Enlouquecer

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Enlouquecer

Mensagempor Benatti em 10 Mai 2010, 09:41

Hail Spellianos,
Esse conto é um pouco antigo e longo. Não está terminado ainda, são só capítulos 1 a 3... queria saber a opinião de vocês de como está ficando e talvez me animar pra continuar. Enjoy it.


Enloquecer


Capítulo I

Tem dias que você está ótimo e nada pode abalar seu humor... e tem os outros dias, como hoje. Por que a dose da Campari é tão cara nessas danceterias? Aliás, eu é que devo ser pobre demais pra esse lugar.
Olhei em volta vi alguns amigos conversando do outro lado mesa, outros dançando na pista. Todos com roupas caras, de marca, esbanjando confiança e conseguindo muitos olhares e alguns beijos como resposta. Eu poderia ficar nessa mesa me lamentando por ser um cara comum, com roupas baratas e um cabelo ruim escondido no boné, mas acho que bebi o suficiente pra tentar a sorte na pista de dança.
Acenei pra um deles mostrando onde eu estaria, deixei meu copo de Campari, cara, na mesa e caminhei na direção da pista. Tentei afastar da mente todos os maus pensamentos deixando espaço apenas pra batida da música eletrônica e pra procurar alguma garota que valha a pena. Raramente eu consigo ficar com alguém sem ser em uma balada, geralmente passo a semana toda trabalhando e estudando então... lamentações ficam pro resto da semana, agora sou só eu e a música, e as tantas garotas lindas ao meu redor.
Acho que é por isso que gosto tanto de música eletrônica! O ritmo é hipnótico, simples de acompanhar e a altura do volume impede que eu tenha que conversar com alguém pra conseguir algum beijo, as coisas são muito práticas aqui! Só gostaria que isso fosse o suficiente pra evitar a solidão que sinto no resto da semana... nada de pessimísmo, nada de pessimísmo!
Rindo do meu humor instável resolvi olhar em volta, e então o tempo parou.
Meu olhar cruzou com o de uma loirinha linda que dançava a poucos passos de mim. Pequena, magra, pele branquíssima, cabelos curtos repicados, um sorriso crescendo nos lábios cheios e olhos azuis intensos. Convidativos.
Quando percebi estavamos dançando poucos centímetros um do outro. Eu sentia o calor que o corpo dela irradiava, um perfume floral me entorpecia cada vez que ela movia os cabelos e o pingente dourado em seu colar brincava pelo decote da blusa enquanto ela dançava. Nossa respiração estava próxima, irregular. Eu não conseguia pensar em nada que tivesse nexo, mas eu não precisava pensar.
Durante alguns segundos o tempo não significava mais nada pra nós, eu não ouvia nem mesmo a música ou as pessoas ao nosso redor. Meus lábios tocaram os dela sem timidez, um sabor doce invadiu cada parte do meu corpo como. Havia mel, ou melhor, ópio na boca daquela garota! Nos beijavamos compulsivamente. Incontroláveis, primitivos. Minhas mãos passeavam pelas costas dela enquanto eu a puxava para mais perto. A boca dela desenhou o contorno do meu queixo, passou pelo meu maxilar parando perto do meu pescoço. Eu estava a ponto de entrar em combustão. Então ela parou.
Olhei o rosto angelical dela e fiquei perplexo com a beleza do sorriso daquela garota. Encostei a mão no rosto que parecia a face de um anjo, que pele macia! Ela me disse algo que não consegui ouvir por causa da música, ela riu e se afastou dançando. Eu tentei seguir ela, mas ela se juntou a multidão e eu fiquei ali, parado.
Alguns segundos se passaram pra que eu voltasse a realidade e aceitasse que provavelmente eu não veria mais aquela garota. Depois de provar a perfeição dela eu teria que encarar a vida sem aquilo.
Voltei para a mesa, tomei mais um gole de campari e continuei observando o nada.
— Que loira, hein Tiago? — falou o Paulinho, um amigo da faculdade. Me incomodou ele ter dito isso como se fosse uma caça a troféus. Não posso julgá-lo.
Meia hora atrás eu pensaria assim, mas eu nunca sonharia que alguém como "ela" pudesse existir. Alguém que pudesse me envolver de tal forma sem dizer absolutamente nada!. Quem era ela? O passatempo daquela demônia deve ser arruinar a sanidade de caras sem graça que nem eu. Isso mesmo, e deve ter anos de prática nisso!
Eu estava rindo sozinho desse episódio, mas pressentia uma crise existencial chegando rapidamente. Melhor ir pra casa.
Me despedi dos meus amigos, procurei mais uma vez, em vão, a pequena demônia. Não achei, então fui para o meu carro.
Silêncio.
Olhei para o lado imaginando que a pequena loirinha pudesse estar lá agora, sentada no banco de passageiro, falando da vida dela enquanto eu estaria perdido nos olhos azuis dela tentando acompanhar o som musical de sua voz... que eu nunca ouvi. Eu estava louco, fantasiando demais! Pus a chave no contato, mas não dei partida. Fiquei pensando sobre como seria minha vida dali em diante.
Chega a ser patético eu me sentir assim depois de uma balada! Ali deveria ser o lugar onde todas as minhas frustrações do dia a dia não entrariam. O lugar onde eu conseguiria deixar de lado a solidão, encontraria alguma garota que me chamasse atenção e seria feliz por uma noite, ou mais, se eu conseguisse o número de telefone ou msn dela.
Então eu encontro uma garota que parece ter saído de um sonho, que desperta em mim todas as emoções mais primitivas e então some. Eu deveria estar contente! Uou, consegui uma garota incrível! E daí? De que me adianta só provar uma vez de algo que vou querer pelo resto da vida?
Aquela diaba queria me dar uma lição... deve ser isso.
Dei partida no carro e comecei a dirigir.
Agora toda vez que eu voltar lá, ou for pra qualquer lugar vou ficar procurando aquela capeta. Sei que vou! Tô perdido. E antes de rir da minha miséria aumentei o som do carro pra distrair os pensamentos.
"Droga de música eletrônica!" Troquei pra Kiss fm e me concentrei na voz esganiçada do Ozzy. Quando percebi eu já estava em casa.
Entrei distraído e pisei em um estranho envelope amarelo.
— Correspondência? — perguntei pro nada enquanto o pegava. Não era uma conta. Estranho eu receber correspondência, estranhíssimo!
Deixei o envelope misterioso sobre a mesa e procurei algo pra comer. Nada pronto, vai pizza mesmo.
Nessas horas sinto saudades da minha mãe, que Deus a tenha.
Liguei a TV, mais brigas de quadrilhas, mais assaltos com fins trágicos, mais canais evangélicos com contas bancárias na tela, mais reprises de filmes antigos... chega de ignorar o envelope!
Voltei pra mesa, sentei e observei o envelope com meu nome escrito nele. Abri devagar, retirei o conteúdo e espalhei pela mesa. Fotos.
Eu estava em todas elas.
Eram mais de trinta fotos, eu entrando e saindo da faculdade, entrando no trabalho, saindo do trabalho, entrando e saindo de casa, indo na casa de amigos, indo e voltando de baladas, andando na rua, saindo do mercado, no posto de gasolina...
Fiquei um bom tempo olhando pras fotos mas sem consguir pensar com clareza. Quem estava me seguindo? Por que estavam me seguindo? Se estão me seguindo por que me contaram isso? Corri e fechei todas as janelas, tropeçando nos móveis da casa. Sentei na cama do meu quarto com o rosto escondido nas mãos. Por que estão fazendo isso comigo? Tranquei as portas, apaguei as luzes. Quem?
Tirei a pizza que estava queimada no forno. Quanto tempo faz que abri o envelope? Olhei as fotos de novo, peguei uma tesoura no armário e piquei foto por foto. Por que fiz isso? Por que fizeram isso? Fiquei sentando no chão, com milhares de pedaços de fotos tentando entender o que estava acontecendo. O Sol já tinha saído? Quanto tempo eu estava sentado? Não sei. Não faz diferença, eu não quero sair de casa tão cedo, mas eu precisava trabalhar. Quanto dinheiro eu tinha? Pus a mão nos meus bolsos procurando a carteira, mas não encontrei nada. Eu lembro de ter guardado ela no bolso da calça quando paguei a Campari. A loirinha deve ter visto isso e me assaltado. Que ótimo! Esse ano promete ser maravilhoso!

Capítulo II

"Se você chegou no fundo do poço, só pode subir". Acho que Murphy discordaria disso, mas pra mim faz sentido.
Uns cinco meses atrás eu cheguei no fundo do poço. Fui assaltado na balada, descobri que alguém me perseguia, me tranquei em casa por uns tempos e por conta disso perdi o emprego... perdi o velório do meu avô... foi complicado, mas dei a volta por cima.
Com a ajuda da dona Dirce (minha avó) consigo pagar a faculdade de jornalismo e ainda sair nos finais de semana. As vezes no meio da semana também, como nessa noite. As coisas melhoraram.
— Ei Tiago? Acorda! — disse o Paulinho estralando os dedos. — Tá dormindo cara?
— Hã? — eu disse, ainda um pouco desnorteado. Só então lembrei que eu estava em um bar, no centro de São Paulo, perto da faculdade. Matando aula. — Tô aqui Paulinho, viajando um pouco, mas to aqui.
— Mesmo? Olha a gata que tá dando mole pra você. — disse ele acenando com a cabeça para duas mesas atrás de mim.
Olhei como quem não quer nada, e então senti meu coração parar. Era ela que estava estava lá. A garota da balada, ladra, demônia. A linda demônia.
Ela mudou um pouco. Estava em um vestido leve, azul. Onde antes havia um cabelo dourado e curto agora haviam longas mechas negras. Mesmo assim não dúvidei que fosse ela, nem por um segundo. Aqueles olhos azuis, a pele branca e aquela boca perfeita; ela é inconfundível. Vi essa garota em meus sonhos por meses e agora ela estava lá e, segundo o Paulinho, dando mole pra mim. Realmente as coisas melhoraram!
Será que ela se lembrava de mim? Não sei. Levantei e com um meio sorriso disse ao Paulinho — Já volto, ou não. — Essa frase ficaria boa em um filme... será que eu seria um bom ator?
Fui até a mesa dela extremamente confiante, por fora. Por dentro eu tremia que nem vara verde, mas mesmo assim me sentei.
— Olá — disse ela em um sorriso branco, radiante. Perfeito.
— Oi — respondi, um pouco sem graça. — O quê uma moça tão linda faz sozinha aqui?
Onde foi que ouvi isso, em um filme!? Isso foi cafona, será que vai dar certo?
— Estou só observando... — o silêncio dela foi significativo, mas demorou um pouco pra eu entender.
— Tiago — eu disse — Tiago Melloni. E você?
— Lissa — ela disse com um sorriso impossivelmente perfeito. — Vou começar a faculdade amanhã, vim ver como é o pessoal que estuda lá.
— Que bacana! Você vai fazer qual curso?
— Jornalismo...
— Que legal! Eu faço jornalismo a alguns meses...
Em uma empolgação crescente nossa conversa continuou. Descobrimos alguns amigos em comum, conversamos sobre jornalismo, sobre filmes, sobre milhões de coisas! Até que finalmente consegui chegar onde eu queria. Baladas.
— Você costuma ir no Openbar Club? — perguntei disfarsando minha curiosidade. — Fica no aqui no centro.
— Ah! Conheço sim, mas faz tempo que não vou.
Nesse ponto eu tinha duas escolhas vitais. A sensata tentar descobrir se ela me assaltou no fim do ano passado, pedir minhas coisas de volta e cortar relações com essa ladra. A escolha outra era...
— Quer ir lá?
— Agora? — disse ela olhando o relógio.
— Porquê não? Você tem que acordar cedo amanhã?
— Não, e você?
— Também não.
Sorrimos. Paguei a conta e fiquei espantado com o quanto bebemos em tão pouco tempo. Acenei pro Paulinho, que sorriu e levantou o copo de cerveja em um brinde.
— Lissa, seu carro tá aqui perto? — a pergunta não era indiscreta, mas a pergunta por trás dela era e muito.
— Não, não. — disse ela. — Moro na Liberdade, então vim andando. Vamos no seu?
Eu não sou um cara sortudo. Pelo menos não tão sortudo! Mesmo assim aquilo estava acontecendo comigo. Uma noite com a garota dos seus sonhos... consegue imaginar como é isso? Se conseguir meramente imaginar, vai ter uma leve noção do que eu estava sentindo.
Claro que eu sabia com que eu estava, mas não ligava. Talvez eu tivesse perdido a carteira e tivesse colocado a culpa nela, coitada. Eu estava frustrado porque ela tinha sumido. Provavelmente a gente desencontrou. Só isso.
Mesmo assim algo, lá no fundo da minha cabeça me dizia que algo estava muito errado. Ignorei essa vozinha estúpida e fui curtir a noite.
Antes de ligar o carro eu ri baixo. Ela me olhou curiosa, mas não perguntou nada. Chega a ser engraçado lembrar daquela noite, meses atrás. Eu pirando de frustração e solidão no meu carro, olhando para o banco de passageiro vazio e imaginando ela lá. Eu estava bravo com ela, acho. Agora era difícil não pensar na Lissa como uma deusa e eu como seu mais fiel devoto.
Mulheres não gostam de caras que tratam elas assim, como o centro do universo, mas não havia muito que eu pudesse fazer em relação a isso. Nem queria saber de nada, além dela.
A danceteria não estava cheia, afinal era noite de terça feira! Só mesmo sendo playboy, ou inconsequente pra pegar balada nessa noite... e talvez eu me encaixe nesses dois grupos, mas que se dane!
Poucas horas e muitas tequilas depois, as luzes da casa noturna se arrastavam e se misturavam de forma curiosa. O som estava cada vez mais alto, a batida mais profunda. Minha deusa já era uma criatura além da beleza. Nenhuma mortal se comparava a ela, talvez eu tenha dito isso algumas vezes.
Não acredito que eu podesse recusar algo a ela enquanto sóbrio, então não deveria me surpreender quando ela me deu uma "balinha" para provar.
— Quê isso Lissa? — foi o que eu talvez tenha dito. — Sério, para de rir, o que é isso?
— Um doce que eu trouxe da minha terra — ela disse, também bêbada.
— E você é de onde mesmo? — eu já tinha perguntado isso, mas não lembrava a resposta — Espanha, né?
— Isso! Eu vim de Moros, uma terra de ninguém... — ela pos a pílula estranha na boca e encostou seus lábios carnudos nos meus. Instantaneamente meu corpo se incendiou de desejo. A abracei forte, beijei os lábios, o rosto, o pescoço... nossa paixão não tinha controle, nem medida. O mundo se confundiu em sons e cores, tudo ficou opaco restando apenas as calor da pele dela, os beijos e a respiração sem ritmo. Saímos de lá antes que nos expulsassem e, não sei como, fomos parar na minha casa.
Estavamos enloquecidos pelo álcool, pelo desejo, e talvez por aquela bala suspeita também. Nos livramos das roupas com dificuldade, rindo muito e as vezes caindo pela casa.
Dependendo do ponto de vista seria uma cena decadente e deplorável, o estado em que uma pessoa pode chegar sem considerar as consquências dos próprios atos. Ao meu ver nos divertimos muito.
Foi uma noite onírica, mágica. Nunca me senti tão íntimo, tão próximo de alguém. Ao mesmo tempo que nunca fui tão primitivo, tão eu. Definitivamente eu estava tendo uma sorte absurda e algo estava muito errado com isso. Eu não sou um cara sortudo!
Dormimos sorrindo, não muito antes do Sol nascer. Então eu sonhei.
Gente estranha, em uma cidade miserável. Apesar de parecer, ali não era São Paulo, talvez nem mesmo algum lugar no Brasil. Era uma terra que eu estava visitando pela primeira vez. Pena que em um sonho.
Desejei estar em outro lugar, mas continuei alí. Olhando prédios velhos e gente feia com rostos estranhos, falando em um idioma incompreensível.
"Não é justo você não poder comandar seus próprios sonhos". Só quando pensei nisso me toquei que eu estava em um sonho e muito consciente disso. Aliás, nunca tive tanta certeza de algo. Sonho lúcido, acho que é esse o nome.
Caminhei um tempo entre aquele povo estranho esperando algo, mas nada de extraordinário acontecia. Era tão monótono quanto passear pela vinte três de maio em um dia chuvoso. Que merda de sonho. Eu queria voltar pra Lissa, mas provavelmente eu estava tão cansado que precisava continuar naquele mundo estagnado.
Parei e olhei em volta. Uma morena estranha, mas de boas proporções comprava frutas em uma quitanda. Ela tinha um anel de noivado no dedo, mas flertava abertamente com o dono da quitanda. Algumas crianças jogavam bola ali perto, vendedores ambulantes conversavam despreocupados. Pessoas simples em um lugar pacífico, nada que identificasse o local.
Tudo estava muito calmo, mas uma parte de mim sabia que algo muito ruim estava pra acontecer. Essa certeza crescia a cada segundo e o nervosísmo dessa antecipação não combinava com a paisagem tediosa.
Então a terra tremeu.
Era como se o planeta estivesse irado, vingativo. Algumas casas desmoronaram. Todas as pessoas caíram e estavam confusas, gritando aterrorizadas. Assim como tudo a minha volta eu caí no chão, batendo forte o cotovelo em um pedaço de concreto. A dor subiu até o ombro escapou como um grito na minha garganta. Isso deveria ter me acordado, mas continuei lá, ouvindo gritos. Gritando e chorando também.
Depois que o tremor parou vi a mulher da quitanda se levantar e correr desesperada. Vi a parede de uma casa pender perigosamente para o lugar por onde a mulher iria passar.
Fechei os olhos, mas ainda ouvi o barulho da parede caindo, o grito abafado da mulher e o grito de horror das pessoas que assitiram a cena grotesca. Abri os olhos e vi a mão ensanguentada da mulher em meio aos destroços. Vi o anel na mão dela e pensei na dor que o noivo dela iria sentir quando descobrisse. Pensei mil coisas e quando dei por mim eu estava acordado, sentado na minha cama.
Olhei para o lado com a certeza de que a Lissa não estaria lá e ela também teria sido um sonho, mas lá estava ela. Nua, com curvas suaves, perfeitas. Suspirava baixo e dormia tranquila, sorrindo.
Eu sorria também. Não de glória por ter uma deusa dormindo na minha cama. Eu estava sorrindo porque ela sorria. Só por isso. Tive certeza que se eu não estava apaixonado, estaria em breve. Sorri denovo, como só bobos apaixonados sorriem.
Senti minha cabeça doendo, o que era de se esperar. Olhei o relógio, três horas e pouco. Fui até a cozinha tomei água e comecei a preparar um café da manhã pra Lissa. Enquanto eu assistia o café coando tentei lembrar do meu sonho. Lembrava que foi terrível e bem real, mas não lembrava os detalhes.
Olhei em volta e vi peças de roupas pela cozinha, coisas quebradas. Que festa! Ri sozinho e retirei o coador de café. Esse movimento fez meu cotovelo doer muito... provavelmente foi alguma queda. Que noite!

Capitulo III

— Boa tarde. — eu disse, acordando ela com o cheiro do café. Coloquei na cama uma bandeja com café, leite e algumas besteirinhas pra comer, esperando que ela gostasse. Era a primeira vez que eu fazia isso e estava nervoso.
— Como assim boa tarde? — perguntou ela em uma voz infantil. — Que horas são?
— Quase quatro.
— Nossa! — disse ela rindo e se servindo — Somos dois vagabundos mesmo.
— Porém felizes — completei enquanto eu também me servia. — Sabe Lissa, é a primeira vez que levo café na cama pra alguém. — Então ela me surpreendeu pondo a mão macia no meu rosto e me beijando.
— Também é a primeira vez que alguém me trás café na cama. — ela disse sorrindo. Eu teria duvidado se os olhos dela não estivessem úmidos, comovida. Eu também fiquei.
— Aquela bala que você me deu ontem... aquilo era LSD, viagra, oquê? — quebrei o silêncio categoricamente, ela riu. — Só sei que o efeito dela foi forte.
— Que o efeito foi forte eu vi — disse ela piscando — Mas aquilo era uma bala de hortelã... — e gargalhou de forma quase que musical.
— Sério?
— Sério. — disse ela com um sorriso enigmático. Nunca terei certeza sobre a bala.
— Que tal estudarmos um pouco? — perguntei assim que terminamos o café. — Passamos na sua casa, você toma um banho, pega suas coisas e chegamos em cima da hora.
— Perfeito. — disse ela e sorriu. Eu também sorri.
Tomei um banho rápido, peguei minhas coisas e saímos de casa nos esquivando das coisas quebradas. O caminho pra casa dela passou rápido, um prédio de apartamentos perto da Liberdade. A casa era bem simples, mas muito agradável e bem mobiliada. Alguns quadros na parede mostravam paisagens da Espanha, outros da Grécia. Em um canto da sala havia uma estante de madeira cheia de livros... Kant, Goethe, Dostoiévsky, Descartes, vários do Stephen King. Preciso lembrar de pedir uns emprestados.
— Vamos? — disse ela, surgindo no corredor em uma blusa de alça preta e jeans. Básica, mas perfeita.
— Vamos. — respondi indo em direção ao elevador — Simpática sua casa, adorei os quadros.
— Lindos né? A maioria veio de Moros. — seu rosto lindo ficou sombrio ao lembrar de algo — Era uma cidade parada, não tinha quase nada de interessante.
— Tinha sim, mas agora não tem mais. — disse eu, aprendendo como funciona essa coisa de ser romântico. Me aproximei dela e beijei sua testa, em seguida aqueles lábios lindos que me responderam com paixão. Fomos interrompidos pelo som do elevador chegando. Vazio.
O que aconteceu naquele elevador é inarrável. A única coisa que digo é que ele demorou mais de vinte minutos para sair do terceiro andar e chegar no térreo. Espero que não tenha câmeras.
Chegamos na faculdade um pouco atrasados e com certo humor pusemos a culpa na chuva forte que estava caindo. Pude apresentar alguns amigos e conhecidos. Sem esforço nenhum ela simplesmente cativou a todos. Alunos, professores, funcionários... todos! Em poucas horas o círculo social dela na faculdade era quase maior que o meu! Claro que isso me indgnou um pouco, mas ao mesmo tempo fiquei feliz por ela se adaptar tão fácil.
Durante uma aula de geopolítica, meio zonzo percebi que algo estava divertindo a Lissa.
— Que foi? — perguntei bocejando. — Alguma coisa que a professora disse?
— Não — disse ela rindo. — É você quase dormindo.
— Verdade. — abri bem os olhos e tentei me concentrar na aula. A professora falava sobre algum acontecimento recente. Um terremoto que aconteceu em Honduras nessa tarde. Isso significava algo pra mim, mas não conseguia entender exatamente o quê. Devia ser o sono.
— Lissa, tá complicado ficar acordado. — esbocei um sorriso — O que fiz essa noite?
— Não sei. — respondeu ela inocentemente — Deve ter sido algo muito cansativo. Quer ir pra casa?
— É uma boa idéia, mas é seu primeiro dia. Fica aí — era o fim da aula. Me levantei pegando minhas coisas. A minha dor no cotovelo realmente incomodava.
— Tem certeza que consegue dirigir? — perguntou ela com urgência na voz — Eu te levo.
— Não precisa linda, tô... — bocejei — ... bem.
Ela não respondeu, só sorriu.
— Meu celular — disse ela me beijando e entregando um papel com o número. — Se precisar, ligue! Ok?
— Claro. — dei um ultimo beijo naquela deusa — Até amanhã menina.
— Até — disse ela acenando e indo para a próxima aula.
Senti uma saudade repentina e violenta quando entrei no carro. O perfume dela ainda estava lá e eu ainda incrédulo na minha sorte. Me apaixonei por uma mulher linda, simpática e que também gosta de mim. No espaço de vinte quatro horas.
Parece um sonho.
Um sonho. O sonho! Um turbilhão de memórias veio à tona e lembrei de cada detalhe do pesadelo que tive com as pessoas de Honduras. Era mesmo Honduras? Impossível. Felizmente meu notebook estava comigo. Me perguntei se a chuva pesada iria interferir no desempenho, geralmente péssimo, da internet 3G. Felizmente a internet estava apenas lerda.
Houve mesmo um terremoto. 7.1 na escala Richter! Muitas pessoas ficaram sem lar, que caos! Apenas uma pessoa morreu. Na foto estava ela, a mulher da quitanda e seu noivo.
— Merda! — gritei sozinho dando um murro no volante. — Merda de chuva! Merda de sonho!
Era difícil pensar, encontrar lógica. Última vez que estive assim foi na noite que perdi a carteira e recebi aquelas fotos bizarras. Não existe sentido nisso, mas está acontecendo!
— Porquê comigo?! — tremendo e cansado de gritar sozinho, parei o carro no estacionamento de uma lanchonete, não muito longe da faculdade. Isso tudo não diminuiu em nada meu sono.
Desnorteado corri pra dentro da lanchonete. Além de mim só haviam três pessoas, um velho assistindo uma novela, uma senhora já de idade que limpava algumas mesas, enquanto uma mais nova estava no caixa assistindo tv distraída. Essa era bonitinha, mas tinha um rosto achatado, meio nordestino que não me agradava. Mesmo assim algo nela me lembrava a mulher da quitanda.
— Estou enloquecendo. — resmunguei enquanto escolhia uma mesa.
— Senhor? — disse a mulher que limpava as mesas — Quer algo?
— Um café expresso. — algo na mulher do caixa me incomodava muito. — e uns três pães de queijo, por favor.
Lá se foi a mulher buscar meu café. Fiquei tentando imaginar alguma explicação para eu ter sonhado com algo que ainda não tinha acontecido. Não encontrei nehuma e meu café chegou. Tomei sem sentir o sabor. Ainda estava com muito sono. Antes de pagar o café tive uma idéia curiosa.
Pelo navegador do celular bloquiei meu cartão e então fui até o caixa.
— Boa noite — eu disse educadamente. — O café e os pães de queijo...
— São seis e cinquenta — ela respondeu quase que mecanicamente, enquanto eu entreguava o cartão. — Nota fiscal paulista?
— Não.
— Débito ou crédito?
— Débito.
— Moço — ela disse, constrangida — seu cartão foi recusado.
— Nossa! — eu disse de forma natural, definitivamente eu deveria ser ator. — Pensei que tinha perdido ontem e bloquiei, nem lembrava. Eu sorri, ela sorriu de volta. — Espera um pouquinho que já desbloqueio. — Peguei o celular e comecei a desbloquear.
— Trabalha aqui a muito tempo? — perguntei, puxando assunto.
— Não.— ela respondeu com um leve ar de entusiasmo na voz. Não devia ter muitas pessoas pra conversar. — Uns dois meses só.
— Perdão, qual seu nome? — perguntei na com minha voz mais simpática
— Ana — disse ela sorrindo.
— Prazer Ana — eu disse com um sorriso — ...Tiago. Antes quem trabalhava aqui era a... — fiz parecer que eu estava tentando lembrar de um nome.
— A Lígia! — ela completou. — Ela tá de licença então fiquei aqui cobrindo o horário dela.
— Muito bacana ela.. olha, meu cartão já deve estar desbloqueado — entreguei a ela. — Tenta denovo.
— Só por a senha — ela disse me entregando a máquina. Digitei e devolvi.
Olhei pra fora como se a chuva tivesse me surpreendido e continuei minha encenação.
— Putz, vô me molhar inteiro até chegar no carro. — dei uma olhada furtiva para um grande guarda-chuva apoiado atrás do balcão.
— Quê isso! — ela disse, tendo uma idéia genial. — Berta, fica um pouco no caixa?
— Claro — respondeu a senhora, distraída com a limpeza da lanchonete. — Aonde você vai?
— Acompanhar o moço aqui até o carro dele. — ela corou um pouco enquanto pegava o guarda-chuva. A velha sorriu. Eu também.
— Obrigado Ana, é muita gentileza sua — eu disse enquanto saíamos. — Mas que chuva forte!
— Realmente. — ela concordou se encolhendo um pouco de frio.
— Escuta Ana — eu disse em um tom que a deixou apreensiva — Eu sei que você trabalha com café, mas na hora que sair não quer tomar um comigo?
— Tudo bem — ela respondeu prontamente — Mas saio daqui a uma hora.
— Já passo aí. — eu disse piscando, enquanto abria a porta do carro. — Até daqui a pouco.
— Até. — ela disse levantando uma mão e se virou para voltar para a lanchonete.
— Menina simpática. — falei sozinho, na segurança do carro. — Mas porquê exatamente estou sondando ela assim? Eu não quero nada com ela... espero que ela não tenha me entendido mal. E mesmo se eu quissese isso seria errado com a Lissa. Mas não querendo nada é errado com a Ana. Como se eu fosse lá muito moral... não fui no enterro do meu avô, vivo da pensão da minha avó. Aliás tenho que ligar pra ela amanhã... falar que tô procurando emprego, mas não encontrei nada.
Sou um merda mesmo. — coloquei o alarme do celular para despertar em uma hora — Quando que comecei a falar sozinho? Deve ter sido quando enlouqueci de vez.
Depois desse momento solitário de desabafo e auto-misericórdia olhei para a chuva batendo no vidro, formando traços em padrões aleatórios. Dormi quase que instantaneamente, então sonhei.
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Enlouquecer

Mensagempor Lady Draconnasti em 15 Mai 2010, 11:14

Er... Primeiro, formate o texto.

Pule uma linha entre os paragrafos. Vai ajudar pacas na hora de ler.

Segundo...

A narrtiva flui muito legal, tirando por um ou outro erro de português (fácil de resolver com uma revisão). Entretanto, creio que em três capítulos a história mal andou. Não tem muito o que comentar exceto um "Oi? O que é que tá acontecendo?"
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