Quase não acreditei quando ouvi a voz me dizendo:
“Qual seu último pedido?”
Na verdade, eu não cheguei a acreditar.
É claro que eu não teria um último pedido ou qualquer outra coisa. Era eu quem estava com a cabeça presa à guilhotina com uma cesta com feno ali em baixo. Era eu quem vinha sendo perseguido por mais de cinco estados até ser posto de quatro naquela máquina.
Era eu quem ia morrer.
E, por Deus, ele fez uma pergunta nada específica. Seria diferente se me perguntassem “Qual vai ser sua ultima refeição?” ou quem sabe “Quais suas últimas palavras?”, mas a pergunta não foi nenhuma dessas duas. A pergunta foi:
“Qual seu último pedido?”
Aquilo, sem dúvida nenhuma, me pegou com as calças curtas.
“Temos quanto tempo?” eu perguntei.
“Algumas horas. Até antes do amanhecer, compreende?”
Como não compreender? Eu não estava com a garganta na reta a toa, não é mesmo? Claro que não, segundo essas leis que a gente nem imagina que existe eu havia feito uma grande merda. Uma merda tão grande que não valia só a minha vida, mas também a minha cabeça fincada num pedaço de pau pra ser exibida como um aviso “Hey vocês aí que se acham os espertos, façam a merda que quiserem, mas vão acabar assim”.
Mas e o meu último pedido? Agora eu acreditava.
“Acho que vou precisar de algum tempo pensando” avisei.
O carrasco não disse nada, mas senti que ele não estava com muita pressa.
Pensei em muita coisa nas horas que se passaram. Quando puxava o ar para enfim falar, desistia. Pensei em pedir um passeio a cavalo; um abacaxi para comer (e não pense que seria um pedido bobo, pois abacaxis são quase raros por aqui, além de deliciosos); pensei em pedir uma prostituta, mas sempre me detinha no último segundo.
Foi quando quase amanhecia que eu entendi porque fraquejava na hora de pedir alguma coisa que adiasse o fim de tudo, o meu último pedido não deveria ser usado como um simples artifício para o atraso da sentença. Tinha de ser mais que isso. Ao invés de um julgamento, eu fora posto ali com uma única pergunta:
“Qual seu último pedido?”
Não havia sido condenado por ninguém, era eu mesmo quem me condenava.
E eu me perdoava.
Melhor que isso, eu não me sentia culpado.
“Já tenho meu pedido”
Agora só faltava as palavras certas, para não acabar pior do que já estava.
“E então...?” O carrasco perguntou.
“Quero continuar vivo!”
O carrasco deu um risinho baixo.
“Seu pedido foi negado, caçador.”
Quando minha cabeça foi levantada para que eu visse meu corpo decapitado, tive meus últimos dois pensamentos.
O primeiro foi:
“Nunca acredite em um vampiro.”
O último:
“Uma prostituta não teria sido má ideia.”