Pesadelo 6/???

Mostre seus textos, troque idéias e opiniões sobre contos.

Moderadores: Léderon, Moderadores

Pesadelo 6/???

Mensagempor Lady Draconnasti em 01 Mai 2009, 02:24

Imagem

Status: Cursed
Alinhamento do mês: Caótica e Neutra
Avatar do usuário
Lady Draconnasti
 
Mensagens: 3753
Registrado em: 25 Ago 2007, 10:41
Localização: Hellcife, 10º Círculo do Inferno

Pesadelo 6/???

Mensagempor Lady Draconnasti em 01 Mai 2009, 02:24

“ Ouvi sua voz suave... Senti o seu toque gentil em minha face... A vi sorrir para mim e me senti bem com isso. Seus longos cabelos claros serpenteavam ao vento que soprava. Seu corpo despido dançava para mim, e eu a desejei.

Tentei alcançá-la. Não estava a mais de três passos de mim. Não consegui tocá-la. Tentei novamente, mas ela pareceu se afastar de mim. Não, não era ela quem se afastava. Era eu quem não conseguia alcançá-la... Foi a primeira e única vez que eu implorei “Por favor, Tennaris, deus da justiça, não a tire de mim...”.

Vi uma sombra juntar-se a ela, em sua dança luxuriosa... Uma sombra de contornos retos, masculinos... A vi entregar-se à sombra... O corpo que eu desejava possuir. Os lábios que eu desejava beijar... Ouvi sua respiração ofegar e seus braços envolverem a sombra, que eu odiei do fundo de minha alma, mesmo sendo um guerreiro dos deuses...

Em minha boca o gosto áspero e amargo de meu ciúme. Então eu perdi o controle e avancei sobre o alvo de minha raiva. Com minhas mãos, eu matei a sombra... e foi aí que eu vi: a sombra nada mais era que meu filho, Sethallas... A criança que eu salvei e adotei. Que seguiu meus passos, como guerreiro dos deuses e que agora estava morta...

Com minhas mãos, eu assassinei meu filho. Não me arrependi nem mesmo no fundo de minha alma... Ela era minha e eu sabia disso... Nem mesmo meu filho ia tirá-la de mim...

Ela me olhou tão bela que eu até poderia ter me deixado levar por meu coração, agora manchado por meu crime... Ela me olhou com um sorriso em seu rosto, quando vi uma lágrima correr por sua face. Eu a vi morrer diante de meus olhos pelo crime que eu cometi. Seu sangue jorrou em meu corpo...

Num mar de sangue eu me vi, derramando meu pranto vermelho. Caí fraco, de joelhos, vendo o corpo de meu filho flutuando próximo de mim naquela imensidão rubra... A cabeça dela bem a minha frente e seus olhos me dizendo “não desista”...

Lágrimas encarnadas que eu enxuguei com meus dedos... Meus olhos, antes castanhos, se tornaram vermelhos como o sangue que me rodeava, minha pele, antes quente, tornou-se fria e pálida como a de um cadáver. Negras asas rasgaram minhas costas e agora fazem parte de mim para toda a eternidade...

Acordei após esse sonho, trêmulo e suado. Levantei-me de meu leito na escuridão daquelas paredes de pedra fria. Meus cabelos negros estavam grudados em meu corpo...

Naquele dia, despertei apenas para cumprir com o meu destino amaldiçoado...

Não interessa a você como realmente se deu a minha queda... Tudo o que você precisa saber foi que eu escolhi a morte a ter que tolerar os abusos de Tennaris por causa daquele julgamento... Eu era um paladino devotado a ele... e, na única vez em que clamei por sua ajuda, ele me deu as costas...

Não adianta chorar. Você vai morrer, mas pelo menos vai dar uma importante noticia aos reinos...

Eu, Isahn, estou de volta... Não se preocupe, seu corpo servirá de alimento para o pesadelo...”

...
Imagem

Status: Cursed
Alinhamento do mês: Caótica e Neutra
Avatar do usuário
Lady Draconnasti
 
Mensagens: 3753
Registrado em: 25 Ago 2007, 10:41
Localização: Hellcife, 10º Círculo do Inferno

Pesadelo 6/???

Mensagempor Lady Draconnasti em 08 Mai 2009, 23:38

Capítulo 01: Frio



Um raio corta o céu, seguido pelo estrondoso trovão. Lágrimas de prata são derramadas pelas nuvens e molham as folhas dos jardins, os telhados das casas e os desprevenidos que andam pela rua. A rica cidade de Sellune sempre foi um lugar como qualquer outro, no entanto uma chuva como essa sempre traz a tona alguma tristeza enterrada no coração dos habitantes.

Principalmente na alma do mais antigo dos moradores ainda vivo...

Outro raio risca a escuridão. Outro trovão, este mais alto e próximo. Sethallas, o Mestre Joalheiro, desperta assustado em sua aconchegante poltrona de couro. Observa a grande janela ao seu lado e afasta seus negros cabelos longos dos olhos escuros. Recomeçara a chover fortemente. Em seu colo, o livro que adormecera lendo se encontra aberto. No aposento, uma fria escuridão. Em sua mente, a semente do medo...

Se aquilo foi um sonho, foi real demais. O frio invade o aposento, mas parece não incomodá-lo mais que o fato de ter cochilado durante uma leitura e despertar desta forma. As pesadas gotas que batem nas vidraças soam como os sinos que choram pelos que já se foram, trazendo lembranças das pessoas que foram tiradas dele em uma tarde como esta.

Leva as mãos finas e pálidas aos cabelos como a noite, afastando-os do rosto suado. Fios longos que repousam por cima de seu ombro esquerdo, presos por um cordão de seda, cobrindo partes de suas longas orelhas élficas. Ofega como se tivesse acabado de passar pelo maior susto de sua vida...

Sente a camisa de linho branco, úmida, sobre seu peito. Pousa lentamente os punhos cerrados nas pernas, cobertas pelo tecido negro da calça, próximos à encadernação. Seus olhos castanhos vagam rapidamente pelo aposento como se buscasse alguma lembrança perdida que pudesse esclarecer a densa escuridão que se apossa de sua mente.

- Algo errado, messtre? – Pergunta uma voz infantil ao seu lado, trazendo-o de volta à realidade, como um despertar.

Ele pende a cabeça na direção desta e vê sua serviçal de aparentes doze anos estática a seu lado. Uma longa trança escura repousa sobre um dos ombros magros dela, cobertos pelo vestido negro e rubro, que acentua sua palidez cadavérica.

- Não, Susrra. – Responde ele com um sorriso fraco em sua face élfica, dirigindo a mão para a cabeça da pequena e reorganizando seus pensamentos. – Apenas tive um sonho ruim...

- Ruim? – Ela se interroga num sussurro.

- Sim.

- O messtre ssonhou com ele, não foi? – Questiona a jovem, com seus olhos castanho-escuros e sem vida. – Eu o ouvi dizer sseu nome enquanto dormia...

Ele suspira deprimido. Levanta-se da poltrona, distraído, fazendo com que o livro caia ruidosamente no chão de madeira fria. Por um momento se detém atordoado pelo despertar brusco e pelo baque sólido da peça. Algo não lhe parece certo. Sethallas curva-se para pegá-la, quando ouve a jovem sussurrar:

- Ele voltou, não foi... ?

Uma pontada dolorosa se faz sentir no peito do imortal ao pensar nessa possibilidade. Engole seco. O ar parece ter se tornado pesado de repente. Terá sido esse pesadelo um aviso? Um prelúdio para uma nova onda de tormentos e provações? Terá ele realmente voltado? Ou terá sido apenas um desejo macabro que o Joalheiro ocultara nas profundezas de sua alma?

Seus pensamentos são quebrados pelo toque gélido da garota em sua mão. O frio percorre toda a extensão de seu corpo élfico, voltando sua atenção abalada para a jovem. Esta lhe entrega o livro de capa de couro vermelho, reforçado com ligas douradas, por ele perfeitamente conhecido.

- Fazia tempo que eu não tirava esse livro da estante... – Pensa Sethallas, alto o suficiente para que sua serviçal ouça. Seus olhos estão distantes, apesar de aparentarem focar a encadernação.

- O que o messtre pretende fazer?

- Não sei, Susrra..., não sei...

Os olhos do elfo cruzam com os da criança. Olhos sem vida...

- Nenhuma palavra sobre esse assunto. – Murmura ele com a voz levemente trêmula. – Se mais alguém souber...

- Irão chamá-lo de louco, oss que acreditarem irão atráss dele e vivensciaremoss uma nova Noite do Fogo Profano. – Completa a criança inexpressiva.

Alguém bate à porta. Com um aceno da cabeça, Susrra se levanta e vai em direção a esta, enquanto Sethallas coloca o livro de volta ao seu local de origem. A garota logo se aproxima do elfo e diz com a voz baixa:

- Golb esstá a sua esspera, na ssala de esstar, meu mestre. Deseja que eu vá lhe fazer companhia?

Tais palavras o assombram. Nunca ouvira a jovem se oferecer para fazer companhia às pessoas, principalmente a esta em questão. Sethallas sabe que a serviçal odeia aquele homem. Por um instante ele pensa ser mais uma brincadeira da criança e procura fitar seus olhos. Os encontra sérios e insensíveis, mas os lábios dela, vermelhos como sangue, lhe traem com um sorriso malicioso.

- Não, Susrra, não por hoje. – Ele responde recuperando-se rapidamente da surpresa.

Sethallas dirige-se à porta, logo seguido pela criança. Os candelabros de prata apagados sobre as pequenas mesas do corredor vão sendo acesos pelos criados da casa que mal percebem sua melancólica passagem. O cheiro da chuva invade o ambiente, tornando-o cada vez mais merencório. Gotas de prata na vidraça que chora com o vento, na escuridão dos jardins e da rua.

As sombras da casa o fazem lembrar do pesadelo de poucos instantes. A escuridão, a voz e a frieza no local trazem a tona muitas lembranças. Lembranças às quais o elfo vem tentando suprimir a tempos.

- Messtre... – Chama a garota em voz baixa quase sem ser percebida por ele, que se vira relutante.

- É melhor o ssenhor não pensssar maisss nissso. – Diz ela mórbida, apontando para a face dele. – Ou então Golb irá fazer perguntass incômodass.

Sethallas sorri com tristeza, mas acata o conselho da pequena e passa a mão suavemente sobre os cabelos dela. Logo ele chega às escadas, que levam ao nível térreo do casarão, e à porta que o levará a sala onde seu ansioso visitante aguarda.

...
Imagem

Status: Cursed
Alinhamento do mês: Caótica e Neutra
Avatar do usuário
Lady Draconnasti
 
Mensagens: 3753
Registrado em: 25 Ago 2007, 10:41
Localização: Hellcife, 10º Círculo do Inferno

Pesadelo 6/???

Mensagempor Lady Draconnasti em 17 Ago 2009, 19:53

Capítulo 02: O Cavaleiro Negro

O Cavaleiro Negro aprecia o corpo à sua frente, cuja cabeça agora repousa a seus pés. Pela fresta do fechado elmo demoníaco, ele focaliza o amuleto que sua vítima usava com tanta fé. O falcão banhado em prata, coroado pelo sol, e apoiado na lua... O mesmo símbolo da ordem que o condenara à agonia do Abismo.

Sua negra armadura de batalha lhe cobre todo o corpo, impossibilitando qualquer ser de ver alguma parte dele. Cravos despontam de suas ombreiras e braçadeiras. Longas asas de couro de mesma cor repousam em suas costas, que contam com uma pequena proteção metálica. Manoplas com garras protegem suas mãos, sujas com sangue inocente. Chifres retorcidos, feitos de ossos queimados, adornam seu elmo, acobertando a máscara de ferro que cobre completamente a sua face.

Observa ao redor. Reconhece a cidade que serviu de palco para sua batalha há pouco mais de trezentos anos, pelo obelisco na praça central. Duas estátuas, que não existiam quando fora derrotado, parecem montar guarda sobre o artefato. Seus olhos brilham em fúria, com a visão da escultura do guerreiro que o mandara vergonhosamente de volta ao mundo inferior. O homem que o aprisionara em uma fonte, onde fora erguido um pequeno templo como lacre.

Recorda-se da batalha, a única árdua em toda sua vida. Tinha sitiado a cidade e ultrapassado o muro com sua horda. Estava cada vez mais próximo de cumprir sua missão, quando ele interveio...

Um homem. Derrotado por um insignificante homem. Talvez nunca tivesse sentido tamanha vergonha antes, já que mesmo pertencendo àquela família, o desprezível não tinha tanto poder assim. O subestimara. Seu único conforto naquele dia foi o de tê-lo visto perecer enquanto o aprisionava.

Alguém lhe desfere um pequeno empurrão no braço, chamando-lhe a atenção e desviando sua mente de seus pensamentos. É Ákian, sua montaria profana. Com um gesto de sua mão, o Cavaleiro Negro permite que a fera realize sua vontade... Em meio a gritos e morte, o guerreiro decaído aprecia o ato macabro daquele negro cavalo de crina, cauda e cascos de fogo, a devorar a pessoa que ele acabara de assassinar.

Volta suas costas para a besta e observa à sua volta. Morte, destruição, sangue e depravação. Sua missão que deveria ter sido realizada há séculos, mas apenas hoje ele está retomando com uma horda de demônios invocados, a serviço da Condessa...

O sangue que lava o chão de pedra o faz ter um vislumbre louco de maldade. O cheiro ferroso o instiga. Pânico, ódio, blasfêmias...

Ouve aquelas vozes desconhecidas perguntarem “por quê?” entre lágrimas de sofrimento e gritos selvagens de fúria desesperada. O couro que reveste a empunhadura de sua espada range quando o servo negro a aperta com a mão livre.

Ergue a lâmina da espada, tingida de rubro, na altura de seus olhos. Assiste a cor vermelha descer pela prancha negra, até a guarda macabra, em forma de um pássaro das profundezas.

Volta-se para a carnificina por ele promovida e sorri macabro...

Ao anoitecer nada restara da cidade que um dia se chamou Lanad. Pessoas mortas, crianças mutiladas, mulheres e meninas violentadas. O sangue cobriu ruas e casas, deleitando as criaturas do Abismo. Atrocidades sem nome foram cometidas, em honra à sua senhora demoníaca, num dia que pareceu durar uma eternidade.

Os sobreviventes foram todos arrastados para as casas que ainda estavam de pé e lá trancados pelos pequenos demônios gordos encurvados, cuja pele é flácida e pálida como cera. Selada as portas com pedaços de madeira e pedra, as moradas foram incendiadas. Aqueles que conseguiram fugir da chacina foram caçados por seres altos e ossudos, cobertos por um visco vermelho-escuro, e trazidos de volta para a decadente cidade para nela ser estripados.

A lua cheia e prateada é encoberta pela fumaça da cidade tomada pelo mal. De longe, o Cavaleiro Negro observa o brilho carmim leitoso se espalhando, montado em Ákian, que se movimenta ansioso.

- Calma, meu caro companheiro... – Murmura o guerreiro com suavidade como se falasse com uma criança arredia. – Em breve você terá um banquete digno... Precisamos apenas esperar pelo momento certo...

A brisa fresca sopra em sua máscara metálica, na qual o brilho maléfico de seus olhos se mostra. Volta suas costas para a queimada e galopa para a escuridão, a procura de outro lugar e outras vidas para destruir.

...
Imagem

Status: Cursed
Alinhamento do mês: Caótica e Neutra
Avatar do usuário
Lady Draconnasti
 
Mensagens: 3753
Registrado em: 25 Ago 2007, 10:41
Localização: Hellcife, 10º Círculo do Inferno

Pesadelo 6/???

Mensagempor Lady Draconnasti em 05 Set 2009, 15:18

Capítulo 03: O Cliente



Sethallas entra na espaçosa sala de estar, onde um homem obeso e alto está de pé, vestindo um péssimo colete ensopado pela chuva e usando diversos anéis de ouro em seus dedos grossos. O rosto redondo exibe dois olhos grandes e escuros, um nariz largo e achatado, onde logo abaixo repousa um vasto bigode que cobre seus lábios grossos. Não parece ter pescoço. Seus cabelos são ralos e finos, negros como as penas dos corvos que voam pelo cemitério.

A sala enorme abriga três tapeçarias antigas e bem conservadas, além de quadros e uma lareira grande acesa, diante de duas poltronas aconchegantes. O fogo estala produzindo calor para essa fria noite que está para vir e iluminando um pouco mais o aposento.

- Lorde Golb? – Chama o elfo fingindo gentileza, atraindo para si a atenção do homem, que observava gananciosamente uma pintura enorme de uma jovem humana segurando um bebê meio-elfo, envolta pela moldura de mogno escurecida. Entalhes complexos de fadas e flores parecem dançar vivazes por sua extensão, amenizando o denso clima do aposento.

- Ah, sim, Mestre Joalheiro, Sethallas... ! – Diz o visitante se aproximando rapidamente. – Estava olhando este belo quadro, ele deve valer muito, não?

- Vale sim. – Responde morbidamente, enquanto se aproxima devagar e gracioso como um felino, prevendo o que o homem tem em mente. – Mas não tenho intenção de vender o retrato de minha falecida esposa e meu filho...

O visitante engole seco. Todos sabem que Sethallas perdera sua senhora para a doença. Essa é a causa conhecida por todos da melancolia deste elfo, mas não é a única.

– Mas não creio que tenha vindo aqui para ver o quadro de minha família e as tapeçarias élficas, certo? - Diz o Joalheiro forçando um sorriso piedoso.

- Certíssimo como sempre, Mestre Joalheiro, vim aqui para buscar o anel que encomendei para o casamento de minha filha. – Responde o homem estufando o peito, como se tentasse impor nobreza e respeito, mas o que consegue é parecer uma caricatura grotesca dos senhores de terras.

E nada lhe causa mais repugnância que esse tipo de atitude. De onde viera, pessoas com esse caráter teriam resultados desastrosos por esse comportamento exibicionista. Iria acabar sendo encontrado por um Slanzar espirituoso ou levado para ter uma conversa com Kyasid.

Agora que pensara nisso, recorda-se de ter escutado algumas notícias sobre os garotos. Os Slanzar estão sendo chamados de Clã dos Assassinos e uma jovenzinha chamada Ayashah estaria se destacando, seguindo os passos de um antigo assassino que atendia pela alcunha de “Pesadelo”. Já Kyasid parece estar quieto desde a Guerra das Espadas, há mais de duzentos anos...

- O senhor deve gostar muito de sua filha, para sair em um tempo desses. - Diz Sethallas afastando esses pensamentos rapidamente e dirigindo um olhar de desagrado ao homem.

- Claro que eu gosto de minha filha! – Indaga o homem com um largo sorriso, que logo morre ao notar os olhos frios do elfo sobre si e assume uma postura mais séria. – Por ela eu faço qualquer coisa...

- Percebo... Se veio até aqui pelo anel eu o entregarei. Mas quero deixar claro que o senhor deveria pegá-lo apenas dentro do prazo que estipulamos, o que ainda seria daqui a três dias. – Reprova Sethallas cruzando os braços e analisando silenciosamente a grande mancha que encharca o tapete onde o homem se encontrava. – Não tolero trabalhar sob pressão.

- Mas o senhor, Mestre Joalheiro, deveria...

- É verdade que eu cumpro meus trabalhos muito antes do prazo de entrega, mas isso não significa que eu não tenha outras coisas para fazer. – Diz o elfo secamente, fazendo com que o nobre sinta seu suor brotar na testa. – Agora me acompanhe. Não foi pela jóia que o senhor deu-se ao trabalho de vir?

Uma incomoda sensação inquieta no peito do homem ao cruzar olhares com o anfitrião. A incômoda sensação de estar sendo seguido começa a perseguir o homem. Olhos invisíveis parecem se abrir por todos os lados, transbordando de maleficência. É melhor resolver logo seus assuntos e deixar este casarão o mais rápido possível.

- Sim, Mestre Joalheiro. - Responde tardiamente.

Saem da sala aquecida e caminham pelo corredor onde repousam candelabros acesos, ladeados por esculturas e plantas exuberantes. Logo chegam a um outro aposento, este bem menor que o anterior, onde os únicos móveis são três armários de mogno, cujas de vidro e madeira exibem as peças valiosas que estão em seu interior. Uma mesa de canto, coberta por uma delicada cobertura de seda branca e bordados dourados. Em cima se encontra uma curiosa caixa de madeira. Duas cadeiras estão dispostas uma diante da outra, entrepostas por uma escrivaninha onde há nada, além de algumas folhas em branco. Mas nenhum dos dois se dirige a ela.

O elfo coloca a mão no bolso esquerdo da calça, retirando dele uma pequena chave escura, e dirige-se ao armário do meio. Anéis e colares se encontram repousando em forros de veludo cor-de-vinho. De uma das pranchas, o Joalheiro retira um anel de ouro, com uma fina liga de prata desenhando folhas silvestres.

Sente lorde Golb se escorar sobre seu ombro, para apreciar a peça e vira-se bruscamente, assustando o nobre desprezível. – Aqui está. – Diz o elfo entregando-o com certo desdém oculto em sua voz.

O homem analisa o círculo de metais preciosos em sua mão trêmula. Sethallas vê a avareza brilhando mais que as jóias mais polidas do covil dos maiores dragões.

Curiosamente, o nome “Kyasid” lhe retorna a mente, com um sabor terrivelmente salgado em sua boca. Seria quase possível sentir as feridas sendo abertas pelo furioso Demônio do Vale dos Reis. Seus ouvidos parecem captar novamente os estalos e zunidos raivosos que conseguiam fazer seu sangue gelar... Ainda hoje...

Lorde Golb guarda o anel no bolso de sua calça encharcada e retira do colete um saco de moedas, o qual o Joalheiro indica para deixar sobre a mesa, próximo a caixa. Curioso ele pergunta:

- O que há nesta caixa, Mestre Joalheiro?

- Nada. – Sibila o elfo secamente, cujo olhar se torna tenebroso repentinamente.

O gordo homem engole seco e despede-se do Joalheiro, partindo apressado. Sethallas apenas observa o rastro molhado que seu visitante deixa enquanto passa. Suspira. Sadira surge na porta como se ouvisse seus pensamentos, exibindo os ruivos e longos cabelos sobre os ombros alvos.

- O mestre deseja alguma coisa? – Ela pergunta serenamente.

...
Imagem

Status: Cursed
Alinhamento do mês: Caótica e Neutra
Avatar do usuário
Lady Draconnasti
 
Mensagens: 3753
Registrado em: 25 Ago 2007, 10:41
Localização: Hellcife, 10º Círculo do Inferno

Pesadelo 6/???

Mensagempor Garret-Gonzalles em 17 Nov 2009, 15:57

Olá Lady Draconnasti,

Li os o tópico até o fim e realmente gostei do seu texto. O clima criado, as descrições são ótimas, o tema da forma como é abordado prende a atenção do leitor. Tudo bem
escrito que me deixa ansioso pra perguntar: Cadê o resto??

Poxa, ninguém comentou o texto em dois meses?!?! :blink:
“Não sei se sou herói ou vítima nessa história. Mas de qualquer maneira não deveria eu dominá-la? Afinal, sou eu quem a está narrando.”
Avatar do usuário
Garret-Gonzalles
 
Mensagens: 13
Registrado em: 10 Nov 2009, 16:24

Pesadelo 6/???

Mensagempor Lady Draconnasti em 20 Nov 2009, 00:52

O resto... tá aqui, no PC.

Estou esperando um tempinho pra fazer uma revisão e postá-los. Se o medo é parar no começo, não se preocupe. Tem muita coisa pronta aqui ainda.
Imagem

Status: Cursed
Alinhamento do mês: Caótica e Neutra
Avatar do usuário
Lady Draconnasti
 
Mensagens: 3753
Registrado em: 25 Ago 2007, 10:41
Localização: Hellcife, 10º Círculo do Inferno

Pesadelo 6/???

Mensagempor Lady Draconnasti em 22 Dez 2009, 21:02

Capítulo 04: A Sepultura



Pesadas gotas de chuva começam a cair sobre seus ombros, tamborilando suavemente em sua proteção. Os raios riscam os céus furiosos, criando vida nas sombras mortas.

Ákian corre como o vento. Seus cascos flamejantes deixam um rastro de fumaça negra no céu noturno, encobrindo boa parte de suas patas fortes. Suas negras armaduras de batalha fazem bem o trabalho de ocultá-los.

Pouquíssimos são os bosques que avista. Árvores isoladas pingam no campo aberto, podendo ser contadas a dedos. O rio sangra até o horizonte escuro, com seus poucos braços longos, abastecendo outros locais.

Não demora ao Cavaleiro Negro se situar. Está na região dos Descampados, entre a capital e Sellune. Ao longe, vê a cidade a qual ele fez mergulhar no próprio Abismo. Decide pousar no bosque próximo, onde sabe haver uma clareira.

Sabe, pois já viveu na cidade quando seu coração puro ainda batia no peito.

Um leve odor de sangue e carniça desponta deste local, misturando-se a umidade e à lama.

Algumas plantas secam com sua chegada. Os cascos de sua montaria queimam a grama encharcada onde, por anos, nada nascerá. O Guerreiro do Abismo sabe para onde está indo. Retira as manoplas revelando mãos calejadas, pálidas e finas, porém masculinas, e as guarda na cela da fera escura. Chega a tal clareira que procurara, onde uma grande fenda ocupa quase toda a sua extensão. O cheiro ferroso é mais forte nesse local, mesmo sob a benção da chuva.

Tira o elmo macabro e deixa a chuva molhar seus cabelos negros, como a escuridão que abraça sua alma, lisos e longos, que tocam metade de suas costas. Com a outra mão, retira a máscara. A face bela, de pele lisa e alva, mostra pertencer a um meio-elfo que observa as lápides de pedra, com detalhes em ouro, aos seus pés com seus olhos vermelhos e apáticos. Túmulos isolados, cujos nomes de seus ocupantes se encontram gravados com o metal nobre, unidos pelo sangue e pelo sobrenome. Ao chão, algumas rosas que um dia foram brancas, jazem quase murchas na lama. Seu olhar se detém por algum tempo nessa estranha sepultura e depois se volta para o buraco na clareira.

Cerra os punhos, pensativo. O cheiro desse sangue lhe faz sentir dores. Dores nos braços, pulsos, pernas, pés, pescoço. O cheiro desse sangue o faz voltar àquele dia.

Vermes chafurdam na terra molhada, entre as raízes profundas das árvores, devorando os restos dos animais mortos. Ossos antigos e novos repousam desprovidos de qualquer coisa que lembrasse suas antigas funções. Poças de água refletem sua face bela, porém distorcida por sua maldade insana. Foi nisso que se tornou... Por isso é tão lembrado de sua missão...

Sua missão. Sua dor. Sua maldição.

Dirige um breve olhar para sua mão, agora ferida. Fechara-a com tanta raiva que sequer percebera. Lambe a chaga com seus lábios mortos, deixando um filete vermelho escapar por eles. Sua mente desperta ao provar do líquido escarlate que verte da ferida. Esta não é uma boa hora de continuar nessa parte do reino.

Mechas de seu cabelo caem sobre seus olhos rubros, que se voltam para o norte. Se sua memória não lhe falhar, há uma vila onde recebera a notícia a respeito da localização de um de seus alvos restantes, não muito longe das Montanhas de Mithras. Pouco mais de vinte e três dias de cavalgada, uma distância que Ákian cobriria em menos de quatorze dias.

Mesmo tendo quase trezentos anos desde que recebera a informação, ele decide arriscar. Sua prisão o obrigou a recomeçar sua maldição do zero.

Um raio rasga o céu e ilumina sua face branca como a cera. Uma árvore ao seu lado é atingida e tomba quebrada em duas metades. A água da chuva por sua armadura escorrega. O frio não parece incomodá-lo.

Ajoelha-se na lama de cheiro ferroso, diante da lápide e toca as rosas presas por um fino barbante, que se desfazem em sua mão. Seu sorriso se alarga. Seus dedos longos e finos pareceram absorver o resto de vida que havia na planta.

Levanta-se satisfeito. A água escorre pelos cabelos e rosto já encharcados, açoitados pelo vento gélido. Aproxima-se de Ákian e lança um último olhar para as sepulturas, antes de montar. Deixa seu elmo cair aos pés desta e sobe nas costas do cavalo, que, ao seu comando, coloca-se a galopar para o céu... Em direção ao norte...

...
Imagem

Status: Cursed
Alinhamento do mês: Caótica e Neutra
Avatar do usuário
Lady Draconnasti
 
Mensagens: 3753
Registrado em: 25 Ago 2007, 10:41
Localização: Hellcife, 10º Círculo do Inferno

Pesadelo 6/???

Mensagempor Lady Draconnasti em 11 Jan 2010, 23:27

Capítulo 05: Manhã Cinzenta

O sol pálido batalha para que seus raios tragam um pouco de luz ao mundo. O Joalheiro acorda em sua grande e confortável cama ao senti-los em sua face. Seus olhos escuros se abrem devagar e ele vê Susrra ao lado das cortinas de veludo vinho recém-abertas.

O grande quarto deixa-se banhar pelo morno calor. Do tapete vermelho-escuro do reino élfico aos móveis suntuosos de mogno, passando pelos quadros feitos por grandes artistas de sua raça às pequenas esculturas de pedra e mármore dos anões de Mithras. A confortável cama de casal do elfo se encontra no meio do aposento, entre duas das grandes janelas do aposento, quase oculta pelas sombras.

- Creio que sseja hora de desspertar, messtre. – Sussurra ela com um tom de voz apático. Sethallas percebe que a atenção dela está voltada à janela grande ao seu lado.

- Algo errado, Susrra? – Pergunta ainda sonolento, removendo o grosso lençol vermelho, afastando um pouco a gola de sua folgada camisa branca de algodão, que aperta seu pescoço.

Alguém bate à porta. A pequena serviçal afasta-se da janela e abre a passagem para uma mulher formada, de vinte e oito invernos, de feições gentis e bem cuidadas. Grandes olhos claros, castanhos, como seus cabelos ondulados. Lábios rosados de doce aparência que agraciam ao imortal com um ligeiro sorriso de “bom dia” e uma bandeja de prata em suas mãos. É Cibelle, sua empregada e confidente.

Sobre a peça metálica, algumas uvas vermelhas e pães torrados se encontram em pequenos pratos de porcelana alva. Junto a esta, um recipiente contém uma fresca geléia de morango e uma taça argenta onde há leite, ainda morno. A jovem serviçal curva-se discretamente numa reverência ao mestre e sai do aposento.

Sem entender muito, Sethallas tenta se levantar, mas é detido pelas palavras da empregada.

- Não, meu senhor, não se levante... – Fala com voz calma. Mas essa calma o elfo sabe ser fingida.

Ela se aproxima de seu senhor e senta-se na beira da cama, pondo a bandeja em seu colo. Joga os cabelos, antes apoiados em seu vestido cor-de-terra, para trás e arruma os travesseiros dele para que possa acomodá-lo melhor.

– Neste mesmo dia, dos últimos dez anos, você me serve a refeição matinal aqui no quarto... - Indaga o Joalheiro em suspiro, enquanto se recosta.

- É por que nós notamos que o senhor fica mais triste nesta data, meu senhor. E nós não gostamos de vê-lo assim. – Ela responde com sua voz terna e agradável, como poucas vezes Sethallas encontrou nos humanos.

Ela se demora observando-o serenamente, perdida em seu rosto de fascinante morbidez. Recorda-lhe os anjos esculpidos nas entradas da cidade. Belos, tristes e inalcançáveis...

A mulher se levanta da cama e vai na direção a uma cadeira adornada, não muito distante do leito, onde roupas se encontram dispostas. Recolhe-as com um ar de satisfação o qual seu patrão finge não perceber. Coloca-as em seu braço e vai rumo à porta. – A propósito, meu senhor, o seu banho já está preparado. – Diz ela suave, ao tocar na maçaneta ricamente trabalhada em metal escuro. Seus olhos se encontram por um breve momento, aumentando a dor no peito do elfo.

- Obrigado, Cibelle – Responde ele com um murmúrio.

Ele sabe não ser culpa dela. A serva em tudo se parece com sua falecida amada. Na voz, no rosto, nos movimentos... Mas ela não é a sua Cibelle, a mãe de seu filho.

Recorda-se de quando conheceu sua mulher. Ele estava fugindo de seus muitos inimigos, estava gravemente ferido. Ela era a filha do prefeito da pequena Sellune e cuidou de seu corpo durante longos dias febris. O calor de sua gentileza o tirou várias vezes da fria meretriz que ele tanto ansiava e a qual chamam de morte.

Recorda-se de sua doce esposa acordando-o terna e carinhosa, usando um vestido leve, que lhe era tido como favorito nos dias quentes de verão. Cores claras que ressaltavam o rubor de sua face ao beijá-lo, e frutas frescas as quais se divertia colocando-as em sua boca. Depois, vinha seu filho, na época uma criança amável, e o abraçava com força... Hoje, essas lembranças tão desbotadas pelo tempo e pela vida parecem nada mais que um sonho de infância.

Come devagar e sem prazer, como se continuar a viver fosse uma tortura e se levanta, pondo a bandeja de lado. Dirige-se ao lavabo, pensativo, “algo mudou”. A água morna se encontra na banheira, apenas esperando por ele.

Abre a camisa e a retira, fazendo com que o tecido fino deslize por sua pele alva e o mesmo faz com a calça. Pequenas e grandes cicatrizes se mostram esbranquiçadas, ao longo de seu corpo magro, porém forte, quase todas causadas por objetos afiados.

Entra e se acomoda lentamente, sentindo cada músculo tenso de seu corpo magro, relaxando com a temperatura agradável. Joga a cabeça para trás e deixa perder-se em divagações, procurando distanciar a atenção de seus pesadelos. A única forma eficiente a qual ele conhece é ela...

É casada há doze invernos com outro empregado da casa, tenta manter uma boa aparência apesar de todo o trabalho. Gosta de flores, calma, de caráter forte, não tem filhos... Um desperdício, em sua mais sincera opinião...

Dizem que a culpa é dela por não haverem rebentos entre o casal. Dizem que mesmo se entregando ao marido, não consegue fazê-lo direito. Por um momento o elfo se pergunta como é “não fazer direito”. Como é que duas pessoas, unidas há mais de dez anos por um matrimônio, conseguem “não fazer direito”? Até hoje não entende essa forma de esconder a própria incapacidade dos humanos. Ocorre-lhe a questão se o problema não é com o marido.

Ousariam formular boatos em relação a sua honra, por ela ser a pessoa mais próxima do Joalheiro, mas ninguém conseguiu imaginar algo convincente. Afinal, todos sabem que Sethallas, por ser um elfo ainda sente a perda da família. Então ele nunca seria capaz de tocar outra mulher até se recuperar do choque...

Quem diria que sua apatia serviria de escudo para boatos? Idiotas...

Muitos o criticam, tentando fazê-lo deixar de viver o passado. Uns imaginam sua tragédia, outros zombam de sua virilidade. Nenhum sabe a verdade, e se depender dele, nunca saberão.

Seus olhos pousam lentamente em seu braço esquerdo, onde uma longa serpente negra se encontra desenhada. Não imaginava que ela fosse se tornar uma espécie de aviso por onde passava. E depois do incidente com Kyasid, decidiu de vez escondê-la dos olhos de todos.

Sai da água, enxuga-se calmamente e retorna ao quarto, recompondo-se. Abre o armário e toma suas vestes para esse dia. Calça negra, camisa de seda branca, um colete de couro com desenhos intrincados e calça suas botas escuras. Hoje irá a cavalo...

Desce os degraus e encontra a jovem serviçal sentada ao chão, diante da lareira, assistindo as brasas lutarem para se manterem acesas. A sala está fria e silenciosa, como a maioria dos aposentos da casa.

- Susrra, avise para prepararem meu cavalo. – Ele diz sem aguardar que ela o olhe. – Em breve eu estarei lá.

Desperta de sua diversão, pelas palavras de seu senhor, a jovem se levanta lentamente. Com uma breve reverência, ela se vai sob os olhos atentos do elfo. “Falta pouco”, ele pensa tomando rumo para a sala onde guarda as jóias prontas. Lá encontra Cibelle, Sadira e Matisse a varrerem o aposento.

Pensativo, ele fita aquela que tem tomado parte de sua atenção desde que chegara na casa.

Despede-se delas e toma seu caminho, em direção ao estábulo, onde encontra a garotinha esperando. Ao seu lado, a majestosa puro-sangue que o acompanha sendo segurado pelo tratador de ombros largos, Abel, e seu aprendiz, Roan, inquieta e arisca.

O elfo ergue a mão e toca o focinho do agitado animal. Acaricia-o por um breve momento, fazendo com que ele se acalme. O homem o olha cansado. Ainda não pegara a simpatia dessa égua, isso era visível, e o imortal sabia qual a razão.

Abel era um homem rude com pessoas e com animais, embora não demonstrasse isso diante do elfo. Sabia disso pelos olhos escuros daquele humano que transbordam desgosto constante, pelas marcas no corpo de sua submissa e torturada esposa, e pela antipatia absoluta da montaria. Por mais hostil que fosse com aqueles que tinham que cuidar dela, a égua jamais havia se portado da forma como vem se portando na presença desse homem.

- Não se preocupe, Aasteran é realmente difícil de ter confiança em seus tratadores. – Diz ele ao mais jovem. – Mas você tem o mesmo talento que seu pai, logo irão ser bons companheiros.

- Muito obrigado, senhor. – Diz Roan, passando as rédeas da montaria para o Joalheiro.

Ambos ficam surpresos ao ver a rapidez com a outrora agitada Aasteran se aquieta. Como se o animal e o elfo fossem um, eles partem em uma corrida, quase sem o manuseio das rédeas pelas mãos do imortal. Cruzam as altas grades de ferro que se encontram abertas, assustando a serva Lenora, que estava distraída, limpando a passagem enlameada do jardim.

Fazia tempo desde a última vez em que o Joalheiro saíra. Todos por quem passam os cumprimentam, já sabendo de seu ritualístico passeio que sempre tinha início ao seu despertar e que só terminava quando a mais densa escuridão ameaçava se deitar sobre suas cabeças.

- Bom dia, Mestre Joalheiro. – Diz Liz, a idosa dona do armazém com uma expressão feliz no rosto fazendo-o reduzir o galope da montaria. Pelo visto seu estabelecimento não sofrera danos – Vai visitar seu filho hoje?

- Sim, senhora Liz. – Responde ele. – E como vão os preparativos do casamento de sua adorável filha?

- Vão muito bem, Mestre. – Ela respondeu com um sorriso. – Se as coisas continuarem bem, no início da primavera os dois estarão unidos sob a graça divina, como marido e mulher. Farei questão de convidá-lo pessoalmente!

O elfo limitou-se a um sorriso educado e voltou ao seu rumo, desejando-lhe uma boa manha, enquanto tentava puxar pela memória o nome do jovem casal. Sabia que um deles lhe era deveras interessante...

O corcel negro e vigoroso caminha pelas ruas pavimentaras com pedras, tendo sobre o colo de seu passageiro, um ramalhete de rosas brancas dados pela gentil florista da praça central.

Cruza a cidade e passam pela saída ao sul desta, onde há um bosque verdejante... Um bosque que ninguém deseja entrar... As folhas amareladas ainda molhadas deixam pingar seu orvalho misturado com a água da chuva. O silêncio impera neste local. Nem mesmo os pássaros se atrevem a cantar.

Reduz os passos de Aasteran. Seu semblante calmo agora dá lugar a uma desconhecida angústia a qual só sentira na noite anterior. Há algo diferente no ar, pode sentir isso com facilidade, e para sua irritação, não consegue perceber de que se trata.

Chega ao local. Uma clareira grande, com uma fenda ocupando um considerável espaço. Nos pés de um dos túmulos de pedra e ouro, onde os nomes sulcados em sua superfície repousam, há uma máscara e um elmo demoníaco...

O elfo empalidece ao ver ambos os objetos e sente suas pernas fraquejarem. O sonho foi real...

Seu corpo se curva, incapaz de suportar o peso que parece sentir sobre si, os joelhos cedem e encontram o chão enlameado. Mechas encobrem os olhos e derramam-se sobre a fina grama suja. As mãos vão ao solo, deixando que as rosas brancas sejam feridas pela queda. Os ombros antes inertes, agora tremem.

Pode sentir novamente o cheiro do sangue fresco que correu naquela noite terrível. Ouvir o crepitar das chamas que lambiam as construções. O toque furioso da negra lâmina profanar corpos de inocentes. O gosto amargo de ter o filho envenenado e agonizando a sua frente sem nada poder fazer para amenizar seu sofrimento...

O ar torna-se pesado, as árvores parecem chorar ao vento. O sol esconde-se atrás das pesadas nuvens de chuva, as quais deixam novas lágrimas de prata salpicarem pelas folhas.

...
Imagem

Status: Cursed
Alinhamento do mês: Caótica e Neutra
Avatar do usuário
Lady Draconnasti
 
Mensagens: 3753
Registrado em: 25 Ago 2007, 10:41
Localização: Hellcife, 10º Círculo do Inferno

Pesadelo 6/???

Mensagempor Lady Draconnasti em 27 Mai 2010, 08:23

Capítulo 06: Luxúria


Um dia se passou. O Cavaleiro Negro corre veloz tendo o vento úmido a açoitar sua face. O céu continua nublado. Falta muito para sair da região dos Descampados. Três dias se não se engana. Vê o caminho por cima da copa das árvores e sente-se entediado por isso. Às vezes ele prefere caminhar pelas estradas e espalhar o pânico por aqueles que cruzarem seu caminho.

Com uma leve batida na sela, o cavalo-demônio reduz sua velocidade e começa a descer aos poucos para a estrada de pedras. Algo mais adiante chama a sua atenção. Está longe e um pouco encoberto pelas folhas e galhos, entretanto tem certeza de ser um humano ou elfo. Toma sua devida cautela. Esconde as asas de couro e muda seus olhos de sangue para o castanho quase negro, que um dia tivera. Retrai suas garras e encanta sua montaria para que ela pareça ser um simples garanhão negro como sua armadura...

Galopa sob solo em direção a esta pessoa a qual ele percebe ser uma jovem humana. Talvez com seus quinze ou dezesseis anos. Um sorriso maligno brota em seu rosto belo e pálido, ao ver a beleza inocente daquela garota e ao reconhecer aquele olhar. Já fazia algum tempo que não se divertia de tal forma...

Passa diante dela, fazendo ser notado.

- Boa noite, senhorita. O que faz uma jovem tão bonita, sozinha nesse local perigoso? – Pergunta ele com um tom de voz calmo e aveludado fingindo tê-la notado há pouco.

Ela se deixa surpreender pelo homem que se aproxima. Por um breve instante ela sorri, mas ao vê-lo, sua face voltou ao estado de ânsia. Ele sente a insegurança e um pouco do medo nos olhos castanho-claros dela. Isso apenas o instiga, no entanto ele não demonstra.

A jovem nada responde. Apenas respira fundo, como se ele a importunasse com sua presença. Desvia a face para o outro lado. Sente um suave aroma de rosas do campo rodeá-la e então ela torna a olhá-lo receosa.

- Ora, não tenha medo. – Diz ele fixando os olhos nos dela, fingindo estar perdido. – Estou apenas à procura de um teto para passar a noite fria e depois prosseguir com minha missão.

- Missão...? – Ela fica curiosa. – O senhor é um...

- Ah, não, não... – Ele interrompe com um dócil sorriso no rosto. – Sou apenas um servo fiel que está longe de seu lar e um pouco cansado de dormir ao relento... A senhorita...

Percebe o quão belo é o homem a sua frente enquanto o ouve. Suas finas feições meio-élficas, sua pele pálida e graciosa fala. Ela olha para os dois lados da estrada, mas não há uma alma viva por perto. A jovem sente uma inquietação em seu peito. Combinara com seu amado de se encontrarem ali. Pensa em guiá-lo até a vila, mas teme que ele chegue caso ela saia. Não pode por tudo a perder agora.

- Senhorita? – Chama o Cavaleiro suavemente. A garota sente seu peito arder ao ouvir sua voz. – Algo errado?

- Não, senhor... – Responde ela tentando disfarçar.

De um modo breve, ela lhe indica o caminho de sua vila. Entretanto, quando está prestes a acabar sua explicação, percebe que o homem não lhe tira os olhos. Sente-se acuada, mas atraída. Ofendida e lisonjeada.

- Algo errado..., senhor? – Ela pergunta confusa.

- Nada, senhorita . Estava apenas contemplando sua beleza, sua voz... – Responde o meio-elfo tomando a mão dela e dando-lhe um suave beijo. – Os deuses lhe foram bastante generosos...

A garota sente um arrepio percorrer toda extensão de seu corpo, seguindo por um ardor intenso e pelo perfume das rosas. Ela fraqueja por um momento e se deixa suspirar. Sua face cora, seu estômago se revira como se tivesse com algo gelado em seu interior.

Ele sorri malicioso, sem que ela perceba...

- A senhorita está esperando alguém? – Pergunta ele educadamente.

- Estou. – Responde ela sem jeito. – Estou aguardando o meu amado chegar.

Amor. Algo tão belo e puro. Algo que mesmo ele já sentiu uma vez... Algo que ele pretende destruir...

- Eu não desejo me intrometer, mas o que os levaria a marcar um encontro aqui, na beira da estrada? É perigoso e se a senhorita for vista com mais alguém, será a senhorita que ficará mal falada.

- Ele me ama. – Diz ela convicta. – Marcamos de nos encontrar aqui para que ninguém de nossa vila nos visse.

- A senhorita deve realmente gostar desse homem ao qual espera. Está claro em sua voz e em seus olhos... Mas, será que ele a ama da mesma forma que a senhorita o ama? – Sibila como se algo insinuasse.

- Ora, mas é claro que ele me ama! – Defende a garota, questionando-se em seu coração se seria realmente verdade.

Recorda que recentemente vira seu amado andando de braços dados com uma mulher mais velha, de ricas vestes. Ambos estavam sorridentes no pequeno mercado da vila, comprando flores. Recorda o quanto invejou sua rival pelas posses e pela beleza e o quanto o odiou pela traição. Recorda o quanto chorou por isso e o quanto lhe custou para esquecer.

- Será mesmo? Perdoe-me, mas não me parece amor marcar um encontro com uma jovem em uma beira de estrada em tão alta noite. – Opina ele com sinceridade em sua alma negra. Ele sabe muito bem que, às vezes, a verdade é o melhor método para atingir seus desejos. – Isso a faz ser alvo fácil de qualquer um que ousar desejar o mal a tão graciosa donzela. Quem ama não exporia seu ente mais querido a tamanho risco...

Com o canto dos olhos percebe que suas palavras aos poucos minam sua vontade e sua crença no amado. A vê morder os lábios e torcer as mãos, confusa. Chegara a hora que ele aguardara. Ela lança um olhar inseguro para o Cavaleiro e mais uma vez sente seu peito arder de modo incômodo e confortável. Seu corpo parece imerso em medo e dúvida.

O cavaleiro lhe oferece a mão, a qual ela reluta em aceitar. – Venha senhorita. Será muito perigoso deixá-la sozinha neste local escuro. – Sibila com a voz mais aveludada ainda. – Permita a este humilde servo conduzi-la até sua morada...

Receosa, ela toma a mão do homem, que a ajuda a subir no cavalo negro, que logo se põe a andar novamente. O frio vento a faz tremer. Ele, ao perceber, a envolve com sua capa de seda negra, para mantê-la aquecida. Ela, sem se dar conta, recosta a cabeça ao ombro do estranho, que nem mesmo sua proteção metálica o faz parecer desconfortável, e se aninha.

Algum tempo se passa dessa forma. Nota que o aroma das rosas exala de seu corpo. Em sua mente, imagina-se tendo tal homem ao seu lado. Um homem gentil, educado e incrivelmente atraente. Não, mais que isso. Nem em pensamentos encontra uma palavra para melhor definir a aparência exuberante desse Cavaleiro.

Imagina-se sendo envolvida por ele, experimentando o calor de seu corpo. Provando sua boca pálida, mãos fortes explorando seu corpo casto, sentindo na pele o amor aventureiro sem imaginar que ele pode ser sua perdição.

O braço dele, antes mero apoio, agora a envolve e a abraça contra seu corpo profano. Seu peito queima e ao se dar conta, já está perdida em seus lábios venenosos, em um ardente beijo. Ela sente desejo... E ele faz sua montaria parar...

O homem toca seu rosto, fazendo-a suspirar fundo, enquanto a beija. Seu abraço a faz sentir-se bem. Sua mão desliza do rosto para o pescoço, suavemente, e do pescoço para o seio dela. Seu toque parece incendiá-la.

Na mente da garota, dúvidas sobre sua atitude perante o estranho. Estaria fazendo algo correto? As palavras do cavaleiro sombrio ecoam em sua mente. “Será que ele a ama mesmo?”. Imersa em seus pensamentos, ela se deixa guiar pelo homem que desmonta e a tira gentilmente da sela. Só então ela percebe o que ele está pensando.

- Sinto desejo em sua voz... Sinto desejo em seu corpo puro e jovem. – Sibila ele em seu ouvido, com voz doce e aveludada. Suas palavras de prata cativam sua ouvinte envolvida pelos seus braços fortes e pela luxúria. – A senhorita está com medo que alguém descubra nossa aventura. Não tema. Ninguém saberá... a menos que a senhorita queira... a menos que a senhorita permita...

O perfume das rosas a embriaga cada vez mais junto ao seu toque estranhamente quente. – Este servo caiu sob seus encantos... Permita a esse guerreiro sagrado o direito de seu afeto. – Graceja o Cavaleiro Negro, afagando a cintura da garota.

Está totalmente fascinada pelo estranho. Regozija ao sentir a mão dele tocar sua pureza. Seus lábios o procuram, enquanto ele a faz se perder em no calor. A mente da donzela entorpece com suas expressões enquanto as mãos fortes do meio-elfo lhe percorrem a saia do vestido. Da coxa aos quadris...

Descem do animal e pousam no tapete esmeralda iluminado apenas pela fria lua prateada.

Ele sussurra uma palavra desconhecida pela jovem, fazendo com que sua armadura se desfaça em luz púrpura. A face vermelha da jovem não lhe permite esconder o ardor de seu peito. Ao ver isso, o demônio sorri, divertindo-se com a inocência da garota que caíra em seus braços.

- Fria... Sua mão... É fria...

- Então me aqueça, senhorita. – Sibila enterrando seus lábios no pescoço dela, arrancando-lhe gemidos de prazer. – Aqueça-me, minha dama...

- Julia, meu nome... É Julia. – Ela responde com um arfar. – Julia de Lantara...

“Lantara?!” Ele repete mentalmente. Não poderia ser mais perfeito.

Por um breve momento, ele a deita com cuidado e se mantém de joelhos. Ela assiste com os olhos ardendo, ao homem se despir lentamente a sua frente.

Nunca vira tamanha perfeição em um corpo, mesmo quando estava em seus momentos quentes com o amado. Cicatrizes de um guerreiro que muitas vezes batalhara por algo em um corpo forte e definido. Sua volúpia aumenta ao perceber que ele se prepara para retirar as suas vestes.

A jovem se deixara prender na armadilha de seu sedutor abissal. Esquece de seu amado, de sua inocência, de seu pudor. Não imagina quanto tempo passa enquanto presa a seus braços fortes e malignos. O odor das rosas se mistura ao seu suor, excitando-a, entorpecendo-a. Ele percebe a pureza da jovem se esvair ao seu abraço profano, fazendo-a se perder por completo e tornando-a lasciva.

Ela deseja mais dessa forte sensação, mais desse prazer intenso. Mais desse amor forjado pelo demônio que a toma e que a faz atender sua mais negra vontade nesse momento.

Sente sua pele macia esfriar e seus braços perderem a força. O cansaço toma a vítima que adormece ao fim da luxúria.

O homem se levanta com um sorriso maligno nos belos lábios e se veste. Agora há apenas uma coisa a fazer...

- Lantara, não é? Vamos ver que tipo de recepção seus pais e avós me darão quando eu chegar em sua vila...

...
Imagem

Status: Cursed
Alinhamento do mês: Caótica e Neutra
Avatar do usuário
Lady Draconnasti
 
Mensagens: 3753
Registrado em: 25 Ago 2007, 10:41
Localização: Hellcife, 10º Círculo do Inferno


Voltar para Contos

Quem está online

Usuários navegando neste fórum: Nenhum usuário registrado e 2 visitantes

cron