In Nomine Dei

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Mensagempor Lobo_Branco em 19 Set 2007, 20:50

Um pouco mais de um ano atrás, eu terminava de postar a minha, até então, mais longa obra. O resultado dela, apesar de em certas partes terem sido extremamente cansativas, fora deveras satisfatório. De longe eu tinha superado as minhas expectativas. Hoje, digo com certeza, que ela foi e é - pelo menos por enquanto, já que Busca me agrada muito também - meu melhor texto.

Pouco tempo atrás, pretendia mexer nela, mudar a grafia de diálogos, colocar opções de títulos em árabe, além do latim. Porém, meu tempo se tornou curto, e o trabalho que isso ia me obrigar a ter me levou a descartar essa opção.

Agora, a cá estou, re-postando "In Nomine". Não terão mudanças significativas, porém, irei tentar entrar em contato com alguém que saiba árabe, para colocar os textos também nessa bela língua - o que era a idéia original da primeira vez que escrevi. Assim como aceito a grafia correta dos títulos em latim - viu Madruga, rs.

Devo avisar, aqueles que não leram na primeira vez que foi postado, as partes tendem a ser longas, mas creio que isso não as torna cansativas. Por isso coragem!

O texto trata da "jornada" que um cavaleiro da Ordem de Salomão - um Templário - para reaver sua glória e honra maculadas.

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In Nomine Dei

por

Breno Pascal de L. Brito



I


Unus Benevolentia Devotio


"Non nobis, Domine, non nobis, sed nomini Tuo da gloriam"


Então, um estrondo fez-se ouvir. A multidão calou-se. Pesadas patas eqüinas, em galope, faziam subir uma forte nuvem de poeira. Como ensandecidos, os cavaleiros atravessavam a liça, indo um de encontro ao outro. As armaduras reluziam sob o sol do oriente, apesar de toda terra acumulada sobre elas. Com justas ristes, tendo o alvo o corpo de rival, eles se aproximavam.

Então um estrondo fez-se ouvir.

A justa de um acertou em cheio a cabeça do outro cavaleiro, fazendo-o cair da cela. O impacto fizera seu cavalo empinar e o corpo do cavaleiro girou, jogando-o pesadamente ao chão. Sua justa tinha resvalado no escudo do oponente, que prosseguia seu galope. Todos os presentes vibravam, fossem mouros, judeus ou nazarenos. Damas acenavam seus lenços. Algumas os jogavam à liça.

Escudeiros corriam pela liça. Tentavam socorrer o cavaleiro caído. Tiravam, às pressas seu elmo - que não tinha voado apenas por causa da grossa tira de couro que o segurava - e outras partes da armadura. Foi com um suspiro aliviado que muitos responderam ao grito de um dos escudeiros que ele permanecia vivo.

Um espetáculo como nenhum outro, pois é de uma raridade ímpar ver um cavaleiro do Templo de Salomão cair para a lança de um cavaleiro sem ordens ou preceitos.

Em pouco tempo, a liça não mais contava com a presença de nenhum dos cavaleiros. O templário tinha sido retirado pelos escudeiros e irmãos de arma, sendo levado, às pressas, para o cirurgião do templo presente, seguido de alguns cavaleiros hospitaleiros. O bravo vencedor, voltava ao seu grupo de companheiros. Fora o único estrangeiro vitorioso até aquela hora dos embates na liça, seguindo as regras normandas, onde cavaleiros alienígenas tinham que desafiar cavaleiros residentes e tidos como heróis nas conquistas das terras santas.

Até o fim daquele dia, outros embates se repetiram. Os resultado sempre favorecendo os bons Cavaleiros do Templo de Salomão e os Cavaleiros de São João de Jerusalém. O primeiro estrangeiro vitorioso do dia, caiu perante a lança do Templar Ramon de Boy-Ferée, recuperando para seu irmão de ordem armadura e cavalo. Depois teve sua vida ceifada num combate de morte contra o hospitaleiro Gustav do Acre, terminando, assim, sua fulminante e gloriosa carreira de herói.

Passou-se três semanas desde que o templário caiu perante a justa do rival estrangeiro, três longas semanas em uma cama, entre a consciência e a inconsciência, entre febres e delírios, imobilizados, por talas e faixas, sofrendo sangrias e infusões.

Talvez por ser um dos preferidos do seu Senhor Jesus Cristo ou por, secretamente, estar sob os cuidados de um cirurgião muçulmano, ele sobreviveu sem maiores seqüelas, salvo a perda de três dentes e um nariz torto, pelo menos aparentemente. Passado seu tempo de cura, conseguiu levantar-se e caminhar pelo quarto, ainda mantinham sua cabeça imobilizada por tábuas amarradas a suas laterais, e utilizava sanguessugas para tirar-lhe o sangue nos ombros inchados e roxos.

Alguns dias ainda lhe foram necessários para andar sozinho pelos corredores do Templo, e mais ainda para ele poder voltar a ministrar suas artes de guerra, como a esgrima, a justa e a cavalgada. Sua cota de anéis, ainda doíam seus ombros, e seu braço direito não tinha mais o mesmo vigor de outrora.

Após a derrota tinha se reclusado em sua cela, ser derrotado tirara toda sua vontade de ser visto pelos companheiros, os boatos minguavam suas expectativas de reaver sua glória de outros tempos. Fora derrotado, jogado para fora da sela em um único movimento, humilhado. Uma derrota apagava todas as suas vitórias anteriores, seja contra os mouros ou em outras liças. Se fosse um bom cristão, entregar-se-ia a orações e a jejuns, mas a raiva o fazia praguejar e subornar escudeiros para lhe trazerem carne e bebida de tavernas na cidade. Sua mente trabalhava em apenas um objetivo: reaver sua glória perdida.

Exigia de seu escudeiro noticias. Planejava combates. Amaldiçoava a paz que caia sobre Jerusalém. Clamava por um ataque dos mouros. Praguejava pela lentidão de Saladino e pelos acordos que o rei leproso fazia com o pagão sarraceno.

Foi em meio a um treinamento com escudeiros - pobres coitados que o templário usava para descarregar sua raiva e frustrações - que Teodoro de Funssac soube de uma comitiva que estava indo até a cidade do Acre. A oportunidade perfeita. Lideraria a comitiva. Levaria todos em segurança, e se encheria de glórias e honrarias. Esse seria seu primeiro passo para reaver tudo que tinha perdido nos últimos dias.

Colocou seu plano em ação. Entrou em contato com os priores da ordem. Mandou saber de quem era a comitiva. Depois formou um grupo de oito cavaleiros. Um numero mais que suficiente, além de coberto de misticismo. Afinal, as lendas diziam que os Templários começaram apenas com oito cavaleiros. Um numero de sorte, pensava Teodoro, um numero que lhe reaveria seu prestígio.

Poucos dias antes da comitiva partir, levando um nobre italiano da cidade estado de Veneza e sua família, Teodoro saiu pelos becos da cidade santa, não trajava seus hábitos da ordem, mas roubas mundanas, sua espada e uma adaga. Caminhava pelas partes mais obscuras da cidade. Sua caminhada durou algumas horas, vagando pelos corredores estreitos da arquitetura moura. Muitos podiam julgar que ali estava um europeu perdido, mas seu olhar e suas armas mantinham bandoleiros e aproveitadores longe. Adentrou em uma casa subterrânea. Disse o código em árabe e seguiu por um corredor escuro e silencioso.

Tão logo se pode cobrir um percurso de 16 metros, Teodoro apareceu em um salão amplo, com poucos europeus, e muitos mouros, em grupos de três a cinco indivíduos. Conversavam em meio a sussurros, e sorviam ópio e belas dançarinas.

O Templar atravessou o salão, indo até um dos cantos, se postando frente a um magro árabe, com trajes luxuosos vermelhos bordados a ouro, sapatilhas douradas, uma adaga com o cabo de marfim, sua barba e cabelos grisalhos ungüentados em óleo de azeite, seus olhos amarelos e frios analisando a tudo, algumas tatuagens sobre a face e braços, a alguns passos dele estava dois grandes escravos, empunhando longas cimitarras atentos a tudo que se aproximava do velho.

O europeu se aproximou lentamente. Depositou sua arma aos pés do árabe em sinal de boa fé. Em resposta, o velho ofereceu as almofadas a sua frente para Teodoro sentar-se. E, com palmas, lhe foram servidos uma bela jarra de vinho e uma jovem de beleza única para distrair o jovem templário.

- Dessa vez, negarei as jovens de seu garboso harém meu bom Abn al-Jazir, me contentarei com o vinho. - disse sorrindo o templário, enquanto enchia sua taça de prata, o mouro apenas sorriu e mandou a jovem retirar-se.

- Então, que cousas arrastam um bom cristão como tu, até o meu humilde e casto lar? - a voz soou sarcástica e vil.

- O mesmo de sempre Abn al-Jazir, estou aqui para lhe oferecer um serviço. Serviço que salvará minha alma e a de outrem, e condenará a tua ao inferno, pois eu estarei livrando a mim e a outro irmão cristão do peso de seu ouro e estarei lhe entregando o mesmo. - sorriu o cristão, enquanto sorvia do bom vinho.

- Compreendo tuas intenções nazareno. Diga-me, o que necessitas?

- Quinze dos teus homens, dos quais metade seja dispensável. Devem bater sobre a comitiva que eu guiarei. Matar os templários, menos a mim. Levarão então o veneziano e suas filhas em cativeiro. Todo os pertences serão seus Abn al-Jazir, enquanto minha humilde pessoa, seguirá teus homens e salvará sozinho os cativos. Assim, eu terei o que me apraz.

O olhar do mouro recaiu sobre o europeu, e o examinou; quem podia imaginar que tal ser, um templário perfeito, com bons modos e grande habilidade bélica seria dono de tão vis atitudes. Métodos não aprováveis em nenhuma das três grandes religiões, mas se assim fosse para ser que assim fosse.

- Como quiserdes meu bom cristão. Utilize uma fita vermelha em tua cota e meus homens te reconhecerão, entretanto como garantia dei-me um título, um tesouro quaisquer de um dos castelos de tua ordem. - disse sorrindo o mouro.

Com um gesto lento Teodoro retirou um papel de dentro da capa e entregou a Abn al-Jazir. Depois, com uma vênia, ele se levantou. Tinha armado o tabuleiro para reaver sua glória. Agora era só esperar.
Editado pela última vez por Lobo_Branco em 21 Set 2007, 01:02, em um total de 1 vez.
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Mensagempor Lady Draconnasti em 19 Set 2007, 21:20

A volta do Filho da P***...

Morra, Teodor!!!
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Mensagempor Lobo_Branco em 19 Set 2007, 21:25

É bom ver que a fama de Teo continua a mesma...rs
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Mensagempor Lady Draconnasti em 19 Set 2007, 21:38

Infamia, você quer dizer...
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Mensagempor Dahak em 20 Set 2007, 00:35

Olha outro sucesso retornando :victory:


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Mensagempor Mai em 20 Set 2007, 22:35

Que... templário... SACANA! o.o

Faço coro com a Nasti. Morra, Teodor!
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Mensagempor Dahak em 21 Set 2007, 00:03

Pergunta básica: por que adotou underline?

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Mensagempor Lobo_Branco em 21 Set 2007, 00:58

Na época eu usava ela como travessão... :duh:

Acabei esquecendo de corrigir...valeu pelo toque. Abraços!
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Mensagempor Dahak em 22 Set 2007, 01:59

Estamos aqui pra isso ;)

Seria redundante em dizer que é seu melhor conto?!
:cool:

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Mensagempor Lobo_Branco em 23 Set 2007, 13:11

Pobre Teodoro, mal começou e já está sendo odiado. rs

Dahak,

Pode até soar, mas é sempre bom ouvir isso..rs :b

Aqui vai a segunda parte.

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Iusti et Peccatóris - Addilun wa Muthnibun



Bismillahir Rahmanir Rahim


("Em Nome de Deus, O Clemente, O Misericordioso!")



Há cerca de dois dias de viagem para quem sai da cidade de Jerusalém rumo a Acre de São João existe um palácio fortificado. Sua arquitetura é única e sua beleza impar. Ao final do século que antecedeu a vinda do Nazareno, ele era uma Villa romana.

Pertencia a um general patrício, homem cansado e de “visão”, que transferiu seus bens e parte de sua centúria para aquele terreno árido. Ali construiu seu lar, ergueu colunas, fontes, estatuas e plantou oliveiras. Viveu naquelas terras por 40 anos, em considerável paz, apesar da rebeldia dos povos daquela terra.

Quando ele partiu, seus filhos abandonaram a Villa aos cuidados de um antigo amigo da família. Eles estavam interessados em Roma, não em uma fazenda no meio de uma terra arida. O bom homem, de origem e costumes simples, logo foi cativado pela Villa e pela nova religião, que pregava amor e igualdade. Ao passar dos anos ele foi trocando os antigos deuses pelo culto ao Marceneiro que morreu em nome do amor e da humanidade.

Enquanto todos ainda eram jovens e o culto puro, esse novo cristão transformou a morada que estava sobre sua guarda em templo e local de asilo para os irmãos de fé. O lugar foi considerado santo.

As estatuas dos antigos deuses não foram destruídas, mas plantas foram cultivadas ao seu redor; roseiras e oliveiras, entre outras, cresciam usando os corpos de mármore como base. O Pisces, símbolo da religião, foi desenhado em partes discretas de toda a propriedade, e apesar de toda a perseguição àqueles que viviam ali tinham paz.

Muitos anos se passaram e o lugar prosperou. Virou um templo definitivo quando Constantino acabou com as perseguições aos cristãos e local de referência após a cisão do império romano em dois. Em todos esses anos poucas mudanças ocorreram em suas edificações, que não foram comprometidas nem mesmo com a adesão à arquitetura greco-oriental bizantina e a expansão das casas e muralhas da propriedade.

Mais anos se passarem. Quando Maomé guiou seu povo, criando o maior império já visto até então; quando a região de Jerusalém saiu das mãos dos bizantinos, caindo nas mãos dos islâmicos, a Villa também mudou de proprietário, passando para o domínio de um filosofo árabe.

Ele ergueu torres, modificou arcos, fortificou as muralhas, aumentou os prédios, reconstruiu e embelezou as fontes, pavimentou os caminhos, criou belos jardins, plantou novas árvores e outras plantas e fez da villa um verdadeiro palácio, adaptando-a a arquitetura de seu povo e fazendo-a refletir o grandioso império árabe.

Assim permaneceu a Villa, até o momento em que a região de Jerusalém caiu em mãos dos europeus, dando inicio ao período conhecido como Reinado Latino de Jerusalém.

Nessa época, tomado de assalto, o palácio mais uma vez mudou de dono. O novo proprietário, encantado com a beleza do lugar, se deu por satisfeito em construir uma pequena capela e mandar destruir a maioria das estatuas pagãs, deixando o resto da Villa sem alteração. Em pouco tempo, graças à influência e modo de agir de Abn al-Jazir e sua guilda de assassinos, o lugar voltou às mãos dos seguidores de Maomé.

Os dias no palácio normalmente eram repletos de paz. Era comum Sofistas e aiatolas, além de comerciantes sarracenos, o utilizarem como ponto de descanso. No entardecer daquele dia a tranqüilidade do palácio fora quebrada pela chegada de uma comitiva com mais de 15 membros, a maioria a ferros.

O líder da comitiva, um homem pequeno e com ar sombrio, atravessou os portões, ignorando os guardas. Cruzou um dos grandes e belos jardins, passando pela frente do palácio sem se estancar, seguindo para o leste até próximo a uma das maiores e mais antigas fontes.

Seus passos eram sutis, furtivos, sendo facilmente abafados pelo barulho da queda das águas. Ele parou ao lado da fonte, a cerca de 5 metros de um homem que se encontrava ajoelhado sobre uma fina esteira de palha, com a testa junto ao chão e voltado para a santa cidade de Meca, em uma posição de suplica utilizada pelos maometanos para se dirigir a Deus.

O sol se punha à frente deles, e raios dourados inundavam a região dando-lhe um ar divino. Pouco tempo se passou até que o homem que rezava parasse, se levantando solenemente de olhos ainda fechados e se voltasse para o líder da comitiva:

- O que lhe trazes aqui, meu bom senhor? - a voz dele soava sussurrante, clara, cheia de paz e compaixão.

- Perdoa-me, meu Senhor Kareem al-Faris, mas trago-lhe uma mensagem de extrema urgência do teu magnânimo irmão. - As escusas saem em meio a uma vênia ensaiada e a sonoridade dela revela que ele é deveras inferior ao homem com quem se comunica.

Kareem al-Faris, após esse breve dialogo abre os olhos, se abaixa enrolando a esteira, dirigindo-se mais uma vez ao emissário:

- Espero que ele se encontre em sua perfeita saúde meu bom homem. Diga-me, que cousa urgente Mohammed Abn al-Jazir quer com seu irmão, seu humilde e eterno servo? - Ele sorri levemente, mostrando uma bela e alva dentadura. Seus lábios finos desaparecem sobre sua barba curta e negra, apesar de já se notarem alguns fios brancos, assim como nas suas temporas, dando um encanto maior à imagem do sarraceno.

O pobre homem retira então de sua túnica um pergaminho lacrado. Kareem o pega sem rodeios, abrindo e correndo seus olhos pelas linhas ali escritas. A leitura trás uma nuvem sobre os olhos do árabe, sua feições mostram grande agonia e um súbito cansaço toma conta do seu corpo.

- Está se sentindo bem, meu senhor?

A resposta é muda, apenas um leve acenar de cabeça como consentimento. O pergaminho é amassado pelo fechar rude da mão de Kareem.
- Para quando a resposta deve ser dada meu bom homem?

- Meu mestre disse que não haveria resposta, meu senhor. - A surpresa e o temor invadiram o emissário ao saber que seu mestre poderia ser contrariado, e ele seria o primeiro a sofrer a ira de Abn al-Jazir.

Kareem girou sobre os calcanhares, voltando-se para o palácio, passando pelo homem surpreso, atônito. Seus passos firmes, olhar baixo; uma sombra tinha caído sobre os ombros do altivo homem de outrora. A uma distancia de cerca 10 passos o emissário se vira, indo atrás do atual regente do palácio. Seus passos desta vez são incertos e o medo estampa-se em seu rosto. Um guarda aproxima-se deles, respondendo a um chamado de Kareem:

- Hafiq, aloje o sr. Isa’dh e sua comitiva da melhor forma possível e logo após mande preparar meu cavalo, pois sairei ainda essa noite. - a ordem é dada em tom frio. Kareem passa pelo seu subordinado como se o ignorasse, atravessando o primeiro dos arcos que o leva até o pátio do palácio.

Tão rápido quanto possível, Kareem atravessa os extensos corredores, indo até seu quarto. Lá, ele se despe das roupas leves e humildes, vestindo trajes mais apropriados para cavalgar. Uma jarra de prata é preenchida até próximo a borda com a mais pura água, com a qual o mouro fresca seus rosto, deixando seus cabelos e barba úmidas.

- Não devias fazer isso por si só meu marido e senhor. - A voz doce e fraca assusta Kareem, o fazendo voltar-se para a porta num sobressalto.

- Senhora minha, o que fazes fora do teu leito? Queres por acaso agravar tua situação? Abandonar-te-ia a mim, para ir morar junto ao Deus Único? Queres a minha miséria minha amada? - A voz do homem saiu suplicante, enquanto ia ao encontro da bela mulher parada à porta.

Apesar de já ter mais de 30 anos, a mulher é de uma beleza extrema. Sua tez moura é de um tom pálido e encantador, lisa e suave; seus lábios são carnudos e avermelhados, apesar de se encontrarem pálidos.

Seu nariz fino e agudo, seu rosto delicado, as longas madeixas negras caindo até a altura da cintura, seus olhos ovais da cor do mais puro mel, realçado pela maquiagem permanente tatuada como sombra. Seu corpo, outrora escultural como o da mais desejada dançarina do mais rico califa, agora emagrecido pelo mal que se abateu sobre ela, era completado por mãos e pés pequenos e delicados.

Trajava um rico vestido de seda, ornamentada por jóias simples, mas do mais puro ouro. Uma mulher perfeita, digna de ser considerada o maior bem que um homem pode ter.

- Jamais, meu senhor! Mas o que estás a fazer é obrigação minha, ou quiçá, de uma escrava. - A voz submissa carregada de amor e zelo enchia o quarto e parecia desfazer as angustias passadas da mente de Kareem.

- Tua única obrigação nesse momento, minha amada, é recuperar tua saúde, cousa que está para ser arranjada: meu bom irmão mandou para cuidar de ti dois grandes médicos, o seu próprio e outro, um grego de grande fama em Constantinopla. Por isso repousas e aguarde a visita deles em teu quarto. - a voz soava mansa, terna! As mãos dele iam ao encontro das dela, entrelaçando-as e as beijando carinhosamente, com todo respeito de um marido pela sua mulher.

- Devo me apressar! Ausentar-me-ei por algumas horas, por isso obedeça as vontades dos filósofos da cura que vêem até nossa morada para curar-te.

- Eles podem fazer o possível, meu amado, mas apenas o mais Sábio entre os sábios, detem poder para me curar. Teu irmão, apesar de ser bondoso para conosco é um homem de negócios e não mandaria essa dádiva até aqui senão por um preço, e eu temo que o preço por ele pedido seja demasiado grande. - Ela enrubesce levemente, abaixando a cabeça e fechando os olhos lentamente - Essa aflição que lhe toma, é por causa do que Abn al-Jazir ordena-te a fazer, estou errada meu senhor?

- Não, minha querida Halima. Ele ordena-me que me bata contra um grupo de nazarenos, faça seus ricos senhores prisioneiros e os entregue para o mesmo cristão que guia a comitiva. Devo-me esquecer da promessa que fiz a’O Poderoso, promessa essa que busca sua melhora. Estou perdido, minha senhora! Buscarei a luz desse dilema nos conselhos do sábio Isshta Muttamed, o bom sufista que repousa no morro próximo ao nosso lar. - sua voz sai pausada, receosa.

- Não há o que ser aconselhado meu marido. És Kareem al-Falis, o mais honrado homem de todo o império Árabe. Deste tua palavra ao mais poderoso califa existente. Prometeste ao Deus Único que não mais pegaria em armas, que sua Jihad seria agora através de palavras e que não mais traria dor e sofrimento para os filhos d’O Criador, independente de eles aceitarem ou não a salvação do Islã! Não deves se prender a minha pessoa meu marido; cases de novo, com uma mulher mais jovem e saudável, que te ame e possa te acompanhar, dar-te filhos, enchendo assim sua vida de felicidade.

- Vá, faça tua peregrinação para a Al Madina Al Munawwarah, Makkah al-Mukarramah! Conheças a grandiosidade dos califados de Bagdá e do Al-Qāhirah. Converses com o grande Salah al-Din Yssuf e depois parta para Al-Andaluz, onde poderás desfrutar da biblioteca do califado de Córdoba, estudar os grande nomes da antiga Grécia. Ao envelhecer poderás então ir para o oriente distante, viver mais uma vez as maravilhas daquelas terras, com filhos que eu não posso te dar, como fez antes de minha amaldiçoada pessoa adentrar tua humilde vida e amaldiçoá-la também. - ela fala com um furor dos apaixonados, seus olhos lacrimejam, seu rosto enrubesce com a cólera, suas mãos se separam.

Kareem sorri humildemente com a reação dela, suspira tristemente e a abraça com ternura.

- Juro-te minha amada, farei tudo isso, mas apenas com tua divina pessoa ao meu lado, pois sem ti nada disso tem significado. Temo dizer que sem tua presença nem mesmo os ensinamentos do Profeta valem algo para mim. Não digas nunca mais que eu devo abandonar-te e casar-me com outra, pois nunca o farei, não o farei por mais motivos do que grãos de areia há no deserto. Estás terminantemente proibida de dizer esses absurdos, eu te digo isso com a autoridade que possuo como teu marido.

- Irei agora ter com o sábio. Se ele crer, assim como eu creio, que devo atender a vontade de meu irmão, fa-lo-ei. O Piedoso entenderá meus motivos, alem de minha humilde pessoa dever muito a al-Jazir, pois ele me deu meu maior tesouro. Agora descanse, logo estarei de volta.

Momento após um veloz cavalo deixava o palácio, retornando horas depois, com o sol já a raiar. Kareem mandou seus homens trazerem os mercenários forçados de seus irmãos, corja de ladrões e malfeitores vários, que lutariam com incomparável ardor, pois lutariam por suas vidas e liberdade.

Ao meio dia Kareem mandou polir sua armadura, afiar sua espada, repor e reforçar as cordas dos arcos. Conversou e cativou o máximo que pode os mercenários, conhecendo suas historias e ganhando sua confiança. Explicou o plano para eles, como deviam agir, quem deviam poupar. Em contrapartida, deixou avisado aos seus soldados de confiança como agir com os mercenários, quando ser impiedosos e quando e como serem caridosos. Reforçou a segurança do palácio e deixou os mercenários soltos dos ferros, no pátio.

Nos dias seguintes, enquanto aguardava o momento da batalha, Kareem se reunia durante horas com os médicos, sempre dentro de sua pequena biblioteca, e ao sair de lá contava com um sorriso ou uma preocupação a mais.

Ao final de três dias, uma comitiva fortemente armada de 25 homens deixava o palácio, todos a cavalo, com cotas de malha ou cotas de couro de javali e poucos anéis. Kareem ia a frente, seu rosto estava sombrio, a proteção de anéis caia pelas laterais de seu elmo envolto num turbante. Sua cota prateada brilhava. Sua espada pendia na sela, embainhada numa ótima bainha de couro de camelo trançada com dizeres em árabe: “Apenas o Grandioso sabe o destino do combate, mas já sou vitorioso, pois luto em Teu Nome”. Logo chegariam ao ponto escolhido para a “emboscada” da comitiva que vinha de Jerusalém.

Jerusalém, centro do mundo na época das cruzadas, uma cidade desejada pelas três religiões principais do ocidente, um local de chegada e partida diária de centenas, milhares de peregrinos e comerciantes. Homens que contam com a proteção de ordens monásticas de cavalaria, como os Hospitaleiros, os Teutónicos e os aclamados Templários.

Grupos de cavaleiros acompanham comerciantes e grandes grupos de peregrinos. Um grupo de Templários se reúne nos portões da cidade, formado por oito altivos cavaleiros, liderados por Teodoro de Funssac. Aguardam pacientemente a chegada do rico veneziano a qual Teodoro ofereceu seus serviços.

Naquele momento de ócio, a mente de Teodoro divagava: os preparativos feitos com o mouro Abn al-Jazir dois dias antes, a forma como ele estava considerando os acontecimentos, o convite a cavaleiros promissores, que possivelmente ameaçaria suas glorias numa guerra futura contra os mouros. Em um só golpe ele reaveria sua gloria e limparia seu caminho para ser o maior cavaleiro templário daquela época. Quando tudo isso findasse estaria mais próximo do prior e seus desejos seriam mais facilmente atendidos.

Foi com uma surpresa que beirava o terror que Teodoro viu a comitiva do nobre se aproximando. Alem dos escravos, do nobre e suas duas filhas, todos esperados e peças ativas do plano do Templar, ali também se apresentava um grupo de cinco mercenários.

- O que diabos esses cães está fazendo com a comitiva?! - a raiva dele era palpável, inesperada em um monge como os Templar, que deveriam ser homens centrados e compreensivos.

O nobre foi surpreendido com a atitude do monge. Os outros templários comentavam a ineficiência que mercenários teriam na comitiva. Apesar de controlarem seus ânimos, diferente de Teodoro, eles estavam insultados pela desconfiança do nobre em seus talentos.

- Tens ao seu dispor as oito melhores armas entre os Cavaleiros do Templo de Salomão, os melhores cavaleiros de toda a cristandade, e mesmo assim ousas nos insultar contratando bárbaros, maus-cristães, beberrões que mais nos atrapalhariam do que seriam de um possível apoio? Desejas ser entregue a sorte, meu bom homem?! - Teodoro reagia com uma fúria desconhecida. Aquela situação o preocupava. O veneziano Angelli se encolhia dentro de sua liteira.

- N-n-não meu senhor, faço-o apenas para minha proteção posterior! Eles me acompanharam pela Europa também meu senhor, enquanto vossas senhorias ficaram aqui para proteger a Terra Santa dos pagães miseráveis.

Os outros templários interviram, acalmaram Teodoro, e deixou de sobreaviso os mercenários, com a orientação para se manterem longe deles, da liteira das damas, ou da carroça com as mercadorias do nobre. Em uma hora partiam da cidade, passando pelo monte Golgota, para prestarem suas ultimas homenagens ao Salvador, onde rezaram e pediram proteção nessa e em todas as outras viagens vindouras.

Nesse momento Teodoro encontrou a brecha para mandar um mensageiro a Abn al-Jazir, avisando do acréscimo inesperado dos mercenários, se perdoando e alegando que sua palavra é imutável.

As horas perdidas no monte foram recuperadas por Teodoro, que forçou a marcha no primeiro dia. Não conseguia deixar de imaginar como os homens do sarraceno receberiam a ele e a comitiva, adicionada dos cinco mercenários. A partir da metade do segundo dia se mostrava um homem apreensivo, buscando por emboscadas e sabotagem em cada local da estrada. Pensou em discutir com os companheiros uma outra rota, mas seria visto como covarde se tomasse essa atitude, e por mais vil que fosse, ainda era um dos mais hábil e corajoso homem nascido naquele século.

Ao entardecer do terceiro dia, a meio dia de viagem de uma das fortalezas dos cavaleiros Hospitaleiros, em meio a um terreno com grandes rochas e pequenos montes, uma flecha cortou o ar, acertando um dos escravos, sendo seguida por varias outras. Os cavaleiros se protegeram e às liteiras principais. Um dos mercenários caiu com uma flecha no seu olho direito.

Do alto de um dos montes cinco cavaleiros sarracenos desciam, brandindo armas, enquanto mais cinco saiam de trás das rochas para assim flanquear a comitiva. Homens de Kareem se posicionavam em bons lugares, sempre em movimento, alguns buscando posições sobre os montes, outros próximos as rochas para uma melhor mira de suas flechas. As setas dificilmente atravessavam as boas cotas dos templários, que eram protegido também pelo seus escudos de infantaria. Logo o combate se tornou corpo-a-corpo. Espadas eram brandidas com precisão pelos Templários. Apesar de não serem de muito treino, os mercenários desfavoreciam os mouros, que foram derrotados com certa facilidade para um ataque tão bem feito. Logo os dez ladrões estavam mortos, juntamente com dois mercenários, um templário e a grande maioria dos escravos, tendo os outros postos a correr.

Do alto do morro Kareem assistiu a batalha apreensivo; fora traído, ele teria que entrar no combate junto com seus homens. Poria a sua e a vida dos seus soldados em risco por causa da falsa palavra de um cristão, que ainda zombava dele mostrando a fita vermelha presa em seu elmo.

- Hariq, prepare o ataque das flechas, a batalha frontal será minha! Não permita que nenhum homem portando armas, viva.

Kareem então desceu o morro, acompanhado de mais oito cavaleiros. Eles desciam em arco, prontos para tomar o circulo que os templários tinha feito sobre as liteiras do nobre e de suas filhas, que não paravam de gritar e chorar. Flechas voavam pelo céu, passando pelos sarracenos e pondo os mercenários ao chão. Um templário que tinha perdido seu cavalo foi ferido. Um grande estrondo se fez quando os dois pequenos exércitos se bateram. Espadas foram brandidas, sangue jorrou. O som de carne sendo lacerada soava como musica para aqueles guerreiros. Os mouros tinham vantagens: estavam descansados, protegidos por setas assassinas e com cavalos rápidos.

O ultimo templar cai com um seta atravessada na garganta. Kareem e Teodoro se digladiavam. O árabe tinha derrubado o monge do cavalo, ferindo sua perna com um corte profundo. Em um pulo ágil, descera do cavalo para lutar de igual para igual:

- Veja cão, eu luto diferente de ti: honro meus acordos e meus oponentes. Por tua traição bons homens morreram hoje, e logo farás companhia a eles no inferno.

Essas ameaças não poriam medo a Teodoro, mais ele estava fadigado, a perna ferida e seu braço direito tremia demasiadamente para ele conseguir um ataque certeiro contra tão experiente combatente.

- Ouça-me pagão, eu fui enganado, não sabia dos mercenários. Dou-te a minha palavra de cavaleiro, e deposito em ti a boa fé de irmão de armas. - as palavras saíram pausadas e arfegantes, sendo seguida do cair da arma de Teodoro. Kareem Al-Falis observou a cena por instantes, e logo depois bateu pesadamente contra o templar com a lateral de sua espada.

- Não posso confiar em ti, e nem tenho como julgá-lo agora cão miserável. Logo, mais cavaleiros estarão aqui. Deixarei a ti sobre a piedade d’O Poderoso: caso sobrevivas, é porque falavas a verdade; se não, és por ser um biltre cobarde. - disse isso cuspindo contra o rosto de Teodoro.

Seus homens atrelavam as carroças aos cavalos vivos, e cuidavam de amarrar os nobres venezianos sobre os cavalos com eles. Hariq, juntamente com Kareem amarraram as mãos, amordaçaram e vendaram Teodoro, o despiram de sua armadura, deixando-o com o torso nu, depositaram sua arma e armadura sobre sua sela e amarram sua perna ferida firmemente a uma tira de couro de três metros, ligada também a sela do animal. Com horror o nobre e suas filhas viram os mouros colocarem o animal ao qual Teodoro estava preso a correr, arrastando-o pelo chão arenoso e cheio de pedras do deserto do antigo reino de Judá.

Enquanto o grupo islâmico voltava com seus tesouros e reféns para o palácio, que estava a um dia de viagem, Teodoro era arrastado ferido pelo deserto. Poucas vezes Teodoro rezou em sua vida, mas naquele dia ele orou como nunca para não morrer: pedia para encontrar alguém para ajudá-lo, e o Deus Piedoso o atendeu.

Depois de horas sendo arrastado Teodoro bateu em uma pequena fazenda de cabras, e foi resgatado por duas mulheres do povo de Abraão. Mãe e filha resolveram salvar o cavaleiro, que estava aparentemente à porta da morte.
"— Nós também éramos crianças, e se eles nos deixaram órfãos, os deixamos sem filhos."(

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Mensagempor Pablo3 em 23 Set 2007, 14:49

Um dos melhores contos que eu li, sinceramente.

É uma pena que não teve continuação.

Os melhores contos eram esse e o Oeste Sealvegem do Sergio.
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Mensagempor Lobo_Branco em 23 Set 2007, 15:22

Pablo3,

Como assim não teve continuação?..Ele foi até o fim, vc tinha parado de acompanhar na metade foi?! Bem, agora, pode fazê-lo por completo. Abraços!
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Mensagempor Lobo_Branco em 03 Out 2007, 23:25

Facínoris ex serpens vulneris


O sol deitou-se e ergueu-se duas vezes desde que as mulheres do povo da Abraão acolheram o ferido templário. Por dois dias ele esteve entregue a sonhos e delírios, imagens de inimigos e traições o perturbava, enquanto seu corpo ardia em febre. A soma de sua férrea vontade de reerguer-se e o suave, quase milagroso, cuidado das judias o mantiveram vivo nesses dias escuros.

Indo contra todas as tendências, em dois dias as forças de Teodoro estavam quase plenas. Os cortes e arranhões pelo seu torso e rosto estavam pouco abertos, com uma grossa crosta crescendo sobre eles. Os ferimentos abertos nos braços, ombro e perna não doíam mais como antes. Deitado na cama de palha, com os ferimentos ungüentados da pasta milagrosa que lhe foi aplicada pelas judias, Teodoro divagava, tentando achar os benefícios de sua empreitada desastrosa.

Num breve esforço o Templar tentou erguer-se, para melhor visualizar o recinto onde estava confinado. Sentando sobre a cama ele pode ver um quarto simples, com uma janela virada para o poente, pelas frestas do teto, os raios lunares iluminavam parcamente o local.

- Não deves se esforçar ainda bravo cavaleiro. - a voz suave, quase juvenil, espantara Teodoro, que se voltou para a porta o mais rápido que seu corpo debilitado permitia.

- Quem sois vós? A mais bela donzela com o mais belo coração cristão, ou uma bruxa cruel, uma sucubos vinda do inferno para me levar? - as palavras de Teodoro soavam galantes, enquanto ele forçava a vista para ver a jovem sentada à porta.

- Não, não sou um demônio nem uma bruxa. Julgo que tenha um bom coração, mas longe de ser o mais puro da cristandade. Principalmente por não ser cristã, meu bom cavaleiro.

- Brincas com um pobre moribundo minha dama. Pois maometana alguma teria a bondade de abrigar um cavaleiro de Cristo e nenhum judeu miserável o faria, por só pensar em lucros. - os olhos do cavaleiro, já habituados à escuridão, conseguiam definir o corpo esguio da jovem e seus olhos brilhantes.

- Por favor meu bravo cavaleiro, não digas palavras tão duras. Talvez tuas palavras sejam verdadeiras quanto aos sarracenos, mas não julgue tão cruelmente o povo de Abraão. Pois é desse povo que pertencem a mim e a minha mãe, duas pobres mulheres que lhe ajudam sem desejar nenhuma outra recompensa sem ser a tua saúde plena! - um fervor apaixonado dominara o discurso da jovem, e seus olhos brilhavam tristemente com a opinião do cavaleiro.

- Então minha dama, creio que realmente não sejas uma bruxa, mas alvo de uma. Seria capaz de apostar minha honra e glória que possuis uma bela alma nazarena em seu peito. Alma esta, alvo de uma vil criatura que a colou em um corpo hebraico.

A jovem encarava o cavaleiro, um breve sorriso brotara de seu rosto, afinal um garboso e valente cavaleiro estava se mostrando encantado por ela. Seus lábios abriram-se para ela agradecer as palavras do templário, quando o som de passos lhe assustara. Atrás de si apareceu sua mãe, fazendo-a retirar-se do vão da porta, saindo das vistas de Teodoro.

A mulher aproximou-se dele, com uma lamparina fraca nas mãos. A iluminação revelava uma mulher de semblante severo, mas de olhos claros e de belas feições. Apesar de ter os cabelos ocultos por um escuro véu, algumas mechas negras caiam em sua fronte, e Teodoro não julgou que ela tivesse mais de três décadas de vida.

- Devias manter-se deitado, Templário. - sua voz saiu severa, enquanto ela olhava os ferimentos no torso de Teodoro - Como se sentes?

- Bem, apesar de enjoado com o cheiro do ungüento, as feridas coçam, mas sei que é sinal de uma boa cicatrização. - Teodoro a encarava, sorriu ao se ver imaginando saciando suas necessidades masculinas com aquela mulher. Que som aqueles lábios severos emitiriam sob o corpo de Teodoro?

Os olhos dela recaíram sobre o sorriso injustificado de Teodoro, fazendo-a afastar-se. Seus olhos se confrontaram, o semblante da mulher se tornou sombrio.

- Nessa velocidade, creio que poderás partir dentre três dias cavaleiro. Teu cavalo está bem alimentado e descansado, mesmo magoado como estas será capaz de cavalgar até o castelo hospitaleiro que se encontra aqui perto.

Após as palavras duras a mulher retirou-se, puxando a filha pelo braço. Teodoro as observou se afastarem e sorriu. No final de tudo, ele poderia tirar algum proveito dessa situação. Com o mesmo sorriso malicioso que encarara a judia, ele dormiu.

Ao entardecer seguinte, a jovem judia se aproximava cautelosamente do quarto onde repousava quem ela acreditava ser o mais nobre cavaleiro. Eles mantiveram uma conversa por toda a manhã, apesar dos olhares de reprovação da mãe da jovem. A garota estava encantada pelos contos de guerra e devoção que Teodoro revelara-lhe. Teodoro, com um sorriso garboso e palavras encantadoras, prendera a inocente jovem em um começo de paixão inconseqüente.

Apesar de todas as diferenças, ela estava encantada plenamente por Teodoro e pelo o que ele representava para seu povo. Com um imenso espanto ela parou a porta, quase deixando a bacia com água limpa cair. A visão do templário, prostrado de joelhos em frente a janela, banhado com raios dourados do fim de tarde e agüentando as lastimas de seus ferimentos apenas para fazer suas orações, enchera o seu coração de uma estranha devoção por um homem, um sentimento que a jovem nunca cogitara existir.

Ajoelhado próximo à janela, Teodoro pensava em como fazer para recuperar aquilo que havia perdido. Apesar de seu plano não ter saído plenamente como ele arquitetou, ele conseguiu vitórias valiosas com tudo isso. Seus maiores rivais dentro da Ordem estavam mortos, o veneziano foi levado em cativeiro, podendo assim ainda ser resgatado. Os ferimentos apenas irão dar mais credibilidade para a sua fantástica estória de como ele resgatou os cristãos. Tinha que pensar apenas em uma forma de lucrar com a situação presente.

Ser acolhido e cuidado não seria algo vergonhoso, se não fosse pelo fato de tê-lo sido por judeus. Isso seria uma mancha em sua honra e um possível rombo em suas economias.

No momento em que a jovem adentrou o recinto, Teodoro imaginava uma forma de se livrar da situação. Poderia facilmente matá-las, mas apesar de ser a mais segura forma de apagar essa mancha não seria nunca a mais lucrativa.

- Atrapalho suas obrigações meu nobre cavaleiro? - a voz soou sussurrante, acanhada.

- Jamais, minha bela Sarah. Estava ao final de minhas orações, e creia, o bom Deus me perdoaria caso eu as interrompesse para dar a devida atenção à tão preciosa jóia. _ disse Teodoro, sorrindo, enquanto se erguia com alguma dificuldade - Mas o que a trás até minha presença, minha caríssima dama?

- Vim lhe trazer água para limpar-lhe os ferimentos. - a jovem se aproximava com um sorriso meigo nas faces um tanto ruborizadas pela presença do cavaleiro.

Com o auxilio da filha de Abraão, Teodoro sentou-se na cama. Ele a observava enquanto Sarah retirava as ataduras e limpava os ferimentos. Em alguns minutos o torso de Teodoro se encontrava nú e úmido, seus ferimentos limpos, prontos para serem ungüentados novamente.

- Peço desculpas, minha dama. Não devias dar-lhe tal trabalho, muito menos fazê-la passar pela vergonha de me ver despido. Espero que isso não fira sua honra nem afaste de ti o teu pretendente.

- N-não te preocupes, Teodoro. - o rosto dela encontrava-se rubro como uma romã, seu peito arfava e suas mãos tremiam - Creio que isso não seja tão grave, além de não poder afastar aquilo que não existe.
- Como assim não existe, minha Sarah? Por um acaso teu povo, além de ser cães avarentos, são ignorante e cegos? Como deixar tão preciosa dama sem um pretendente? Esse é o mais pérfido ato que poderiam cometer. Saiba minha donzela, que se eu não fosse preso a uma promessa que fiz ao meu pai de servir plenamente a ordem de Salomão, proteger a Santa Terra e a incompatibilidade de nossas religiões, eu a tiraria como minha futura mulher! - Teodoro fingiu a mais profunda paixão em suas palavras, juntando as mãos de Sarah entre as suas e as beijando.

Esse ato retirara as forças da donzela. Suas cores fugiram-lhe. Lágrimas escorriam por seus olhos, enquanto ela parecia desfalecer. Temendo algo assim, Teodoro afastou-se e borrifou com os dedos um pouco de água na fronte da moçoila.

Com a água ela recuperou aos poucos suas forças. Olhava Teodoro como uma corça assustada, seu peito arfava como se fosse explodir.
- Perdoa-me! Sou um biltre! Devo ser açoitado, não mereço teus cuidados! - Teodoro se jogou ao chão, com mais cuidados e pesar do que faria um apaixonado, mas menos do que faria um ferido. Beijava a base da saia da jovem, fingia uma submissão que nunca antes tinha experimentado.

- Não, não! Não digas tão duras palavras. Por favor levante-se. - tentava erguê-lo a jovem, enquanto sua face era inundada por lágrimas de um coração pleno de felicidades - Eu que sou uma tola, que me deixo guiar pelos meus sentimentos. Tuas belas palavras me deram a maior felicidade que eu terei por toda a minha vida, mas é com pesar que teremos que nos contentar viver separados. Oh, pobre de nós!

Teodoro a observara, em seu intimo gargalhava. O caminho para controlar aquela situação revoltante com as judias estava aberto.

- Infelizmente minha cara. Infelizmente. Se ao menos fosses cristã. Se o fosses! - Teodoro escondera o rosto entre as mãos, fingia soluços, enquanto com uma habilidade gatuna umedecia seus dedões com a língua para depois passá-lo abaixo de seus olhos. O choro mais verdadeiro que poderia providenciar.

- Se eu o fosse meu cavaleiro, no que mudaria nossa situação? - a expectativa e aflição tomavam o corpo da donzela.

- Então eu abandonaria o manto de Templar! Deveríamos antes esperar que meu pai doente fosse para junto do Senhor. Depois iríamos para a Europa, onde seríamos reis!

Emergindo de dentro de suas mãos, Teodoro viu os olhos da jovem brilharem. Ela estava apaixonada e ele ainda prometia-lhe o título de rainha. Por um momento eles se olhavam, até que um sorriso tímido brotou nos lábios de Sarah.

A oportunidade perfeita, ela estava pronta para aceitar, Teodoro só tinha que afastar a possibilidade da mãe estragar tudo.

- Apenas diga que aceita, minha Sarah, então mais logo possível eu retornarei e a buscarei desse local desolado. A batizo agora mesmo, e assim estarás livre da influência de sua mãe.

- Não agora, meu Teodoro. Voltarei quando não tiver o risco de sermos surpreendidos por ela. - apesar de doloroso, ela estava disposta a abandonar o seio da família amada pelo sonho de ser rainha de um bravo guerreiro.

Eles não mais se falaram naquele momento. Sarah terminou de cuidar dos ferimentos de Teodoro, passando o ungüento milagroso sobre os mesmos.

Ao sair do quarto, ela deixou Teodoro com um sorriso de satisfação nos lábios. Teria uma jovem e bela escrava, uma escrava que sabia a formula de um bálsamo milagroso, algo sem preço. Tinha ainda que pensar em como se livrar da matriarca da casa. Quando fosse embora não poderia demorar a retornar, tinha que resolver tudo antes do maldito judeu retornar com suas malditas cabras, de onde quer que ele esteja.

Na mesma noite, Teodoro batizou a jovem Sarah, e a ensinou as orações básicas que ela devia entoar todos os dias. Ao raiar do quarto dia, Teodoro se preparava para partir.

- Venho buscar-lhe o mais breve possível, Sarah. Até lá se mantenha fiel aos ensinamentos que lhe ministrei. Resgatarei meus irmãos em Cristo, não te preocupes, ficarei bem. Tenho a proteção do Senhor e a ânsia de encontrá-la novamente, estarei protegido.

Com essas palavras, Teodoro partiu. Nunca tinha se curado tão rápido de ferimentos, apesar de não estar em plenas condições ainda. Porém, o bálsamo fechara a carne exposta e criara uma crosta sobre os arranhões. Contava com que seu mensageiro tivera entregado o seu recado a Abn al-Fladim, e que o maldito mouro que o derrotou tivesse a decência de ouvi-lo desta vez. Se não o fizesse, morreria, mais o levava e mais uns vinte antes de cair por terra.

Kareem conduzia sua comitiva de forma rápida. Não queria correr o risco de ser surpreendido por cavaleiros em peregrinação. Os cristãos se encontravam amarrados, entre dois grupos de soldados. Depois de um tempo, as reclamações se tornaram constantes, pois os europeus fediam a fezes e urina, liberados por eles durante o ataque.

Sua comitiva chegou em seu lar pouco antes do entardecer do segundo dia, sendo recebido com alegria pelos moradores do palácio, sejam escravos ou homens livres. Entre aqueles que o recebiam estava Mohammed Abn al-Jazir, seu irmão, e uma comitiva de 40 homens, sua guarda pretoriana.

Com uma vênia seguida de um abraço, os irmãos se cumprimentaram. O olhar atento de al-Jazir percorreu por sobre a comitiva, mesmo de longe ele avaliava a mercadoria do veneziano, assim como o pobre europeu e suas filhas.

As ordens para guardar as mercadorias, assim como para banhar os europeus e os levarem aos seus respectivos quartos-prisões foram dadas por Kareem, enquanto ele adentrava seus cômodos, acompanhado de seu irmão.

- E então Ulemá, teve algum problema quanto ao favor que lhe pedi? - disse de forma cínica, porém carinhosa, Mohammed Abn al-Jazir.

- Não, meu querido irmão. Apesar da traição desonrosa do templário, consegui realizar teu intento. Como podes ver, estás sobre meu poder, a carga e os europeus. - a voz de Kareem era respeitosa, apesar de soar incomoda.

- E quanto ao kâfir Teodoro?

- Se te referes ao templário que deveria ser poupado, eu deixei esse decisão sob o julgamento perfeito de Allah. Ele se mostrou um pérfido desonrado, não tinha por que deixá-lo impune. Porém, se esse for o desejo d’O Sábio entre sábios, ele manterá sua vida e virá reclamar suas “posses”.

- Entendo sua decisão, Ulemá. E a aprovo, como aprovo todas as suas escolhas, sempre foste o mais ponderado e correto de nós dois. Porém, é de imediato que saiba que a traição não foi por conta do templário, pois ele nada sabia da adição dos homens além dos que ele havia me informado. - sorri al-Jazir - Agora vos peço humildemente, para manter me aqui, junto aos cativos, até que o kâfir venha buscá-lo.

- Minha casa é a tua casa meu irmão, agora e por todo sempre. - Kareem parou frente a porta de um corredor - Agora com a tua licença, irei lavar-me, tirar todo o sangue e poeira que se acumulou sobre meu corpo, após devo meditar e orar, para tentar limpar o pecado que se acumulou sobre minha alma. - Sem aguardar uma resposta al-Faris retirou-se, sumindo entre as curvas do corredor.

O dia tornou-se noite, quando o mouro Kareem al-Faris se encontrou longe de suas obrigações auto-impostas. Ele ansiava por ver a esposa, porém tinha que tratar de outros assuntos de grande importância para a boa manutenção da paz em seu lar.

A passos largos ele seguiu para sua biblioteca particular, mandando Hariq trazer-lhe o mais breve possível o veneziano, agora já banhado.

O surpreso Angelli foi levado até a biblioteca, diferente da forma que ele imaginava, ainda não tinham atentado contra sua saúde, ao contrário, ele se encontrava confortável entre as paredes dos mouros. Poderia até gozar da estadia, se não fosse pelo medo e pelo desconforto que passara quando o obrigaram a tomar um banho.

O pobre europeu adentrou no cômodo, iluminado por velas e lamparinas a óleo. Nunca tinha visto um local com tantos tomos e papiros, ele sabia que a quantidade de livros ali rivalizava com a maior biblioteca das universidades européias, e sabia também que aquela biblioteca moura estava longe de ser a maior biblioteca dos sarracenos.

As belas cortinas e tapeçarias, assim como a porcelana e luminárias de prata, tudo aquilo cativava o avarento homem. Almofadas de seda espalhadas, jarras e potes da mais fina cerâmica, ornamentos de ouro. Seus passos eram hesitantes, não sabia o que devia fazer ali, como agir.

Ao meio da sala, uma pequena mesa se erguia. Confeccionada do mais belo carvalho, com ornamentos em marfim. Posto em cima da mesma, em cada ponto extremo, separados por uma estatueta de uma criatura de um longo nariz, orelhas e presas, grande e gorda, estava um punhal e um livro, aparentando ser uma bíblia.

Por uns breves minutos o homem olhou para a mesa e seus pertences. Sua mão tremendo pegou o punhal, olhando a lamina, a examinando, foi com um susto que ele deixou o mesmo cair.

- Há uma coisa que por mais que minha pessoa medite e reflita sobre a condição dos europeus, eu nunca irei entender. Apesar de vossa senhoria ter sido bem tratado, alimentado, não termos demonstrado nenhuma hostilidade, desde que chegou aqui, em meio a tantas riquezas e sabedorias, escolheu para analisar primeiro o único objeto realmente ofensivo em toda minha biblioteca. - a voz de Kareem soou fria, ele falava no mesmo idioma latino da região de Veneza, apesar de carregado com um forte sotaque árabe.

Saindo de trás de uma cortina, em sua mão tinha uma pequena caixa de madeira, vestido de branco e dourado, como um grande rei, trazia a cintura sua espada.

Angelli virou-se, desequilibrando por sobre a mesa, caindo pesadamente, arruinando a estatueta. Seu suor frio, seus olhos lacrimejantes, sua insignificância frente à tão augusto ser, não fizeram o olhar do sarraceno serem mais piedosos.

- Agora arruínas meu elefante, trazido do oriente distante. Creio que tuas atitudes selaram teu destino em minha casa, meu precioso italiano. - sua face era fria e imutável como o mais polido mármore.

- Misericórdia meu senhor, misericórdia! Sou um tolo que não sabes o que faz! - num pulo o veneziano estava aos pés de Kareem, os beijando em súplica.

- Acalma-te homem, pois não lhe desejo o menor mal. Erga-te, componha-te. Venho apenas notificá-lo que por tua escolha ofensiva e caráter desastroso, estarás confinado até meu parecer em um recinto separado. Serás alimentado, e terás tuas vontades feitas por um escravo que estará sempre junto de ti.

- Não te preocupes com tuas filhas. Estarão livres para irem onde bem quiserdes em meu palácio. Estarão sempre sobre a tutela de um dos eunucos que acompanham minha mulher, nenhum mal acontecerá a elas.

O homem ouvia as palavras, mortificado, não acreditava em nenhuma delas. Estava arruinado, suas filhas se tornariam prostitutas, escravas para saciarem os soldados e ao mouro cruel. Ele seria frito em óleo ardente, de forma lenta e cruel como ele próprio tinha feito a um judeu, anos atrás em seu castelo em Veneza.
- Para acalmá-lo dou-lhe esse pequeno presente. Espero que gostes do fumo de Damasco, és um dos mais agradáveis dessas regiões - ao dizer essas palavras o árabe retirou-se, deixando ao encargo de Hariq levar o homem até sua cela.

O europeu foi feito cárcere em um confortável e espaçoso quarto. Apesar de não ter janelas amplas, apenas pequenas entradas de ar, era fresco e bem iluminado. Como prometido ele era servido por um belo escravo egípcio, pronto a atendê-lo em tudo que achasse razoável.

As duas belas européias, foram banhadas, vestidas com a mais bela seda, e deixadas livres para andar pelos corredores. Logo elas ganharam o conhecimento suficiente para se aventurarem com menos receio. Confiança em Hariq e no eunuco foi algo mais difícil de adquirir do que em Kareem al-Falis, que logo estava sendo seguido e imitado em alguns costumes.

Em pouco tempo elas estavam encantadas com a polidez, fortuna e honra do árabe, encanto que faziam a mais velha se insinuar para Kareem, o levando a evitá-las.

Os médicos davam boas novas a Kareem dizendo que sua mulher recuperava-se, que apesar dela possivelmente não voltar a ser como era antes, dificilmente ela correria risco maior de piora.

A paz se manteve por alguns poucos dias. Pois com a melhora de Teodoro ele logo chegou ao palácio que deveria ir buscar seus conterrâneos.

Com calma e prepotência, ele atravessou os portões principais, clamando por uma audiência com Abn al-Jazir, ou com o regente daquelas terras.

Em meio ao pátio principal, Mohammad, Kareem e mais alguns guardas receberam o cavaleiro. Com surpresa os mouros viram o cristão sem muitos ferimentos, e os poucos que tinham já cicatrizando.

- Vejo que O Poderoso poupou-lhe a vida, kâfir. - disse com indiferença Kareem.

- Não poderia eu morrer frente à tão pouco. Sou um predestinado do Deus maior, e só morrerei depois de arrancar a garganta do ultimo pagão de tua raça, mouro. - a arrogância de Teodoro despertava a ira dos sarracenos.

-Tua coragem é louvável, Teodoro de Funssac. Porém creio que ela apague tua inteligência. - disse com um sorriso Abn al-Jazir - Mas devo desculpar-me pelo o que lhe acometeu. Infelizmente não encontrei nenhum mensageiro rápido o suficiente para deixar meu irmão a par dos acontecimentos.

- Sem ressentimentos meu bom al-Jazir, agora devo recuperar minhas posses e rumar de volta a Jerusalém. Apresente-me aos malditos que devo fazer sangrar, para assim dar uma real impressão aos meus irmãos católicos que eu vim-lhes salvar a pele. - Teodoro sorria, estava próximo de conseguir seus intentos, não deveria haver mais imprevistos.

- O que queres dizer com “malditos que devo fazer sangrar”? - o olhar frio de Kareem recaiu sobre Teodoro - Não aceitarei que mais sangue seja derramado por você, kâfir. Darei os cristãos e partirás com eles, nada mais!

- Cala-te sarraceno, trato do meu acordo com Abn al-Jazir, limitasse a sua insignificância, cão pagão!

- Bem, saibas que eu sou o senhor dessas paragens, kâfir. Pelo direito que eu tenho, digo-te que nenhum homem cairá por terra sem um bom motivo! - a voz de Kareem soava seca, autoritária.

- Devo concordar com meu irmão, Teodoro. Ele é o senhor absoluto nessas terras, e não irei contradizer tua vontade. Mas como eu tenho um trato contigo, também realizarei tua vontade. - com um sorriso cínico Abn se afastava, fazendo sinal para seus homens se aproximarem - Tu lutarás com meus homens, e aqueles que venceste, serão os mortos. No final, haverá gloria em teu intento homem, mais do que esperavas.
- Não te preocupes, eles não te matarão, mas devo ser justo, se perderes, será vendido como escravo no mercado do Cairo. - com um sorriso vitorioso Abn al-Jazir voltou-se para Teodoro - Espero que aches justa a minha decisão.

Teodoro abriu a boca por duas vezes, mas não conseguiria contestar Mohammed Abn al-Jazir, afinal era de extrema burrice ir de encontro às vontades do “Xeique” da Liga dos Assassinos.

- És dotado de grande justiça al-Jazir, se não soubesse que eras um sarraceno o confundiria com um cristão. - adulou cinicamente Teodoro - Porém, peço-te para deixar escolher meus rivais, um direito de um homem honrado para outro.

- Estejas à vontade Teodoro de Funssac. - disse se retirando para um banco próximo, sendo seguido de al-Falis.

Teodoro passou os olhos e pesou cada um dos oponentes, escolhendo os que ele julgava menos aptos a um combate, afinal ele ainda se encontrava magoado.

Pediu a um escravo que lhe ajudasse com sua cota, enquanto se vestia, ele digladiou-se visualmente com Kareem.

- E por último, por uma questão de honra, eu desafio teu irmão para participar desse embate, de homem para homem, até que um caia por terra. E espalharei entre todos os cantos da terra que ele é um biltre cobarde, caso não aceite esse desafio! - a fúria e arrogância tomaram posse do espírito do Templário nessa hora, ele tinha que se vingar. Assim ele conseguiria tudo que lhe faltava.
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Mensagempor Lady Draconnasti em 04 Out 2007, 00:10

Quanto mais eu leio, mais eu odeio esse cara...
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Lady Draconnasti
 
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Mensagempor Dahak em 05 Out 2007, 13:10

Eu já o acho simpático :cool:

Breno, tudo bem contigo?
Espero que sim.

Seguinte, tava lendo a segunda parte...
Não sei, mas acho que a forma de interação com o leitor, o tipo de diálogo adotado não colou tão bem quanto o da primeira parte.

Acho que faltou grandeza, sabe.
É um título pomposo, uma história rica e tal. Espera-se grandeza o tempo todo.
E isso não quer dizer o uso indiscriminado de palavras menos acessíveis, mas um pouco mais de ousadia em algum ponto, seja ele qual for, desde que sirva de diferencial entre um conto com aspirações de ser grande e um que de fato é grande, tal qual este ;)

Ah, uma dica, evite colocar número escritos assim: 40, 33, 27. Coloque-os por extenso, casa melhor, soa menos informal.

Falando da terceira parte...
Já me soou bem melhor. Só achei que alguns diálogos soaram pesados. Tipo, muito extensos, muita falação de uma mesma pessoa sem interrupções. Deu um tom mecânico, robusto como tem de ser, mas mecânico. Sendo falas tão importantes, talvez mostrar que ás vezes eles "engasgam" seria bacana.

Fico por aqui.

Abraço!


Dahak - que tem costume de começar a escrever comentários no computador - Out
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