O Baú de Ouro.Estávamos tristes e melancólicos quando acabamos de revistar o primeiro andar e nada de valor havia sido encontrado, mas por outro lado também não vimos nada que representasse perigo. Não víamos qualquer sinal de vida ou de algum movimento que tivesse acontecido naquele lugar nos últimos anos... A poeira havia tomado conta do lugar e posso garantir que nada se moveu ali por muito tempo... Com base nisso, deduzimos que estávamos sozinhos.
Talvez estejais pensando que éramos tolos por sermos tão otimistas, mas quero lembrar-vos que a maioria das ruínas que figura em lendas, nada mais é do que restos de construção enfrentando uma batalha perdida contra o tempo e nós, como aventureiros, já havíamos feitos várias viagens por nada e essa parecia ser apenas mais uma... E quero deixar bem claro que não abaixamos em nenhum momento nossa guarda, estávamos apenas desanimados e sem expectativa de que fossemos encontrar algo que valesse o tempo viajado!
Sentíamo-nos sozinhos ali, era um clima de abandono que começava a inundar nosso espírito... Talvez fosse disso que o clérigo tentou nos alertar, pensávamos. Estávamos em um lugar de morte, um lugar onde nenhum dos mortos realmente pode descansar, um lugar onde eles estão condenados a manter seus postos de sentinelas, mesmo depois de mortos, por anos, décadas, talvez séculos sem conta... Um lugar de morte e onde os mortos não têm descanso.
Isso era muito triste, mas mesmo assim tínhamos uma missão: Encontrar qualquer tesouro que por ventura estivesse escondido naquele forte. Assim sendo, decidimos descer até os pisos mais profundos.
O lugar me dava arrepios, e não pense que sou fraco ou que me falta coragem. Não, nada disso, aquelas paredes, aqueles corredores não eram iluminados há muitas décadas e podíamos sentir isso, entende? Podíamos sentir que a luz era algo estranho ali, podíamos sentir a luz sendo absorvida e devorada avidamente por aquelas pedras sedentas de luz... Pode parecer que estava delirando, mas se estivesse lá entenderia o quão terrível foi essa sensação e não apenas eu, mas meus companheiros que enfrentaram a morte muitas vezes mais que eu também sentiam e queria deixar logo aquele lugar.
Não ousávamos perturbar o silêncio do lugar, por isso andávamos lentamente embora tivéssemos pressa, era como se não fossemos sair dali se fizéssemos diferente. Não explorávamos as salas, seria perda de tempo. O tesouro deveria estar no lugar mais distante, por isso passávamos direto por aquelas portas que permaneceriam fechadas por dias sem conta... Todos, sem dizer palavras, concordávamos que teria sido melhor se tivéssemos travado uma batalha com um monstro violento e perigoso que nos deixasse a beira da morte, porque aquele vazio, aquela ausência de sinal de vida, estava dentro do peito de cada um de nós e a angustia crescia a ponto de...
Não, isso não é importante e também não é importante perder tempo com minhas impressões do lugar ou essas coisas pequenas... Não acho que valha a pena dizer os objetos corriqueiros destruídos e envelhecidos que machucavam mais que facas, afinal, um corte cicatriza com facilidade, mas receba um ferimento em sua alma e veja a dificuldade de curá-lo, ou a diferença entre a dor dos dois ferimentos e aquele lugar machucava, isso, aquele era um lugar que machucava!
Seguimos até a primeira sala do piso mais profundo - pelo menos acho que era o mais profundo, mas não verificamos -, encontramos um baú de ouro e nele nossa passagem para fora dali.
Era um velho baú de madeira, como se espera encontrar tesouros, mas na verdade eles quase sempre estão escondidos ou espalhados... Nessa caso, o baú encontrava-se sobre uma velha mesa de madeira e provavelmente o último a morrer ali era muito ganancioso... Se trancou naquela sala e esperou a morte chegar abraçado ao tesouro daquele forte... Felizmente a tranca não era das melhores e não deu trabalho algum abri-la. O cadáver ainda não tinha apodrecido totalmente, digo, era estranho, afinal, só encontrávamos ossos como restos mortais e nesse caso, o cheiro era forte e ainda devia haver uma quantidade considerável de carne... De todo modo, era repugnante e deveria ser pior se chegássemos perto e, felizmente, não fui eu quem teve que fazer o serviço.
Guilderon chamou a responsabilidade e deu um passo a frente enquanto estávamos parados, contemplando aquele quadro. Ele caminhou com passos firmes e lentos até o baú e o abriu, não estava trancado. Dentro, pudemos ver, mesmo a distância, muitas peças de ouro e algumas jóias. Nossos olhos brilharam, não sei se por termos achado um tesouro ou se por podermos finalmente deixar aquele lugar, e só não gritamos comemorando por causa do efeito que aquele lugar causava em nossas almas.
Infelizmente, como é fácil deduzir, aquele que segurava o baú não estava verdadeiramente morto, bom, estava e não estava... É difícil explicar, porque é fácil ver que ele não estava mais vivo, mas também não posso dizer que ele estivesse verdadeiramente morto... Vocês vão ver que é tudo culpa da maldição daquele tesouro, maldição daquelas moedas, maldição... Mas não devo atropelas os fatos, voltemos ao ataque que o dono do baú que estava apodrecendo desferiu contra Guilderon.
Ele, Guilderon, começou a levantar o baú para irmos embora, era uma arca média e um homem forte poderia carregá-la sozinho, mas tão logo começou a levantar, parece que o guerreiro morto acordou, seus músculos putrefatos se contraíram e com um veloz e surpreendente salto atacou nosso companheiro que não teve tempo para se esquivar. Foi uma mordida certeira que atingiu o pescoço, única parte do corpo que não estava sendo protegida pela armadura, não sei se a criatura entendia isso, se foi um golpe de sorte ou se algum tipo de instinto a fez agir desse modo, o fato é que nenhum morto-vivo, nenhum corpo que eu já tivesse visto ou do qual já tivesse ouvido falar, poderia se mover dessa forma.
Um belo e rápido golpe de espada, desferido por Guilderon, atravessou o peito daquele monstro humano, pudemos ver a espada do doutro lado. Não saiu sangue, apenas algo negro manchando a parte da espada que brotava nas costas da criatura, mas isso pareceu não afetar a coisa que continuava mordendo com vontade, como se só isso importasse e não se dando conta de que havia mais pessoas lá.
Taliance - a mais hábil no manejo de armas pesadas, coisa que pouquíssimas mulheres são capazes e duvido que alguma tão bela quanto esta que foi minha companheira - cortou a criatura ao meio com um golpe de machado, separando o troco do restante do corpo e fazendo a espada, antes empalando o peito da criatura, rasgar o restante daquela carne apodrecida cortando o que pareciam órgãos internos em decomposição avançada se espalhar pelo chão. Mas mesmo partida ao meio, ela, a coisa que parecia um homem, não parava de morder e, apenas com muito custo e força, Guilderon foi capaz de jogar a criatura longe antes de perder as forças e cambalear para o lado.
Então, jogada no chão e sem as pernas, pudemos ver que os tendões dos
braços haviam se rompido e aqueles ossos pareciam presos por uma linha, um no outro... Como a criatura não tinha pernas, não podia se deslocar e as tentativas de movimento só faziam aqueles restos que provavelmente haviam sido braços se arrastarem desconexamente pelo chão, levantando um pouco de poeira, mas mesmo assim ela não dava mostras de dor ou medo e continuava tentando chegar até qualquer um de nós, na verdade, mirava mordidas no ar em quem estivesse mais próximo. Era possível ver os músculos da mandíbula se arrebentando pedaço por pedaço a cada tentativa de morder... Mas o pior eram aqueles olhos embaçados, apagados, quase completamente brancos, olhando para algum lugar sem nada ver...