“Pan, pá, pow, pow”
Os dois garotos estavam sentados sobre os calcanhares em cima da cama de casal no quarto de seus pais. O mais novo vestia um pijama branco com ursinhos azuis estampados, segurava uma escova de cabelo com as duas mãos.
“Você tem que morrer, tato” dizia ele.
Mas tato não conseguia parar de rir, ver o irmão mais novo com a escova de cabelo da mãe repleta de fios loiros grudados de sua mãe simulando uma arma parecia extremamente hilário. Ele jogava a cabeça para trás e gargalhava mais ainda.
“Eu não sou o fora da lei, combinamos que eu era o xerife. E xerifes é que matam os foras da lei”.
“Então cadê sua estrela?” O menino mais novo, que tinha o cabelo tão loiro quanto o da mãe, olhava diretamente para o peito do irmão, onde supostamente deveria haver uma estrela dourada.
“No mesmo lugar que esta o seu chapéu de boiadeiro e o seu lenço”
O irmão mais novo deixou a escova de cabelo sobre a cama e correu abrir o guarda-roupa, apanhou uma cueca do pai colocando-a no pescoço e um boné na cabeça.
“E a sua estrela?”
O menino mais velho apanhou um broxe da mãe que estava posto em um criado mudo e o prendeu no pijama.
Os dois riram mais uma vez. Um achando graça do outro.
“Pan, pá, pow, pow, pow.”
“Você não pode atirar desarmado, tato” o mais novo falou.
“E não toque na minha arma” adicionou após de ver que o mais velho se engatinhava para a escova de cabelo.
“Então eu atiro com os dedos” disse o mais velho.
“Pow, pow, pow.”
“Nããããão, tato.”
“Então você não quer brincar?”
“Claro que quero, mas você não tá brincando direito, tato”.
“Então espere, fora da lei. Não se deve atirar em um homem desarmado.”
Os olhos do mais novo brilharam em um sorriso largo.
“Você tem dez segundos para se armar, agente da lei. Depois disso eu mando chumbo nessa delegacia imunda” disse ainda sorrindo.
O mais velho foi até o criado mudo e começou a revirar as gavetas.
“Dez”
Não achou nada na primeira gaveta.
“Nove”
Nem na segunda.
“Oito”
Na terceira só encontrou calcinhas da mãe. Ficou vermelho.
“Sete”
Rolou por cima da cama indo para o outro lado do quarto.
“Seis”
Abriu a primeira gaveta.
“Cinco”
Apenas meias.
“Quatro”
Nada na segunda gaveta.
“Três”
Encontrou um pente e puxou para si, mas percebeu um volume no fundo, em baixo de uns lenços.
“Dois”
Atirou o pente fora e pegou sua arma.
“Um”
O mais velho se virou e viu o irmão empunhando a escova de cabelo como um atirador, cerrando os olhos e dizendo: “Essa cidade é minha”.
Antes que o menino de cabelos claros conseguisse proclamar seus pans e pows o irmão mais velho puxou seu próprio gatilho, no velho oeste os xerifes não deviam dar tempo para os foras da lei.
“POUF”
O som abafado não saia da boca de nenhum dos dois. O mais novo jogou a cabeça para trás ainda com um sorriso na cara. Sangue voou pelo quarto atingindo a parede ao fundo e a televisão que ficava sobre uma escrivaninha.
Alguns ursinhos estavam vermelhos.