[21] Parte 2: Vinte e um Bilhetes

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[21] Parte 2: Vinte e um Bilhetes

Mensagempor Carminaro em 16 Mai 2010, 01:50

Foram vinte e um dias de luto sozinho naquele apartamento. As férias vieram mais cedo do que eu esperava graças a um patrão preocupado com minha sanidade. Eu poderia estar louco naquela época sem saber, o padrão ainda não me era conhecido e eu simplesmente parecia não pensar. Ainda sentia que estava deixando algo passar, algo importante e, mesmo assim, sem importância. Minha irmã estava morta e era com isso que eu precisava lidar.

Pela primeira vez desde que ela havia saltado do prédio eu tive coragem de reler aqueles bilhetes amassados. Eles estavam sobre a mesa da cozinha desde aquele dia – o seguinte do da morte. Estavam perto do cinzeiro que ela costumava usar, ainda com as bitucas dos seus últimos cigarros nele. Tudo parecia tão nostálgico, haviam-se passado poucos dias para isso, mas penso que é assim mesmo que funciona quando alguém que lhe é tão importante se vai, quando tivemos a oportunidade de nos despedir, mas não o fizemos.

Curiosamente aqueles bilhetes me chamavam a atenção todo o dia. Pareciam emitir certo magnetismo que me fazia pousar os olhos neles sempre que possível. Havia os lido, sim, mas não me pareciam importantes. Lembro que li cada um com um nó garganta, da primeira vez, e me decepcionava a cada bilhete, até que lancei o último sobre a mesa e os abandonei. Menos confortado que antes.

Dessa vez não foi muito diferente. Li todos e não havia nada de novo. O que eu esperava dessa vez? Não sei, mas aquele magnetismo ainda estava ali. Quando pousava o pequeno papel sobre a mesa, era tomado, instantaneamente, pela vontade de relê-los.

Foi depois de ler dez ou onze vezes que eu percebi algo de novo, havia dois bilhetes próximos. Um dizia “A primeira vez que eu beijei foi com 16 anos” e o outro “Carinho é a segunda coisa mais importante”.

Primeira.

Segunda.

Era isso, havia mais bilhetes enumerados e outros que eu enxerguei como sendo, tudo indicava que ali havia uma seqüência. Ou era isso que eu queria; uma dica que significasse que ela quis me deixar algo. Separei treze bilhetes e os alinhei sobre a mesa, essa era minha dica:

A primeira vez que eu beijei foi com 16 anos.

Carinho é a segunda coisa mais importante.

A terceira lei de Newton parece loucura.

Sonho com um quarto de paredes alaranjadas.

A alegria chega no quinto dia útil de cada mês.

Na sexta-feira treze eu sempre assisto um filme de terror

As festas da sétima série são minhas melhores lembranças do tempo da escola.

Ás e oito é uma ilusão.

Renove seu guarda-roupa e saia para a noite.

Você tem que tentar no máximo dez vezes.

Ouro, prata ou bronze, não há medalhas depois disso, ou há?

Rosas e doces; dozes e grooves.

E essa é minha última tentativa de lembrar de você.


Era a mensagem que ela havia me deixado, a mensagem de um tempo não tão distante, a mensagem do vinte e um.

Era o que eu precisava pra sair daquele quarto. Eu já sabia para onde ir.
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Carminaro
 
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