- As vezes sinto que vivo uma vida que, nem ao menos, é minha...
Sussurrou enquanto a tela do aparelho televisivo mudava do azul para o preto em questão de segundos. As imagens, ainda frescas, vagavam em sua mente a procura de uma resposta. Até o momento em que se alojaram tão perto da realidade que, ao piscar, tudo aquilo se mesclou com que outrora eram objetos de sua sala a cenários impecaveis.
Resolveu levantar do sofá e ir a cozinha. Olhou para um lado onde uma estrada que se perdia num horizonte onde o céu quase purpúra lhe fez os olhos marejarem e segurar o peito com uma aflição indescritivel. E podia sentir o vento, mesmo que tão longe, soprar sedutor em seu rosto e dançar carinhoso no cabelo bagunçado.
Olhou para o outro lado. O caminho parecia tão mais turbulento, tão mais... As paredes que delimitavam quase qualquer movimento.
Sussurrou algo tão fraco e triste que não teve forças de rasgar o silêncio que havia se alojado naquele apartamento.
Sentiu um foco em seu rosto. Como um close. E tinha certeza que era um close. Podia sentir a câmera focar seu rosto em um enquadramento perfeito - que imaginava detalhadamente em sua cabeça. Levou as mãos ao rosto e pendeu para um canto junto a um sorriso falso, com a esperança de que a infelicidade comprasse esse seu sentimento abatido no rosto e lhe deixasse.
Foi quando a música entrou ao fundo. Inundando aos poucos a sala, tocando primeiro seus pés descalços e subir, gelada, pelas canelas, pelo quadril, peito até lhe afogar naquela melodia triste e roubar todo o ar que tinha em seus pulmões.
E pôs-se a chorar. Não teria grandes aventuras. Não teria grandes conflitos. Não brigaria com os pais e fugiria de casa. Não choraria por uma vida, e nem ao menos sacrificaria a sua própria por outra. Não teria um grande amor. Um enorme amor. Um intenso amor. Tudo o que queria era poder, ao menos, amar como eles.
Chegou a cozinha. Sentou a mesa e coçou o pescoço. Se decidiu. E numa cena que lhe renderia o grande prémio, acendeu um cigarro, cruzou as pernas e cortou os pulsos. Tragou uma única vez até perder o controle de suas mãos que cairam ao lado do corpo. Entre sorrisos e lágrimas a fumaça se esgueirou até o teto com um charme ímpar.
E sangrou até o fim dos créditos finais.