Capítulo I.!
O fracasso corroia seu ser por suas veias como fogo, queimava por dentro e a fazia chorar - lágrimas desesperadas e de dor escorriam pela face pálida. Aquele sentimento tão revoltante tomava conta do seu ser a cada dia que passava e assolava sua mente com nuvens negras e tempestuosas a impedindo de raciocinar sequer por alguns poucos segundos. Estava cega de ódio, raiva, tristeza, invalidez. Sentia-se incapaz de qualquer coisa, de até movimentar-se, estava mais feliz estirada no chão do que tentando, pela milésima vez. E pela primeira vez em anos, sentiu-se feliz com aquilo, com aquela derrota, com aquele fracasso que a seguia eternamente, quem sabe, até de outras vidas. Um sorriso cortou as lágrimas e corou a face.
Risos ecoaram na sala de estofados brancos, a única luz que intervia naquela escuridão mórbida era a que vinha pela tímida janela na porta que nascia das lâmpadas enfileiradas no corredor. O som da propria risada ricocheteava nas paredes almofadadas e voltavam para ela, o que fez com que aquele sorriso, tão raro se desmanchasse por completo naquela solidão louca. Não ligava se perderia mais uma vez, mais dez, vinte ou trinta. Mas queria, pelo menos uma vez conseguir sair sã. Mas era, obviamente, impossível. Com o rosto ainda encharcado encarou o teto, ou pelo menos o que podia ver. Fechou vagarosamente os olhos com uma mansidão nunca antes vista ou experimentada.
Uma nuvem espessa vertia de dentro do quarto pelas frestas da porta, um tom azulado se misturava ao cinza natural. Gritos esquizofrênicos cortaram o silêncio do pequeno cômodo fazendo a porta balançar com o terror que cada palavra carregava. A fumaça se esgueirou para fora e aos poucos tomava uma forma feminina, como se fosse moldada por mãos invisíveis e com tamanho esmero - o busto se construira lentamente na fumaça bicolor, olhos de fogo quase vivos se formaram tomando seus globos oculares, e como um rabo ainda havia a fumaça que se esgueirava da porta no fim do corredor. Um sorriso diabólico, não mais que sua propria criação era, se fez encarando o vazio do corredor. Na janela outras faces lutavam no pequeno espaço para observa-la do lado de fora. Encarando a única porta de cor diferente no outro extremo do corredor, a criatura de fumaça flutuava lentamente se distanciado da porta. Subitamente ela parou, encarando com raiva a porta atras de si. As mãos gasosas percorreram toda a extensão da porta fazendo com que ela caísse abruptamente contra o chão, como se nada antes a segurasse em seu lugar.
Outras e outras formas sairam ligerias do quarto, eram formas gasosas dos mais variados sexos que com linguas afiadas pareciam saborear o proprio ar seco do local, outras com olhares curiosos percorriam o único caminho com os olhos vermelhos e sedentos, lentamente a única figura, realmente humana caminhava para de fora do quarto, com um grande robe branco e cabelos negros que escorriam pelos ombros sensualmente. A fumaça bicolor envolvia todo seu corpo e como rédeas paravam em suas mãos. Seus olhos cintilavam com um azul violento, seus punhos cerrados faziam saltar veias ao longo do pulso que era adornado por varias cicatrizes em diferentes sentidos. Inspirou todas suas criações para dentro dela mesma deixando nenhum vestígio no ar. As pálpebras fecharam e no mesmo segundo abriram trazendo de volta suas belas esferas esmeraldas.
- Nada mais detera Pérfida.
Com os olhos pesados ela encarava ao longe a porta marrom que era ligada a sua pelo corredor estreito. Passos rápidos e largos levaram-na rapidamente para a porta. Se escorou contra a madeira e agachou colocando o ouvido o mais proximo possível tentando ouvir qualquer vestígio humano do outro lado. Fitou o chão. Aquele branco em todo lugar, toda a parte começava a lhe incomodar profundamente, como se não bastasse todo o quarto em que passara confinada um tempo incontável, todo o lugar, exceto aquela maldita porta ainda de pé, eram brancos. Franziu o cenho e assim seus olhos foram tomados mais uma vez por aquele azul. Expirou a fumaça que corria por entre as narinas e os finos lábios e logo tomaram formas novamente, se entreolharam e com rédeas em mãos ela os jogou violentamente contra a porta.
A porta vôou em direção a parede retorcendo-se e assim se mantendo ao chegar no chão, a parede, branca, se rachou devido ao impacto. Ela caminhou ultrapassando o vão que a ausência da porta deixara, entrando em um cômodo muito maior, onde corredores e mais corredores levavam a outros quartos e seus pacientes. Estranhou a falta dos vigilantes e das enfermeiras no locais, lembrava-se quando, ao chegar, era infestado como um formigueiro por aquelas mulheres tradicionais e pares de homens cuidando cada uma das portas. Franziu o cenho, estava tudo certo, ou errado de mais. Inspirou a névoa. Seus olhos analisavam cada milímetro do local, procurando pequenos detalhes ou qualquer vestígio que lhe desse alguma pista do que estava acontecendo.
Decidiu ignorar, caso qualquer coisa acontecesse, desta vez, não deixaria por menos ou se entregaria, estava disposta a viver com isso para todo o sempre, custasse as noites insones ou os pesadelos durante raros sonos, aprenderia a viver e lidar com isto. Mesmo que os tormentos fossem grande de mais. Estava farta de tentar.
Tentou se lembrar entre tantas portas, qual delas levaria até a saída. Segurou a cabeça, que naquele instante pesou com tamanha força que quase perdera o equilíbrio. Respirou retomando o controle e correu em direção a primeira porta que lhe aparecera na frente. A mão girava freneticamente a maçaneta e com a pouca força do esguio corpo empurrava-a, mas nem ao menos saía do lugar. Esmurrou a porta e com um grito toda a névoa dentro dela foi contra a porta. Manteu-se tão imóvel quanto antes - a porta não havia nem ao menos rachado. Era o que ela precisava para confirmar o óbvio - alguem estava por trás disso.
- Alice... Querida, quanto tempo - uma voz afiada penetrou-lhe os ouvidos como agulha penetrava a carne - Saudades...