pernas, pudemos ver que os tendões dos
braços haviam se rompido e aqueles ossos pareciam presos por uma linha, um no outro... Como a criatura não tinha pernas, não podia se deslocar e as tentativas de movimento só faziam aqueles restos que provavelmente haviam sido braços se arrastarem desconexamente pelo chão, levantando um pouco de poeira, mas mesmo assim ela não dava mostras de dor ou medo e continuava tentando chegar até qualquer um de nós, na verdade, mirava mordidas no ar em quem estivesse mais próximo. Era possível ver os músculos da mandíbula se arrebentando pedaço por pedaço a cada tentativa de morder... Mas o pior eram aqueles olhos embaçados, apagados, quase completamente brancos, olhando para algum lugar sem nada ver...
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Re: A Balada dos Mortos.

Mensagempor Arnok em 26 Set 2010, 11:48

Provação da Fé

Jhur, o clérigo, era um homem de grande fé e, ao empunhar seu símbolo sagrado (não digo aqui qual era para evitar qualquer dano para a imagem de sua ordem... afinal, sei como as histórias aumentam e como as pessoas adoram vingança e as palavras escritas duram muito, muito tempo...) era capaz de reduzir seres impuros como zumbis ou vampiros a pouco mais que pó. Enfim, Jhur tomou a frente de combate e ficou frente a frente com a criatura - na verdade, ele estava de pé e a criatura se contorcia no chão, tentando alcançá-lo. Ele, então, ergueu o objeto sagrado, na mesma hora senti uma luz suava e um calor brando brotar da mão dele e se espalhar pelo lugar. Já havia visto aquilo várias vezes e aguardei a criatura se reduzir a pó, mas não aconteceu.

Ele não desistiu, fez uma oração de poder e chegou até mesmo a executar um exorcismo, magia muito poderosa que chegou a ferir até mesmo nós, companheiros de Jhur, que não tínhamos uma alma, assim, muito pura. Imagine o que era capaz de fazer com uma criatura imunda e maligna como aquela! Mas mesmo isso não foi capaz de causar qualquer dano aquela criatura, e, tomado por frustração e temendo que achássemos que ele havia perdido a fé, ergueu sua maça e, com um golpe colérico, esmagou a cabeça da criatura que finalmente parou de se contorcer.

Não sabíamos o que estava acontecendo, mas nosso companheiro sangrava muito e a ferida, fruto de três ou quatro mordidas consecutivas, era profunda e feia. Jhur fez um curativo e várias orações até que o ferimento finalmente parou de sangrar. Não sei o que faríamos se não tivéssemos um clérigo em nosso meio. Provavelmente assistiríamos um forte companheiro sangrar até uma morte lenta e dolorosa.

Com o fermento tratado, ele seria capaz de andar apoiado em alguém, outros dois carregariam o baú e o último empunharia a tocha. Tínhamos que rumar para o vilarejo mais próximo e conseguir socorro, afinal, mesmo com a magia de Jhur, o ferimento ainda podia matá-lo. Foi o próprio clérigo nos confidenciou, sem que Guilderon pudesse ouvir, que ele podia até fazer o ferimento se fechar, mas não era capaz de arrumar a parte devorada por aquela criatura, isso dependia apenas do Guerreiro, e algumas ervas e descanso poderiam ajudar bastante e era isso que teríamos que buscar no vilarejo.

Não bastasse isso, Jhur, que lideraria a comitiva com a tocha, parou e virou-se para o outro lado, para a parte mais afastada daquele andar e nós não entendemos no principio, mas ele percebeu e não fosse isso todos teríamos morrido. Outras criaturas como aquela se arrastavam silenciosamente e pelo escuro na nossa direção e, com nosso passo lento para resguardar nosso companheiro, teriam nos alcançado e atacado pelas costas...

Acho que elas possivelmente emitiriam algum som, mas dos pulmões talvez só reste um pó enegrecido e úmido, sem nenhuma capacidade para sugar o ar necessário para sons.

Jhur corajosamente empunhou mais uma vez seu símbolo sagrado, gritando uma oração, nada que eu já tivesse ouvido antes, com tal intensidade que eu podia sentir o poder pulsando naquele símbolo e queimando a escuridão daquele corredor. Era uma luz pura e penetrante que aparentemente penetrava e feria aquelas paredes há muito desacostumadas com a luz. O mais impressionante é que eu sabia que mesmo um vampiro antigo não suportaria aquela luz. Meu cansaço pareceu deixar meu corpo e alguns pequenos arranhões fechavam-se sozinho. Um morto vivo poderoso talvez sobrevivesse, mas fugiria gravemente ferido por aquele calor que aquecia corações e corroia a escuridão, mas o que parecia impossível aconteceu: aquelas coisas – que talvez tivessem sido humanas em outra época, talvez outra era – continuavam com o seu passo lento, caminhando sem pressa e ignorando a luz sagrada que deixava o punho de Jhur.

Eu estava assustado, todos estávamos, e por isso eu gritei para que fugíssemos logo daquele lugar, antes que morrêssemos todos, no que acredito, todos éramos da mesma opinião mas alguém precisava dar forma a idéia pronunciando-a em voz alta. Jhur demorou pra entender e aceitar que sua fé de nada adiantava contra aquilo e, quando finalmente se virou para nos acompanhar, já começávamos a correr, mas paramos chocados quando ele recebeu uma mordida no braço que segurava o símbolo sagrado.

Acreditem em mim quando digo: a criatura não estava ali um instante antes, ela só pode ter surgido da parede naquele instante! Não é possível que uma daquelas coisas tenha chegado tão perto sem que tivéssemos percebido, mas o importante é que Jhur não se deixou abalar e, enquanto o símbolo caía ao chão, um chute poderoso atingiu, em cheio, o peito da criatura, arrebentando aquele corpo envelhecido e arremessando-a para trás, enquanto um golpe com a tocha que estava segurando na outra mão arrebentou parte da cabeça a ateou fogo no coisa que depois de ser jogada contra a parede, pareceu despedaçar-se e começou uma pequena fogueira, mas ela pareceu não se importar e continuava tentando se mover, com o corpo despedaçado, na nossa direção. O fogo deve tê-la consumido até o fim, mas não ficamos para confirmar isso.

Ouso afirmar que teríamos morrido ali caso aquelas criaturas não estivessem tão devoradas pelo tempo, afinal, acredito que antes dos músculos apodrecerem, eram muito mais fortes que os de uma pessoa normal e aquelas coisas teriam nos cercado e matado, fossem elas um pouco mais rápidas e os corpos fossem capazes de corresponder a ações simples. Felizmente, pelo menos isso de bom aconteceu, elas eram apenas restos, nada mais, e por isso Jhur foi capaz de recobrar a razão e começou a correr, o que tirou nosso estado de choque e, assim, todos deixamos aquele forte as pressas com o baú do tesouro, um baú de um tesouro amaldiçoado, mas só descobrimos a maldição em outro tempo.

Quando atravessamos aqueles portões e sentimos a chuva nos atingir, percebemos que não ficamos muito tempo ali, o que pareciam horas era, talvez, uma hora no máximo provavelmente menos e, depois de nos afastarmos um pouco, Jhur fez um curativo no seu próprio braço que não parava de sangrar e, depois de refazer o curativo em Guilderon, seguimos em frente. Pude ver algumas lágrimas nos olhos daquele clérigo, acho que por ter deixado para trás um símbolo sagrado, mas não deveria se desanimar tanto, afinal, com o tesouro poderíamos comprar vários outros e até de material mais nobre!
Editado pela última vez por Arnok em 29 Set 2010, 19:54, em um total de 1 vez.
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Re: A Balada dos Mortos.

Mensagempor Arnok em 29 Set 2010, 19:53

A Maldição Começa.

Deixamos aquela região o mais rápido que conseguimos e viajamos para o vilarejo mais próximo, tínhamos dois companheiros feridos, mas apenas um deles nos preocupava. Uma mordida no pescoço é algo realmente muito grave, felizmente com as orações de Jhur e a resistência de Guilderon, conseguimos chegar com os dois ainda vivos e com grandes possibilidades de recuperação, mesmo que Guilderon reclamasse de tontura, vertigens, frio e fome. Lá os dois receberam um tratamento mais adequado e gastamos várias das novas moedas de ouro para garantir um ótimo tratamento durante nossa estada lá. Eu e os outros deixamos aquela “enfermaria” e fomos comprar coisas para comer e distrair nossas cabeças, sempre tentando não comentar o que havíamos acabado de passar, pelo menos não nessa noite!

Depois de descansarmos bebendo e comendo e espalharmos ouro naquele vilarejo que talvez nunca o houvesse visto em tamanha quantidade, rumamos cada um para seu quarto na “hospedaria” – digo “enfermaria” e “hospedaria” por se tratarem de instalações bastante improvisadas e de certo modo precárias, mas era o melhor que havia naquele lugar. Os outros foram dormir, creio eu, enquanto minha mente incansável era incapaz de esquecer os eventos, eu me revirava na cama até que decidi retomar meu antigo manuscrito com o titulo de Balada dos Mortos e foi assim que surgiu a primeira parte definitiva dessa obra que tanto renome tem ganhado. Infelizmente tenho que reconhecer que apesar de razoavelmente bela e bem acabada, essa parte seria esquecida não fosse o restante, inspirado principalmente nos eventos que se seguiram.

Durante aquela mesma noite, pouco depois deu ter desistido de continuar meus versos por ausência de inspiração, ouvimos gritos e todos deixamos nossos quartos para ver o que estava acontecendo. E o que vimos não foi algo muito agradável, mas tenho que contar aqui. Guilderon e Jhur estavam aparentemente recuperados dos ferimentos, pois estavam de pé e algo estranho estava acontecendo, alguns corpos estavam espalhados pelo chão e eles seguravam dois aldeões, cada um com um e na verdade um deles atacava uma jovem, ambos mordendo furiosamente e com um olhar vidrado e selvagem. Eu estava chocado com a cena, e fiquei mais chocado quando suas vítimas pararam de se mover e debater o que não demorou muito, talvez alguns segundos. Jaziam mortas finalmente. Eles largaram os corpos, com os pedaços referentes às mordidas faltando e sangrando e saltaram sobre os mais próximos. Tentei chamar pelos nomes, mas eles simplesmente ignoraram... A vila estava uma confusão, pessoas correndo para os lados, homens chocados e alguns empunhando ferramentas avançavam contra os dois enquanto mulheres gritavam histéricas...

Tentei me aproximar, mas Taliance segurou meu braço, ela chorava. Foi a primeira e penúltima vez que a vi nesse estado, ela parecia uma menina e não a terrível guerreira que encantava meus ouvintes em minhas canções. Ela falou:

- Não adianta, eles já não são mais eles... Acho que foi algum tipo de maldição, talvez aquele tesouro... Os outros tentaram e foram derrubados... Eu, eu não pude fazer nada... Não consegui...

Depois, voltou a se fechar em lágrimas ralas. Seguindo reflexo e instinto, corri para o quarto e enchi minha bolsa com o máximo de ouro que pude e peguei alguns objetos de grande importância e difícil reposição, ela fez o mesmo e nos encontramos um minuto mais tarde, o barulho havia diminuído consideravelmente, mas agora era mais violento e machucava mais ouvir choro com soluços vindo de muitos lugares diferentes cortados por rugidos que pareciam vir de todos os lugares...

- Vamos fugir daqui. Foi o que pude falar, eu gostaria de lembrar-vos que também estava chocado e não pensava muito, só sentia medo, muito medo e tudo estava acontecendo rápido demais.

Quando deixávamos aquele lugar, percebemos que havia menos corpos espalhados pelo chão. Vi uma mulher, talvez com trinta anos, agarrar e morder o peito, rasgando o vestido, de uma jovem de talvez doze anos. Ela tinha um corpo magro e frágil e quando a mulher a atirou no chão percebi que a mão direita estava fechada e apertava algo com força, muita força, e assim que a menina caiu, seus olhos se arrastaram por todos os lados até me encontrar de relance e vi aqueles olhos que antes tinham esperança e alegria, como se sua vida fosse mudar para melhor, secarem até perderem toda a vida que antes pulsava.

Alguns instantes depois, com sua boca aberta tentando gritar sem conseguir, sua mão finalmente se abriu e então pude ver rolar pelo chão uma moeda de ouro, provavelmente algum de nós havia dado para a menina por algum serviço enquanto bebíamos, quando comemorávamos e esbanjávamos parte do que havíamos encontrado. Ela deveria estar chocada e em êxtase com a quantia de dinheiro que tinha na palma da mão, um verdadeiro tesouro para alguém como ela, e agora morria se perguntando o porquê de não ter usufruído daquela felicidade dourada. Da mulher debruçada sobre a menina caiu outra moeda, também ganha na noite anterior, e a desta estava guardada dentro do vestido, como é o costume de muitas mulheres como ela.

Como as coisas pareciam mais terríveis do que poderíamos entender, só o que pudemos fazer foi começar a correr para longe deixando todo o resto de lado. Estávamos muito assustados e já havíamos visto criaturas como aquelas antes, dentro do Forte, embora aquelas fossem frágeis, lentas e decadentes, essas eram terríveis e vigorosas. Não tínhamos nenhuma idéia de como enfrentar aquilo, então fizemos o que sabíamos: Fugimos! Mas a maldição do ouro e do sangue não nos deixou...
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Re: A Balada dos Mortos.

Mensagempor Arnok em 04 Out 2010, 19:06

As Últimas Lágrimas de Taliance.

Os acontecimentos que se seguiram foram repetitivos e incômodos, principalmente por causa da impotência, mas preciso contá-los para chegar ao fim então...

Fugimos quase sem parar por dois dias, até chegarmos à outra vila. Contamos o que havia acontecido e prevenimos os presentes sobre os perigos, mas não nos deram ouvidos. Decidimos descansar um pouco e eu preparava o relato do que estava acontecendo. Não me julguem, eu estava apavorado e a arte era a única coisa que me acalmava, a única coisa capaz de me fazer pensar novamente.

Passamos dois dias e duas noites naquela vila e foi nessa época que compus a Balada dos Mortos, aproveitando alguma coisa do meu trabalho anterior... Cantei durante essa noite a primeira versão e os aldeões ficaram assustados, mas que com o relato que havíamos contado. No meio da noite, quando dormíamos, ouvi gritos e acordei com a porta do meu quarto sendo aberta.

- Eles chegaram! Taliance falou, como se fosse uma sentença de morte, uma frase que para ela era absurda, como se “eles” fossem fruto de um sonho ruim, um sonho muito ruim... Mas não eram e não estávamos livres.

A vila estava sendo massacrada, dessa vez eram mais e atacavam com muito mais violência. Pude ver pessoas sendo devoradas por duas ou três daquelas coisas (não preciso dizer como foi ver e ouvir homens, mulheres, crianças e velhos tendo roupas e os corpos rasgados por aquelas mandíbulas sedentas de carne...

Era um massacre e nem precisamos pensar, sabíamos que nada seria capaz de enfrentar aquelas coisas e movidos por reflexo e bastante sorte, conseguimos fugir, deixando aquilo para trás.

Chegamos em outra vila mais cansados e esgotados e, enquanto descansávamos e jantávamos, eu refiz algumas partes da Balada dos Mortos e acrescentei o final. Ela finalmente tomou uma forma muito próxima da forma que deveis conhecer. Decidimos, com base nos relatos que fazíamos em forma de história não se espalharia e pouco crédito teríamos ao anunciar uma desgraça, uma maldição como aquela que caminhava atrás de nós a passos lentos. Apenas a música e a arte seriam capazes de inspirar nas pessoas o terror e chamá-las a compreender tão deprimente e apavorante realidade. Depois de cantá-la, disse que era muito, muito mais antiga do que os dias que as pessoas são capazes de se lembrar e que era estávamos na época em que tal desgraça deveria se repetir. Depois disso já havia conquistado toda a atenção e credulidade daqueles aldeãos simplórios. Eles acreditaram no que eu havia falado assim que coloquei uma roupagem mais bela na forma imortalizada da balada e inventei uma maldição antiga...

Na manhã seguinte deixamos aquela vila (eles tentaram resistir a maldição, mas acho que foram devorados por ela, ouvi rumores de que alguns sobreviventes feridos escaparam, mas apenas isso e logo depois a maldição começou a se espalhar mais rápido). Rumamos para outra e mais outra e, desse modo, seguíamos em frente de vila em vila, de povoado em povoado, andando e cantando a Balada dos Mortos que, infelizmente, apesar de assustar não era capaz de preparar verdadeiramente as pessoas para lutarem contra a maldição que tomava conta de seus conhecidos, amigos, parentes e amantes. E assim foi nosso caminho até chegar aqui. Algumas vezes fugíamos bem antes deles chegarem e outras deixávamos a vila ao som dos gritos de desespero, mas em nenhuma delas tentamos lutar, enfrentar aquilo... Tínhamos medo e nosso ouro nos permitiria viver por algum tempo ainda, apesar dos grandes gastos que fazíamos.

Na última semana enfrentei o pior momento de toda essa coisa que está acontecendo. Eu estava no meu quarto, havia acabado de cantar a balada e estava muito cansado, tivemos que combater duas daquelas coisas na última vila e acabamos com alguns arranhões e precisava descansar.

Taliance entrou no meu quarto e caminhou em silêncio, ela era bela, mas nunca demonstrou qualquer interesse ou intimidade para com nenhum de nós, seus companheiros e eu era o último que restava. Ela entrou, deu dois passos na minha direção e pude ver lágrimas brotando dos seus olhos, então deu mais um passo e abraçou-se a mim. Nunca vou esquecer a sensação de ter aquele corpo perfeito, musculoso e firme contra o meu corpo. Nunca vou esquecer daquelas lágrimas quentes que deslizavam até meu ombros...

la disse, em tom rouco e quase ao meu ouvido com uma voz que quase sumia. Aquelas palavras não fogem da minha memória, não pelo conteúdo, mas por ser dita de tal forma por ela, como se fosse uma menininha com medo, um medo ancestral que não sou capaz de conceber e vindo de uma mulher que era talvez a mais corajosa desse reino.

“Sabe, eu não sabia que isto iria acontecer... Eu... Eu... Eu não queria... Eu tinha sonhos, queria uma família e na verdade, nem gosto muito de você... Nós nos arriscamos juntos várias vezes, mas mesmo assim mal conversávamos... Tínhamos o que se poderia chamar de relacionamento profissional, mas nesses últimos dias perdemos muito, vimos coisas que não deveriam existir ou acontecer e, no fundo, sabemos que tudo é nossa culpa! Não me olhe assim! Nós não precisávamos ir até aquele forte, não precisávamos roubar aquele ouro maldito... Nós trouxemos aquela maldição e ela vem atrás de todos nós...”

“Como eu ia dizendo, você é o que me restou e eu sou o que te restou. Temos fugido juntos, guardando esse segredo e essa culpa e tentando alertar as pessoas... Não há o que fazer... Estamos sozinhos... Nós já discutimos isso, foi aquele ouro que trouxe e espalhou a maldição. Todas as pessoas que pegaram nessas moedas, foram perseguidas e mortas, não sei como pudemos sobreviver tanto tempo, talvez por estarmos espalhando as moedas espalhamos a maldição... De todo modo não sei... Isso tudo é absurdo, mas acho que deveríamos morrer e enterrar o que restou do ouro em nossos túmulos, acho que se fizermos isso talvez a maldição para e todos posam descansar... Não sei... Minha cabeça dói... Meu corpo quase não responde ao que ordeno... Bom, não vim pra falar disso, queria apenas te... queria... penas veja...”

Não conseguia dizer nenhuma outra palavra depois disso. Aqueles olhos que antes eram ferozes e, de certa forma, alegres agora jaziam cansados, tristes, quase mortos, com tão pouca vida que era difícil acreditar que eram os mesmos de antes. O conteúdo do discurso não é nada de mais, deveis estar dizendo, mas quero lembrar que muitas vezes discursos ou versos vazios ficam em nossa alma e não penas por mérito próprio, poucas vezes o são, mas pela circunstancia ou envolvimento que temos quando tais palavras nos são proferidas.

Acho desnecessário acabar o relato descrevendo o que aconteceu quando ela levantou a blusa, não para que nos amassemos, mas para mostrar algumas feridas, feitas na nossa última fuga, abertas e espalhando aquele tom pálido e cinzento por aquele corpo. Ela jogou o ouro que restava fora, mas disse que mesmo assim a maldição continuava tomando conta pouco a pouco e nenhuma oração surtia qualquer efeito. Ela já não mais chorou, parecia que ao contar sua situação, esvaziou o pouco de sentimento que ainda restava, deixando no seu lugar uma espécie de casca quase vazia...
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Re: A Balada dos Mortos.

Mensagempor Arnok em 06 Out 2010, 23:34

Despedida.

Posso dizer que só então fui capaz de perceber e notar as mudanças que se deram em minha companheira nos últimos dias. Era como se aquelas palavras que me proferiu me permitissem ver as coisas como elas realmente eram. Aquele que antes era um corpo perfeito agora estava tomado por suor, cansaço, dor e magreza. Enfim, ela estava morrendo devagar, essa era a maldição que despertamos ao entrar naquele forte que deveria ser esquecido.

- Essa noite vou queimar minha casa e com ela vou junto descansar. Não vou espalhar essa maldição! Juntei bastante fogo-grego e tenho certeza que o que sobrar não poderá se levantar e assim vou dar fim a minha parcela da maldição. Nós começamos isso e, talvez, se morrermos a maldição vá embora... É nisso que acredito e vou quitar minha parte do débito só restara a sua para ser paga... Você deveria ficar comigo e juntos deveríamos acabar com isso, pense em todas as pessoas que estão sofrendo! Vou acabar com isso em uma hora, pense um pouco, mas vou entender se decidir não voltar...

Eu estava chocado e não conseguia pensar direito, mas para mim, a maldição não era tão forte, não podia ser! Tinha que ter uma maneira, alguma coisa que pudesse fazer e foi pensando nisso que sai correndo de onde ela estava. Ela estava seminua e, quando olhei por sobre o ombro, senti que ela esperava exatamente por essa atitude.

- Boa sorte, você vai precisar... Pude ouvir essas palavras deixando aqueles lábios antes tão desejados, e foi assim que corri com todas as minhas forças deixando a vila e cantando a minha Balada dos Mortos em todo lugar em que eu chegava.

Foi assim que percorri grande parte do reino, os últimos acontecimentos narrados ocorreram há duas semanas e foi mais ou menos uma ou duas vilas por dia que visitava, sempre rumando para a capital do reio. Em algumas delas sentia que os ouvintes realmente acreditaram e soube que mais pessoas espalhavam a notícia da maldição, que se alastrava em todas as partes do reino. Eram relatos de fugas, destruição, massacres, crueldade e todos terminavam do mesmo modo, qualquer vila, qualquer guerreiro, qualquer tentativa de defesa no fim caia perante tão hediondas criaturas.

Os pormenores de minha viagem não são importantes e como vos prometi, essa é a história da criação da famosa Balada dos Mortos. Ela não é tão grandiosa quanto alguns queriam que fosse, mas é a realidade por trás de uma obra de arte tão comentada e difundida. Não sei se vais gostar ou não do que encontra nessas linhas, ou se vai julgar que sou um louco desejando o crédito pelo trabalho de outro que compôs tal comentada e terrível balada. Não tenho como provar nada e não é minha intenção... Eu fiz o possível para fazer o relato o mais fiel possível e tentei não aumentar nada. Quero que Vossa Majestade tenha consideração para com essas palavras, principalmente as últimas porque elas são reais, tão reais quanto quem as escreveu e isso que acabastes de ler é um aviso, ou melhor, uma advertência, se posso ousar tanto perante vossa autoridade. Insisto que não é com qualquer tipo de falta de respeito que vos dirijo a palavra mas com humildade de um servo que quer alertar seu senhor.

Eles, os mortos que não podem descansar, estão marchando pelo seu reino. Estão reduzindo a morte ou um estado como o deles tudo o que encontram no caminho. Estão vindo atrás de mim e talvez cheguem em alguma horas, talvez, com sorte, em dias. Talvez já estejam chegando e é importante que ordeneis ao exército que mantenha suas posições e que o portão seja fechado como aconteceu com o forte que invadimos inadvertidamente ou todos no reino perecerão...

Eu, de minha parte, não pretendo enfrentar essa maldição ou morrer, por isso me livrei das últimas moedas de ouro que tinha comprando um lugar no grande Explorador, um navio que já terá partido quando puser as mãos nesse relato, infelizmente não tinha tempo e estou cansado, muito cansado... Minha cabeça dois, estou mancando um pouco, alguns arranhões que tenho há umas duas semana ainda não fecharam, mas logo vou estar melhor... Como me livrei das moedas passando-as para outras pessoas e não as enterrando, como fez minha antiga companheira, e assim passei a maldição pra frente e estou livre dela. Vou para uma nova terra, recomeçar... E desculpe se minhas últimas palavras não estão tão bem organizadas quanto as primeiras e se meu relato ficou confuso... Custa-me acreditar que essa caligrafia com tantos garranchos realmente foi feita por minhas mãos... Está cada vez mais difícil me concentrar... Preciso descansar...


Alian Aliadron, prestando-vos um último serviço antes de deixar o reino.
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Re: A Balada dos Mortos.

Mensagempor Arnok em 06 Out 2010, 23:37

e.... corta! :P

obrigado a todos os que me acompanharam até aqui e espero que tenham gostado e não se decepcionado...
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