Esta história simples foi motivada pelas discussões no tópico do Conto Coletivo promovido pela Dark Lady:
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Seguindo sugestão da Lady Draconnasti, estou postando esta lenda sobre a criação e rivalidade entre elfos brancos e elfos negros, um tópico próprio. Fiz algumas poucas mudanças em relação ao texto original.
Sobre o corpo de um deus morto e esquecido, Universo – somente por capricho – decidiu semear algumas novas formas de vidas. Ocupado com outros assuntos, pediu a um de seus filhos, Tempo, que cuidasse deste lugar e deu a ele um punhado de sementes – em cada uma delas existia uma daquilo que chamaríamos mais tarde de divindades ancestrais – cada uma dela responsável por um tipo de forma de vida. Eternamente atarefado, Tempo confiou a seus dois filhos mais velhos – gêmeos e rivais – Dia e Noite, a missão de plantar e cuidar deste novo mundo, que ficava em um tão lugar desolado dos vastos domínios do Universo que não era possível ver as estrelas ou outros planetas ou satélites naturais.
Dia e Noite dividiram as sementes entre si e as plantaram no cadáver divino, dando origens aos deuses – na verdade deusas, que mais tarde seriam fecundadas por Dia e Noite e originariam os primeiros mortais. A divisão transcorreu com relativa tranqüilidade até que restou somente uma semente, que era a mais bela e graciosa de todas. Por um longo período, os filhos do Tempo disputaram o direito de plantar aquela semente.
O conflito, que por pouco não causou a destruição daquele mundo recém-criado, foi resolvido pelo próprio Tempo. Ele dividiu a semente em duas metades iguais e deu cada uma a um de seus filhos. As metades plantadas deram origem a duas irmãs elfas gêmeas. Externamente, residia apenas uma diferença na cor da pele: a semente plantada por Dia deu origem a uma elfa com a pela tão branca como a neve; já a plantada por Noite gerou uma deusa de pele negra como o ébano.
Dia e Noite cortejaram e copularam com muitas deusas – algumas deusas, inclusive, copularam com os dois irmãos – gerando inúmero tipos de seres vivos dotados de mortalidade. Entretanto, as elfas Branca e Negra se mantiveram castas e imunes às investidas dos filhos do Tempo. As irmãs eram muito unidas e compartilhavam seus segredos mais íntimos, no entanto mantinham-se ignorantes sobre as disputas de Dia e Noite por seus corpos e corações. Dia almejava desposar Negra, mas era extremamente ciumento em relação à Branca, que a considerava quase como filha. Por outro lado, Noite cortejava secretamente Branca, mas evitava a todo o custo que os olhos de Dia caíssem sobre Negra. Este impasse durou até que Branca e Negra se apaixonaram pelo mesmo deus: Dia.
Dia, é necessário destacar, possuía uma luminosa própria, porém mais muito tenra e aconchegante do que possui hoje. Se hoje não podemos olhar diretamente para Dia é porque um plano motivado pelo ciúme e pelo veneno da paixão o transformou no atual Monarca Resplandecente.
Quando Negra revelou que amava Dia, Branca quase não pode esconder sua decepção e desespero. Ela temia Noite, por conta das histórias terríveis que Dia lhe contava, e um pouco antes da confidência da irmã, descobriu que Dia desejava sua irmã. Seus pensamentos se voltaram para a tristeza e a solidão que haveria de experimentar caso Negra e Dia ficassem juntos. Seus pensamentos foram ouvidos por Noite, que propôs a ela um acordo: Ele afastaria Dia e Negra e faria com que Branca se tornasse consorte de Dia. O preço a pagar pela felicidade seria apenas um: Branca teria que ser amante de Noite. A infidelidade era o tributo a ser pago por desejar a infelicidade da própria irmã.
Branca hesitou por um tempo, mas corroída pelo ciúme aceitou a proposta de Noite. O sombrio filho do Tempo foi até terras infinitamente distantes e capturou a estrela mais brilhante dos domínios do Universo, colocando uma maldição nela. Em seguida, Noite provocou um conflito com Dia por conta de um motivo fútil e ambos se enfrentaram em um duelo. Dia foi o vencedor do embate e reivindicou um tributo pela vitória. Noite então o presenteou com a estrela, moldada de forma a ser uma resplandecente coroa. Dia ficou deslumbrado com o presente e colocou o adorno em sua própria cabeça, que aumentou em mais de mil vezes a sua luminosidade pessoal.
Noite também permitiu que Dia desposasse Negra, se este fosse o desejo dela. Feliz com esta notícia, Dia procurou Negra para contar a ela as novidades. Ele não tinha dúvidas que Negra aceitaria seu pedido de casamento. Quando a encontrou, Dia pediu que Negra o olhasse nos olhos, pois tinha algo muito importante para dizer. Porém quando Negra atendeu ao pedido da divindade, o brilho intenso da coroa estelar queimou irreversivelmente os seus olhos e ela gritou uma dor ensandecida pela cegueira. Dia, percebendo o sofrimento de sua amada, tentou remover a coroa, mas ela não saía de sua cabeça. Tentou cobrir a coroa com suas mãos e suas vestes, mas a luminosidade não cessava. Seu desespero ao ver Negra se contorcer de dor logo virou ódio pela perfídia de seu irmão Noite – que certamente o enganara. Abandonou sua amada, cego pela ira contra o irmão.
Negra foi ajudada por Branca, que assistiu tudo a uma distância segura. Amparou a irmã, cuidou de seus ferimentos. Por fora demonstrava solidariedade, mas no fundo estava feliz pela desgraça sofrida pela irmã. E pela primeira vez, Branca mentiu para a sua irmã: ela disse que Dia a cegou de propósito, como castigo por ela ser imperfeita, um ser incompleto e dividido, tudo por culpa da teimosia de Noite, que não o deixara plantar a semente inteira. Negra tomou as palavras de Branca como a mais cristalina verdade – sua irmã nunca tinha mentido para ela – e confusa pela dor e decepção, as palavras de sua irmã pareceram um argumento irrefutável. E ter seu amor por Dia destruído desta forma, causou à Negra uma dor muito mais profunda do que o ferimento incurável nos olhos.
Enquanto isso, Dia confrontou Noite novamente. Surrou severamente o irmão sombrio e exigiu que o mesmo retirasse a coroa. Noite disse que a maldição só poderia ser quebrada de uma forma:
— Somente as mãos de um amor verdadeiro, puro e recíproco, podem retirar o fardo resplandecente da traição.
Ao ouvir estas palavras, Dia foi ao encontro de Negra, pois o deus tinha certeza que o amor entre ambos era puro e recíproco e somente ela poderia quebrar a maldição. Mas quando a encontrou, descobriu que o amor que existia entre eles se quebrou: só restara a mágoa e a dor da traição. E palavra alguma de Dia fez Negra mudar de idéia, que se encontrou aconchego nos braços de Noite.
Noite, enquanto se recuperava dos seus ferimentos, requisitou a presença de seu pai, Tempo e desta vez foi selado um acordo entre as partes, o “Tratado da Metade”, que garante a Dia e a Noite o domínio do céu em períodos iguais de tempo. A fim que o tratado fosse cumprido, Tempo designou dois guardiões, Aurora e Crepúsculo, para proteger as fronteiras de cada domínio temporal e evitar novos conflitos.
Tempos mais tarde, Branca – com a ajuda de Noite – conseguiu seduzir Dia e tornou-se sua esposa. Ao mesmo tempo, Negra aceitou Noite como seu consorte. Os filhos destas uniões resultaram nos primeiros elfos brancos e nos primeiros elfos negros. Os filhos de Negra e Noite compartilharam a aparência física de sua mãe e herdaram dela uma versão menos severa de sua cegueira à luz estelar que adorna a cabeça de Dia. Como compensação, Noite concedeu a eles uma extraordinária visão na mais completa escuridão.
Negra e Branca mantiveram relações cordiais, mesmo sendo esposas de irmãos rivais. A cumplicidade já não era a mesma, pois as duas não se viam com a mesma freqüência, encontrando-se esporadicamente somente durante os períodos de vigília de Aurora e Crepúsculo. Mas Negra ainda amava sua irmã e ensinava seus filhos a amá-la. Branca – que já obtivera a felicidade que queria – também permitia que seus filhos brincassem e amassem os filhos de Negra. Devido a forma como as deusas elfas foram concebidas não era incomum casos de elfos negros que eram exatamente iguais a elfos brancos, diferindo apenas pela cor da pele.
Tudo mudou quando Negra encontrou Branca copulando com seu marido, Noite. Possuir a esposa de Dia era especialmente gratificante para Noite, pois ao contrário do irmão, tinha o privilégio de saborear as duas metades da semente que disputou arduamente com o irmão. Branca não sentia prazer – apenas repulsa – em se entregar à Noite e tinha desprezo pelos filhos que nasciam de suas relações, mas sabia que não poderia quebrar o acordo que fizera para destruir o amor entre Negra e Dia. O destino dos filhos de Branca e Noite é ignorado e alvo de especulações jamais confirmadas.
Desde este acontecimento, Negra passou a odiar mortalmente sua irmã Branca e a desprezar o seu marido Noite. No entanto, aprendeu a seduzi-lo e a satisfazê-lo para aumentar seus próprios poderes e para aprender seus segredos, incluindo uma antiga e proibida forma de magia que drena seu poder dos planos inferiores. Quando aprendeu tudo o que podia e se fortaleceu ao máximo, abandonou Noite, que não teve forças para detê-la. Até hoje, os dois travam duras batalhas pelos domínios sombrios.
Quanto à Branca, Negra ensinou a seus filhos que deveriam odiar seus irmãos brancos, pois os mesmos são rebentos de uma vil traidora que destruiu todo o amor e a pureza que ela tinha. Os filhos de Negra, enfurecidos, começaram a caçar e matar todos os elfos brancos que encontraram. Branca procurou sua irmã e tentou convencê-la de que os assuntos pendentes entre elas deveriam ser resolvidos entre as duas sem envolver seus filhos mortais. Negra se recusou a escutar a irmã e continuou com as ostensivas hostilidades contra os elfos brancos. Temendo a extinção de sua prole, Branca treinou e organizou os elfos brancos dando início à primeira guerra entre os mortais, conflito este que perdura até os diais atuais.