A Estrada II

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A Estrada II

Mensagempor Aleχ em 09 Jan 2009, 19:54

Olá pessoal, como estão?

Faz tempo que não posto nada novo meu aqui, e nem poderia ser diferente porque os estudos tiram todo o meu tempo. Bom, estou postando hoje uma espécie de conto que escrevi essa semana. É uma continuação de um outro que eu escrevi há 1 ano atrás e talvez vocês prefiram primeiro ler ele para depois ler esse. Não é essencial para a história, mas permite uma compreensão maior. Estou colocando aqui o link para o outro, que se chama A Estrada.

Bom, a maior diferença entre eles é que este novo eu escrevi com mais cuidado, com uma preocupação maior na escrita, porque já tinha em mente postar aqui. De qualquer maneira, não deixa de ser uma coleção de linhas que nem sempre se conectam, e que talvez não façam sentido para vocês. Ainda assim, é uma continuação do primeiro. Espero que gostem:

A Estrada II

Não há nada no mundo que se compare a uma Coca-Cola e um pote de batatas Pringles. De preferência, nos sabores originais. Nada de diet, light, integral, com queijo ou com cebola. Melhor ainda se a Coca estiver gelada e a batata não estiver dentro da sua embalagem de nascença. Aquele cilindro é horrível. Não sei onde Fredric Baur estava com a cabeça quando o inventou. Além de sujar a mão, dá bastante trabalho pegar as que estão no fundo. E é uma injustiça com os fãs mais fiéis ao produto, que por causa dos seus magníficos e invejáveis tecidos adiposos, não conseguem nem enfiar a mão no pacote. Aliás, aproveitando o momento oportuno, seria ótimo também que a Coca viesse ainda fechada, com seu gás todo conservado; porque Coca sem gás é que nem Nescafé frio ou Nestea quente.

Opa! Metade da Coca-Cola já foi só enquanto eu dizia isso. Mas deve-se sempre ter um cuidado especial para não acabar a Coca antes da Pringles, porque quando as batatas acabarem você terá sede, e aí irá precisar da Coca. Na verdade, uma garrafa de 600ml pode resolver o problema. Só não deixe sobrar. É pecado ter Coca e não ter quem a queira beber. Porém, se você for como o meu menino, então você dará conta dela sem problemas. E que momento ótimo para um refrigerante bem gelado; o dia está quente e não há nuvens no céu.

A caminhada está tranquila, passando agora por um longo declive. O singelo garoto diminuiu muito o passo, deixando o corpo descer pelo caminho à própria vontade, apenas aproveitando a leve brisa que vinha no sentido contrário, fazendo os cabelos suados balançarem e se refrescarem. Então fechou seus olhos e apenas curtiu o momento, como se ele fosse acabar em cinco minutos. Embora ele estivesse andando mais rápido do que imaginava e muito mais rápido do que queria, ele ainda levaria alguns meses para chegar ao fim da longa inclinação. Agia como se apenas ele existisse no mundo, e ignorava completamente todas as pessoas que surgiam à sua volta, sobre as velhas conhecidas poças do bosque. O que elas faziam? O que elas queriam? Ele já estava cansado de saber.

Cada vez que olhava para os dois lados da estrada, via o bosque repleto de cenas diferentes, com pessoas diferentes, fazendo coisas diferentes, mas já estava entediado, ainda mais porque nos últimos dias, ou até mesmo nas últimas semanas, todas as cenas foram repetitivas, sem nada de novo. Hoje então ele não havia olhado para o bosque nenhuma vez desde que amanhecera, e ele provavelmente jamais saberá que isso fora o maior desperdício de oportunidade dos últimos tempos. Mas vamos nos focar em coisas boas. Por exemplo, desde a última vez em que o vi, meu menino mudou, e para melhor, de forma geral.

Não veste mais roupas fora do tamanho, nem usa mais um tênis velho, embora o cabelo esteja estranho. Antes possuía um corte padrão, normal, ou pelo menos eu não havia notado nenhuma anormalidade. Não costumo sair muito de casa, mas era um corte de cabelo bastante comum entre as pessoas que me visitavam. Agora, porém, seu corte de cabelo estava completamente desordenado. Era como se tivessem repartido seu cabelo em 8 partes e dado cada uma para diferentes pessoas cortarem na altura que quisessem. Enfim, ao menos é um corte original. Mas as calças, a camiseta e os tênis – agora brancos como a neve – certamente foram comprados há pouco tempo, o que de fato dava um ar mais normal ao menino.

***


Uma simpática cozinheira criando empadas. Olhos fechados. Um casal de namorados. Olhos fechados. Um rapaz caindo de cabeça no chão. Morte cerebral. Olhos fechados. Uma sereia vestindo azul e branco e um rei oriental. “Meu garoto, você deve encontrar um reino grande o bastante para suas ambições. Este lugar é pequeno demais para você.” Pobre primogênito. Pobres somos nós que erramos e erramos. Amaldiçoados sejam aqueles que... Olhos fechados. E ambos eram iguais. Olhos fechados.

Corpos unidos, inseparáveis para sempre até que a noite acabe. Olhos fechados. Apenas alegorias. Olhos fechados. Apenas uma tentação; uma tentação com língua bifurcada. Olhos fechados. Lembranças. Agora, apenas lembranças. Olhos fechados. Uma ilha: um pouco mais de 1 quilômetro e meio de comprimento, por meio quilômetro de largura. E você de olhos fechados? Por quê? Por que você fica aí com seus olhos fechados enquanto todo o bosque está tentando mostrar o que você deixou para trás?

***


Ele está bem, e fico feliz. Vejo que ele está bem, e que ficará bem. Está feliz, embora sua felicidade seja tão sensível quanto os minúsculos fios de cabelo que insistem em ficar entre suas sobrancelhas. E será feliz, embora para isso precise primeiro superar os maiores desafios.

Enfim, olhos abertos. A claridade ofusca seus olhos. O sol está mais forte, e o dia mais quente. Finalmente olha para os lados, e se surpreende ao ver uma cena que jamais havia visto. Surge no bosque uma mulher, em pé e de frente para ele, com um sorriso humilde e sincero. Ao seu lado, sentado no chão sujo e distraído em seu próprio universo, havia um pobre pescador. Mas era ela que importava agora. Ela queria falar alguma coisa. O meu menino aguçou seus sentidos, e prestou atenção apenas no que ela tinha a dizer. Todo o resto pareceu fazer silêncio, inclusive o vento. A senhorita então abriu sua boca levemente e disse com sua doce voz: “Abrace-a.”

Ela diz mais alguma coisa em seguida, mas o essencial já havia sido dito. E o pouco que ela disse fez todo sentido para ele. Como retribuição, ele sorriu-lhe. O sorriso verdadeiro que só a felicidade consegue criar. E então mergulhou em pensamentos. Sua mente viajando para o infinito. Lembrou-se de conselhos recebidos há meses, ou há anos. Lembrou-se de que nunca teve o hábito de seguir conselhos. E apenas não viajou mais nos seus pensamentos porque tropeçou numa pedra e caiu de joelhos no chão; aterrissagem forçada.

E doeu. Voltou a si. Um pouco assustado, olhou para o seu lado e viu que havia um círculo de pedras. Dentro do círculo, uma placa, daquelas do tipo “Não pise na grama”. Nela estava escrito, com muita clareza: “2009”. Um simples número, como se fosse um marcador de distância da estrada. Até aqui, meu jovem, você já andou 2009 metros. Ou 2009 quilômetros. E a estrada continua.

Olhou de volta para o bosque e viu que a senhorita agora dançava com uma divindade marinha, um rei do oceano profundo. Ele não se lembrava de ter visto aquele ser ali antes, mas logo percebeu que ele era o mesmo pescador que havia há pouco, só que agora radiante e majestoso. Ambos sorriam e dançavam com alegria. Pode ver o sorriso ainda presente no rosto da jovem. E desejou do fundo do seu poço de incertezas que algum dia tivesse tamanha felicidade.

Enfim, respirou fundo e se levantou. Ia voltar a caminhar, mas outra coisa chamou sua atenção. Viu que havia algo atrás da placa no chão. Aproximou-se e então viu, e riu. Quietos e imóveis, esperavam por ele uma garrafa de Coca-Cola suando e um pote de Pringles aberto.

Não há nada no mundo que se compare a uma Coca-Cola e um pote de batatas Pringles. Pegou-os e voltou a caminhar. Havia um caminho a percorrer e a estrada o chamava. Venha, venha, mas não feche seus olhos.

Alex
Editado pela última vez por Aleχ em 15 Jan 2009, 00:50, em um total de 1 vez.
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A Estrada II

Mensagempor Ermel em 12 Jan 2009, 19:14

Acredite se quiser. Mas na primeira vez que li, estava comendo Pringles - mas de Cebola com Creme, simplesmente adoro. Essa coincidencia me trouxe uma pequena felicidade, bem agradavel no momento.

E estou aqui, agora lendo pela segunda vez. Para - tentar - tecer um comentario mais maduro e critico do que outrora me passou em mente quando li pela primeira vez.

Assim como no "Estrada I" eu simplesmente adorei. Não sei se dado o fato de ser essa coisa mais nas entrelinhas, o jeito manso - eu ri desse meu 'manso' lol - e descomprometido, ou essas pequenas coisas que despertam sentimentos tão agradaveis presentes nesses seus dois contos.

Como eu disse no primerio "Estrada", sou seu fã.

Enfim, vamos ao conto: Banalidades a parte, adoro a caixa do Pringles e coca cola sem gás!! E comer Pringles em pares, tipo, duas, quatro ou seis de uma vez. Nunca mais, pra não ficar salgado de mais - no caso da creme com cebola ou paprika.

O começo do conto já nos ilustra a caminhada do menino pelo, o que parece, ser um ano da vida dele. O interessante foi ver que devido a mesmerisse dos fatos ocorridos no 'bosque' ele deixou de olhar pra ele e assim perder uma grande oportunidade - seja qual for. E que tende a acontecer muito.

O declive em que caminhou, pareceu um trajeto em que ele levou na barriga, como o observador disse, poderia ser mais rapido se ele tentasse com mais vontade.

Quando esses "Olhos fechados." começaram a ficar enjoativos, ao menos para mim, você parou na hora certa. Mesmo que fosse uma repetição proposital, para mostrar o descaso - talvez? -, se tivesse continuado teriado ficado maçante.

A cena da moça e do pescardor ainda ficou meio nublado em minha mente. Mas o sorriso sincero foi cativante. Acho que é um tipo de amor, rápido e gostoso, que temos que ter.

Outra coisa que me marcou de mais, foi a fala do narrador "Meu menino", essa intimidade, talvez de um fantasma parente, me tocou de mais. A sutileza, a intimidade, podia teçer um comentario inteiro sobre essa frase, mas acho que me perderia nas proprias palavras e me contradiria (existe? xD).

E a "Aterrisagem forçada". Que me trouxe uma risada meio boba e descontraida. Acho isso muito natural, a aterrisagem, é dificil, muito dificil se preparar, realmente, para uma boa aterrisagem, mas não que torne o começo mais dificil, ou pior, tanto é que tem Pringles e Coca, lá. E claro, a lição do caminho já percorrido: caminhar pela nova estrada de olhos abertos!

Acho que escrevi muito e falei pouco. Adorei, aeuhaeuhuhaeahueah, é isso!

Meus sinceros parabens. E votos pro seu sucesso : )
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A Estrada II

Mensagempor Aleχ em 15 Jan 2009, 21:31

Caro Ermel,

Obrigado pelo comentário. Fico muito contente que você tenha gostado. E surpreso pelo quanto você compreendeu do conto. Captou coisas que eu havia colocado achando que nem eu mesmo entenderia dali a alguns dias.

O conto, assim como o primeiro, realmente ilustra um ano da vida de um jovem garoto. Deixei sim muitas coisas nas entrelinhas. Na verdade, tanta coisa que após finalizar o conto achei que havia mais coisas nas entrelinhas do que nas linhas em si. E o conto então me pareceu muito sem sentido.

A história, além de descomprometida, é alegórica, e isso inclui até mesmo a Coca e as Pringles. E como não sou um mestre da alegoria, senti que tirei mais sentido ainda do conto.

Mas então você veio, leu e compreendeu muita coisa. Desde o "meu menino" até os "olhos fechados". Acho que uma das coisas mais obscuras do conto é o narrador. Eu não falo muito dele, ele fala do garoto como se o conhecesse, mas ele jamais interage com o garoto, e nem o garoto com ele. E além disso, o conto passa a idéia de que o narrador é onisciente, sabendo de tudo que acontece com o garoto e do que está ao redor dele. E realmente a intenção era deixar isso como um mistério, fazer o leitor imaginar o que quisesse. E sua idéia é bem próxima da minha à respeito de quem é o narrador.

Enfim, obrigado mais uma vez.
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