A Batalha de Ikaros
Como se o próprio tempo não existisse Lorenza e Ikaros se observavam. Os olhos da guerreira queimavam de forma doentia pela antecipação da batalha. Ikaros sustentava uma expressão calma e tranquila, mas os nós de seus dedos se esbraquiçavam pela força que ele apertava o punho da espada. Quanto tempo estavam assim, silenciosamente se preprarando, nenhum dos dois saberiam dizer. Dentro deles estava a certeza de que apenas um dos dois sobreviveria a este dia.
Um trovão distante anunciou muito mais que a chuva - deu início ao combate.
Um grito de guerra brotou no peito da bela ruiva e ganhou vida em sua garganta. Ikaros tremeu com a ferocidade da mulher que se aproximou em poucos passos, saltou como um tigre e aplicou um golpe poderoso com uma espada de duas mãos. Um golpe ousado demais, que seria fácil de esquivar e deixaria a guarda dela totalmente aberta.
Sem dúvidar da boa sorte Ikaros saltou para o lado deixando a lâmina poderosa passar no espaço que ele estava antes, deixando todo o lado esquerdo da jovem desprotegido. Antes que o guerreiro esboçasse um contra-ataque uma adaga foi atirada em sua direção. Mesmo supreso Ikaros conseguiu aparar a adaga com sua espada, bloqueu também uma estocada de Lorenza e revidou com uma série de três golpes rápidos que abriram pequenos cortes na pele branca da bela guerreira.
A chuva lavava o suor e os combatentes ofegantes se mediam novamente. Eram iguais em habilidade, ambos sobreviventes de batalhas incontáveis. Para Ikaros essa era sua maior provação, para Lorenza o dia mais divertido e significante de sua vida.
Foi com Lorenza que Ikaros aprendeu a lutar. Ela foi "um farol em tempos de trevas" como ele costumava pensar. Ela era membro dos cavaleiros da Ordem da Luz. Era uma guerreira sábia, justa e extremente habilidosa na luta com escudo e espada.
A decepção e a falta de concentração na batalha quase custaram a vida de Ikaros, diversos cortes haviam sido abertos em seus braços e partes da armadura já tinham sido levadas pela espada de sua antiga senhora. Mesmo assim ele continuou imerso em lembranças.
Essa mulher que lutava com ele era outra pessoa, lutava de uma forma completamente diferente e aceitava matar por um pouco de ouro, ou mesmo sem razão alguma. Era uma assassina impiedosa e não a mulher que lhe ensinou tudo que ele sabia. A mulher que ele amou.
Voltando toda a atenção para o combate, Ikaros rapidamente pos Lorenza em uma posição defensiva e a fez recuar. As espadas se chocavam freneticamente, em um ritmo crescente e cada vez com mais força. Nenhum dos dois abria a guarda, nem perdia o equilibrio. Os pés se arrastavam no chão com perfeição e sincronia, e qualquer espectador que estivesse por perto poderia dizer que a batalha dos dois era uma dança de uma beleza indescritível, uma dança da morte. No entanto, Ikaros começou a se cansar.
Lorenza percebeu que seu oponente defendia cada vez com mais dificuldade e atacava com menos energia a cada golpe. Sorriu, pois o combate estava perto do fim.
Para piorar a situação do guerreiro, o sorriso de sua antiga mestre lhe enviou a um mundo de lembranças novamente. Era um sorriso que o acalmava mesmo nas horas de maior agonia, um sorriso perfeito como um anjo. Era o sorriso que ele via todas as manhãs quando acordava, e enchia seu coração de guerreiro com uma ternura acima das descrições. Ikaros não se perdoava por ter permitido que sua amada partisse para o norte, sozinha. Lá Lorenza foi encontrar respostas sobre seu passado. Eram peguntais pessoais demais para Ikaros compreender completamente, mas mesmo assim ele nunca se perdoou por te-la deixado partir. Ela foi como Lorenza, e voltou como uma assassina enlouquecida.
- Lorenza! - gritou o guerreiro, desesperado e continuou gritando enquanto evitava os ataques da ruiva. - Lorenza! Porquê?
- Querido... não seja um mal perdedor. - disse ela com uma ternura cruel enquanto desferia uma sequência de golpes quase impossíveis de serem evitados.
Ikaros compreendeu que não havia nada a ser feito, não havia a quem resgatar e a única saída seria a morte. Deixou que um golpe de Lorenza acertasse em cheio seu coração. Sentiu a lâmina fria queimar em sua carne e apagar todas as memórias, todos os pensamentos e finalmente sentiu um pouco de paz. Uma gargalhada surgiu dos lábios de sua algoz e isso trouxe Ikaros novamente pra realidade.
- Me desculpe - disse o guerreiro, se referindo ao dia que deixou que ela partísse e então mergulhou ainda mais na lâmina de Lorenza. Com um golpe rápido enterrou a própria espada no peito de sua amada e silenciou sua gargalhada. Ambos cairam no chão, mas Ikaros sentiu que estava flutuando, não sentiu o chão chegar. Talvez essa fosse a morte e ele estava preparado pra isso.
Ikaros encontrou muito mais que a morte.
