Observação voraz e onívora

[Galtor_rj]

Meus sapatos ganham as ruas e meus olhos tocam todas as coisas: as flores muito esticadas na bunda da morena me deleitam, mas logo viram a esquina das empadas e do pastor. Os prédios desenham ideogramas com suas janelas abertas e fechadas. Pombos grosseiros no seu baile encardido repartem uma bala halls.

- Como é bom saber que todas as cores da cidade me serão úteis na noite madura!

Imundície em alta definição na vitrina que a vendedora escora com seu sono. Oba!, mais uma morena sai do ralo do metrô com pernas assombrosas, tão grossas quanto as sequóias dos desenhos animados. É bom que ela saiba andar com essas pernas e não ofenda Deus e o povo, enterrando talento, encurvada e claudicante. Há também insetos, fósseis novos colados na lâmpada, que esperam pacientes pela Comlurb, magros, com cara de selo.

- Sei, tranqüilo em Deus, que não devo enlouquecer com inveja dos clássicos e que logo a vida me dará o acorde possível.

De olhos fechados, ergo meu rosto e o sol me pinta com manchas vermelhas as pálpebras. Acompanho o calouro até sua vaga no quarto úmido – chega-se por uma ladeira boa que ele esculhamba. Conheço sua tuberculose enjoada, que marcha para a loucura de sua mãe e que logo empurrará o seu verão para a sepultura. Depois ouço os pensamentos de uma jovem triste e castanha. Vejo a clara tatuagem que ela traz na alma: o apreço por músicos e rodoviárias. Agora, e por fim, puxo fios invisíveis guiando os pombos de volta para as cornijas do seu teatro. Estou certo que nele haverá nele mais uma ópera velha e má.

- Já estou posto sob suspeita: faço amor com o inverossímil, mergulho incandescente na página em branco.