Dear Miss Despair - Final

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Dear Miss Despair - Final

Mensagempor Myako Lumine em 15 Dez 2008, 22:17

Já era tarde. Não havia sequer um ser vivo andando por aquelas ruas. O silêncio dominava. A escuridão, sombria, em seu estado mais bruto. Percebia-se, com facilidade, que ninguém ousava andar por lá.

Não que existisse forma de se fazer isso, uma vez que a única ponte entre os dois mundos já fora destruída.

Fogo. Destruição. Dor. Sofrimento. Moléstia.

Onde estava a dona de tudo isso, a chamada Dama Negra?

Onde estava a senhora conhecida como Morte, temida pelos mortais e admirada pelos Superiores?

Onde estava ela, a chamada Miss Desespero...?


Dear, Dear Miss Despair


Talvez já faça um tempo desde a última vez que ouviu falar de mim. Ou talvez nunca tenha ouvido – o que acho pouco provável. Não existe ser vivo que não me tema. Não existe ser vivo que não sinta medo e desespero ao me ver andando pela calçada de sua casa, a foice nas mãos, buscando a minha vítima.

Ou assim eu pensava até encontrá-lo. O garoto não devia ter mais do que dezesseis anos. Era magro, pálido, fraco. O observei durante alguns dias, pensando se deveria ou não levá-lo.

Existem casos em que a pessoa merece aquela dor. Não há por que livrá-la dela antes da sua hora exata. Ou assim pensava, também. O garoto mudara completamente a minha visão de tudo. Da vida, da morte, do meu trabalho. Trabalho este cuja real necessidade de existir me pergunto agora.


-=-

- Vigésimo quarto período diário.
Segundo ciclo lunar do chamado “ano”.
Ano este que já ultrapassa o de dois mil e doze, que foi quando parei de contá-los...
A humanidade caminha para a minha demissão, os poderes deles desafiando a ordem natural.

Eles estão rompendo o ciclo da vida. –



Já era tarde quando acordou. Não que isso fizesse diferença real para os outros, visto que sua vida era resumida a ficar deitado sobre uma cama, incapaz de se mover. Seus olhos sempre foram tristes, sem vida. Olhava pela janela ao amanhecer e ao anoitecer, esperando a minha visita. Mas naquele dia, em especial, estavam dignos de pena.

Já se habituara a esquecerem sua existência e seu nome. Conseguia se virar dentro de suas limitações físicas, já tendo chegado ao ápice de permanecer caído durante dois dias, sem forças para se levantar pelo simples fato de sua família ter se esquecido de sua existência e ter viajado sem avisá-lo, sequer deixando comida para o garoto.

Eu realmente me perguntei, nos dias em que o vigiei abandonado, se seu corpo iria ceder à vontade que ele tinha de me ver. Feliz ou infelizmente, não cedeu.

Felizmente para quem até hoje não pude descobrir. Nem eu, nem ele.

Aquele foi um dos únicos momentos em que me lembrei do que era ser humana. Senti meu peito apertar com força ao presenciar uma das cenas mais chocantes de minha nada breve existência:

Levantou-se da cama com esforço, conseguindo andar pelo quarto sem o apoio das paredes. Há anos tentava fazer isso, sem sucesso. Desceu as escadas, trêmulo, orgulhoso.

Hei, pai! Eu consegui!”, exclamou, alegre, ao ver o homem passar pelo corredor.

Ótimo. Agora aproveite e saia de casa, de preferência carregando as suas coisas.

Primeiro eu não entendi. Depois, achei cruel. Por fim, senti pena.

Desculpe...”, murmurou envergonhado. A irmã mais nova – que ele sequer sabia da existência – se aproximou dele, preocupada.

Moço... Aconteceu alguma coisa?”, perguntou.

Nada.

Por que tá assim, então?

Antes que ele pudesse responder, uma mulher, que reconheci como sua mãe – reconhecimento este que somente os meus iguais entenderiam – puxou a pequenina pela mão, rude, afastando-a dele.

Não se aproxime dele, Rafaela!”, gritou, praticamente a arrastando para fora da casa.

Naquela noite, ele chorou. Mais do que agüentava... Mais do que queria agüentar. E, pela primeira vez, eu ouvi uma frase, já conhecida minha, dita com sinceridade.

A morte é a minha única amiga.

~~//~~

Vou postando as outras partes devagar, mas aviso que parei no terceiro dia.
Espero que gostem. ^^'
Editado pela última vez por Myako Lumine em 29 Mar 2010, 20:38, em um total de 3 vezes.
"Estou nessa joça há nove anos e por mais que eu xingue, reclame, despreze, sempre volto. Porque no final das contas, não importe por onde você rode nesse mundo internético, não encontrará local mais engraçado, insano, plural e possível de ter debates de qualidade com pessoas ridiculamente diferentes."
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Mensagempor Lady Draconnasti em 15 Dez 2008, 22:39

Só uma pergunta.

Porque tanto ódio?

Fora isso, a narrativa está cativante e a personagem-narradora me deixa curiosa sobre como as coisas seguirão.
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Mensagempor Myako Lumine em 15 Dez 2008, 22:49

Se fala do ódio da família do garoto, é o bom e velho preconceito.

Ele tem uma saúde frágil, é dependente dos outros para cuidarem dele, saca? Então acaba dando só despesas. No começo, os pais e irmãos entendiam, sentiam pena... Depois de um tempo, aquilo virou algo "banal". Eles acabaram se concentrando nos problemas "reais, maiores" deles.

E obrigada pelo elogio, Nasti. Espero continuar com o nível. ^^
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Mensagempor Myako Lumine em 03 Jan 2009, 00:07

- Vigésimo oitavo período diário.
Segundo ciclo lunar, do mesmo ano.
A medicina tornara os homens arrogantes ao ponto de usarem a palavra “deuses” ao se referirem a eles próprios...

...Mas, desta vez, nem mesmo os deuses puderam salvá-la. –


Já fazia três dias que ela não saía da cama. Profundas olheiras sob seus olhos, estes sem foco e sem brilho.

Teria Culpa a encontrado? Pergunto-me, até hoje, o porquê de minha irmã ter interferido.

A dor dele estava tão presa a mim ao ponto de se tornar legível em meus olhos? Isto é algo que não sei até hoje. E já não tenho mais por que tentar descobrir.

De qualquer maneira, a mulher se recusava a sair do quarto. A comer. A falar com os outros.

Era como se ela me esperasse, sabendo que eu vigiava sua família. Desde quando eu me tornara tão perceptível...?

Seu marido estava em desespero – ah, minhas irmãs, uma sempre carregando a outra pela mão... -, seus filhos mal paravam em casa, assustados demais. Não conseguiam olhar para a mãe sem pensar no pior.

Pior este que era eu.

O único que permaneceu ao lado dela foi o “meu” garoto. Erguia-se cedo, antes de Apolo, se dirigindo à cozinha com dificuldade. Por muitas vezes caíra, as costelas se chocando contra aqueles frios degraus de madeira que lhe pareciam tão estranhos.

E, mesmo com a dor que sentia, levantava-se e seguia caminho. Apesar das frias palavras proferidas contra ele dias antes... Seu coração ainda tinha aquela mulher como mãe. Ainda lhe tinha amor. Amor este que mais ninguém parecia ter por eles.

Apesar de não saber cozinhar, se esforçara para aprender com as expressões que sua “paciente” fazia ao provar o gosto de suas tentativas. E, então, no último – o chamo assim, pois eu, agora, já sei que aquele realmente fora o último dia dela – dia de sua vida, ela se abriu com ele.

Perdão.”, disse entre lágrimas. “Por não saber cuidar de você, deixei que se tornasse alvo de ódio dentro da sua própria família”.

Eu nunca o vi sorrir da forma que sorriu naquele momento. Não me recordo sequer de já ter visto um sorriso com aquele. Era tão... Inocente, puro, ingênuo. Mas, ao mesmo tempo, podia se perceber, pelos traços duros em seu rosto, que lhe custava muito.

Ainda sentia tristeza e mágoa.

Não diga isso.”, respondeu com carinho. Até mesmo com espanto. Afinal, ela não se abrira com ninguém, por que falava com ele? “A senhora se esforçou.

Não o suficiente.”, sorriu, me encarando. Ela já podia me ver.

E, naquele momento, eu me senti frágil e indefesa. Diante do olhar de carinho – mas, ao mesmo tempo, de decepção - que ela me lançava, eu nada podia fazer além de esperar.

Isso não importa mais... Mãe.

Realmente. Só me culpo por não poder corrigir esse erro.

Não fale isso, por favor. A senhora vai ter todo tempo do mundo...”.

Não. Não vou.”, suspirou, ainda sem tirar os olhos de mim. “E desculpe-me, meu filho, por acompanhar a sua amiga antes de você.

O que a senhora quer dizer com isso?

Nada... Absolutamente nada.”, sorriu, encarando-o nos olhos de forma gentil. “Agora vá para o seu quarto. Nossa conversa acaba aqui.

Mas...

Apenas vá.”

E, apesar da curiosidade que ele sentia, se retirou. Sua cabeça estava confusa como jamais estivera.

Afinal, se a mulher que ele julgava que o odiava tinha dito palavras tão doces..., como iria identificar os verdadeiros inimigos?

Vou perguntar a ela o porquê de ter me tratado daquela forma por esses anos...”, pensou, deitando-se na cama. Ficou a fitar o céu estrelado durante muitas horas antes de realmente adormecer. Mal podia imaginar que, a uma parede de distância, eu levava sua mãe comigo.

-

Enfim você veio.

Com pesar e desgosto, mas vim.”, respondi, estendendo-lhe a mão. Foi a primeira vez que vi aquele sorriso – e, felizmente, não seria a última.

Vai doer?

Apenas se quiser.“, a guiava para fora da casa, cuidadosa, a voz saindo como um murmúrio. A calma que a mulher sentia ao me seguir... era diferente do costumeiro desespero e das tentativas, frustradas, de me convencer de não concluir minha tarefa. E me incomodava.

Seguiu-me em silêncio o caminho todo. Chegando aos Portões, fez-me um pedido.

Pedido este que foi o estopim para toda a seqüência de mudanças que ocorreram depois.

Cuida dele por mim.

Encarei-a, espantada.

Sei que tem olhado por ele. Não sei se por causa de seu trabalho ou se por afeição.”, adicionou diante de minha expressão. “Apenas cuida dele por mim. Não o faça sentir dor, por favor. Nem que seja após o fim, quero que ele sinta o que é viver sem pesos nas costas.

E seguiu seu caminho, deixando-me perplexa. Confusa. Por que me fazia um pedido daqueles? Por que não o fizera ela mesma quando viva? ...Talvez só tivesse percebido o erro quando já era tarde...

Isso me dava medo, sim. Afinal, havia recebido um pedido tão simples e tão... Complexo. Tinha medo.

Medo de, pela primeira vez em minha existência, não conseguir cumprir algo que me fora destinado.

-

Amanheceu com os gritos e Desespero correndo pela casa, como uma criança. Quando conseguiu entender o motivo, foi até o quarto da mulher. Aquela visão o daria pesadelos até a sua hora.

Não por ela estar morta.

Mas por ela, apesar de morta, parecer dormir de forma satisfeita.

Como um trabalhador após um dia produtivo.
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Mensagempor Elara em 07 Fev 2009, 18:15

:pidao:

Tinha lido antes,as só agora tenho o prazer de comentar.

É lindo, Myako. Precisa continuar.

Parabéns.

Chero!
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Mensagempor Myako Lumine em 07 Fev 2009, 18:30

- Sétimo período diário.
Início do terceiro ciclo lunar.
Começo a me perguntar qual a real necessidade do desgaste causado pelo trabalho excessivo...

...Quando não se pode usufruir de seus frutos, nem dá-los aos seus próximos.


A casa estava silenciosa. Todos os seus familiares haviam saído para orar pela alma da mulher, como se aquelas palavras vazias e falsas fossem chegar até Ele. Estas serviam apenas para ecoar pelo Santuário chamado de igreja, para dar um falso conforto aos que derramavam lágrimas verdadeiras e doídas pela partida dela. Apesar do maior sofredor, do verdadeiro necessitante de compaixão e conforto, estar jogado sobre uma cama, afogando-se em desespero e culpa..., ninguém o dera atenção.

Ele, novamente, deixara de existir diante dos olhos de seus “iguais”, diante dos que eram sangue de seu sangue. Se seu progenitor encolhia-se diante de cada palavra de conforto que lhe davam, e a pequena Rafaela tocava o caixão com as pontas dos frágeis dedos, perguntando aos irmãos por que a mãe dormia de forma tão distante... O garoto encolhia-se debaixo das cobertas, sentindo os olhos arderem de tanto chorar enquanto clamava por piedade divina.

...Se Ele a desse a todos que pedem , nós teríamos ditadores, terroristas e conquistadores corruptos andando de forma livre até hoje. Nós não.

Vocês.

Questiono-me, agora, o porquê de ter me incluído entre os mortais. Talvez os sentimentos de compaixão fossem mais do que um sinal da humanidade que eu havia deixado para trás: talvez fossem uma fraqueza que eu havia escondido, uma fraqueza já não mais oculta.

A mulher não era um destes casos, nem fazia mal à ninguém que não fosse o meu garoto, mas não havia nada que eu pudesse fazer. Apenas observá-lo através do frio vidro que nos separava, tentar confortá-lo com um olhar que, apesar de saber que nunca iria chegar até ele, eu fazia questão de manter vivo em minha face.

Como se a pequena luz que ele despertara em meus séculos de sobrevida fosse suficiente para atravessar o abismo daquela matéria transparente. Como se fosse suficiente para me fazer desejar ajudá-lo tão ardentemente que eu romperia até mesmo os meus juramentos, estes mais velhos que a existência da própria história da humanidade.

Em vários momentos ele se levantou. Não para comer, para se banhar, ou para fazer algo que os outros moradores normalmente faziam. Mas, sim, para gritar. Para desabar no chão gelado, rasgando ainda mais a sua frágil garganta enquanto a sua voz falhava ao implorar por mais uma chance de encarar a mãe, por mais uma chance de falar com ela.

Não era por amor ou por dependência, pois estes ele já se habituara a reprimir. Mas, sim, pela confusão que as palavras da mulher haviam criado em sua mente, pelo frenesi em que seu cérebro começara a trabalhar após anos mergulhado em um ritmo lento e cotidiano.

Senti um calor conhecido percorrer meu corpo, indo até a fonte dele. Era meu superior, o que os mortais chamavam de Deus, O Criador, Pai, Ele, dentre outras denominações de uma lista interminável.

À partir deste momento, estás proibida de visitá-lo.”, avisou-me a voz em minha mente, doce como a essência do próprio açúcar. “Para evitar que perturbes a ordem. Para evitar que esqueças de teu objetivo, de teu trabalho.”, adicionou diante da interrogação que surgira em meus pensamentos.

Quem será o novo responsável pelo caminho do garoto?”, murmurei. Estava decepcionada, sim.

Mas contra a Sua decisão, nada poderia eu fazer.

Outro, apenas posso dizer-te isto. Não serás tu, e além desta informação nada te é importante.

Calei-me, saindo de perto da presença. Ao contrário das crenças mortais, não há nada de misericordioso, piedoso ou gentil n’Ele. Digo isto agora, recolhida à minha intimidade – pois esta, apesar de tudo, Ele respeita - , pois se o fizer diante de outros, decerto não terei chance de acordar novamente.

Torturei-me por horas, ou por qualquer que seja o período de tempo perdido, pensando em algo para fazê-Lo mudar de idéia, sem sucesso.

Naquela noite, eu dormi. Após séculos, dei à minha cabeça um descanso para organizar os acontecimentos recentes.

Não que eu tenha obtido algum resultado concreto...
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Mensagempor Lady Draconnasti em 07 Fev 2009, 19:09

A narrativa segue deliciosa e tensa, My. E agora, o que será do menino?
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Mensagempor Elara em 11 Fev 2009, 23:19

Agora eu só te devo duas vezes Myako! XD

É preciso revisar a colocação de alguns pronomes e acentos. Coisa besta mesmo.

Mas tá muito bom o conto.^^

Quero mais!!

Chero!
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Mensagempor Myako Lumine em 29 Mar 2010, 20:37

Após muito tempo, pra comemorar o retorno ao fórum mais amado e plural (Sampaio, -q :haha: ) da internet, resolvi terminar de postar isso. (Não, eu não vou falar que você me ameaçou pra postar.)



- Décimo segundo período diário.
Terceiro ciclo lunar.
Existem viciados em açúcar, que o julgam tão doce e puro...

...Pergunto-me se ainda pensariam o mesmo se O conhecessem.


Abri os olhos com dificuldade, olhando para os lados de forma confusa. Senti minha vista arder intensamente enquanto uma luz ofuscante batia sobre mim.

Desisti de descobrir o que estava a minha volta e resolvi que seria melhor voltar a dormir. Se minha cabeça ainda rodava com as informações – ou os pedaços que haviam sobrado em minha memória -, nada conseguiria fazer.

E o meu trabalho exige uma força enorme. Muitas vezes grande demais até mesmo para nós, que há gerações o fazemos de forma tranquila.

Instantes de silêncio... Até meus ouvidos serem bombardeados por vozes que gritavam, urravam, comemoravam. E tudo me era desconhecido até aquele momento.

A fonte de luz cessara, fazendo minhas pálpebras relaxarem. Ousei abrir os olhos, lentamente, tentando associar os borroões multicoloridos que estavam em meu campo de visão.

Os borrões pretos assumiam a forma de fios de cabelo, e os cor-de-pele realmente eram o que a cor denunciava. As manchas azul e verde eram das camisas que o casal – que agora, tempos depois, sei que era um casal – vestia.

Murmurei palavras estranhas enquanto sentia minha cabeça latejar. A mulher se aproximou, me tomando em seus braços.

Não se mova.”, me disse. “Você ainda não melhorou da queda, Anna.

Permaneci em silêncio, apenas sentindo algo se mover rapidamente em meu peito. Era um calor confortável que parecia se espalhar a partir do local onde as nossas peles entravam em contato. Não consegui reprimir um sorriso, fechando os meus olhos.

Eu havia esquecido como era a sensação de receber um agrado, um único toque, sequer, que não fosse de violência ou medo.

Séculos de existência. Séculos de sobrevida.

Como pudera eu sobreviver sem tal sensação? Sem tal sentimento?

Mesmo que minha mente rodasse, mesmo que todas as minhas memórias parecessem fugir juntamente com a minha consciência, naquele momento eu só desejava ardentemente que aquele sonho durasse para sempre. Que Ele não mais me desse o dever de levar as almas comigo, que não mais tivesse de ver o meu garoto sofrer...

Que eu pudesse, ao menos uma vez, aproveitar um carinho que nunca tive...
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Mensagempor Myako Lumine em 29 Mar 2010, 20:40

- Dezoito de fevereiro de 2032
A lua estava linda.
Minhas memórias voltaram....

...e Ele me pareceu muito melhor depois disso.


Fechei a pequena caderneta azul, me levantando. Meu garoto me chamava do andar de baixo. Desci correndo, tomando cuidado para não cair, apesar do desequilíbrio.

Dias antes havia sofrido um acidente durante uma brincadeira no parque, e acabara indo parar no hospital.

Foram os três piores dias da vida do casal.

Anna, querida!”, exclamou a voz, me abraçando. “Já pedi para não correr! Sabe que ainda não se recuperou!

Mas o papai chegou, certo?”, respondi, sorrindo. Naquele momento as palavras saíram de minha boca sem que eu me desse conta, de uma maneira confortável e automática.

Tudo para compensar todo o sofrimento que ele havia passado.

Tudo para compensar todo o sofrimento que eu havia passado.

Da próxima vez, ele vai lá em cima ao invés de gritar!”, e gargalhou, sentando-se no sofá comigo em seu colo.

Aquelas horas... Eu ria, enquanto acariciava seu rosto. O meu fraco garoto havia crescido, enfim!

Sobrevivera a todas as dores, sobrevivera a todos os perigos, a sua frágil saúde. Mesmo que eu não tivesse passado os anos mais terríveis de sua vida com ele, o importante – para mim e para a mãe dele – era vê-lo feliz daquela maneira.

Cuida dele por mim.”, ela dissera, anos antes. “Sei que tem olhado por ele. Não sei se por causa de seu trabalho ou se por afeição.Apenas cuida dele por mim. Não o faça sentir dor, por favor. Nem que seja após o fim, quero que ele sinta o que é viver sem pesos nas costas.

Se eu havia feito uma promessa... Ele me dera a maior oportunidade possível de cumpri-la: colocando-me, fisicamente, na vida do rapaz. E, por mais que em vários momentos ele se irritasse e o sorriso morresse, eu sabia, dentro de mim, que ele estava feliz.

Não.

Que ele era, verdadeiramente, feliz. Independente dos momentos ruins que tivesse passado.

-

Naquela noite, antes de dormir, reparei em um pequeno bilhete sobre a minha escrivaninha.

Obrigada.”, dizia a delicada letra. “Por cumprir a sua promessa, mesmo após tanto tempo.
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Mensagempor Lady Draconnasti em 04 Abr 2010, 22:31

Dispair = Anna = filha do menino?

WOA!!!
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Mensagempor Myako Lumine em 04 Abr 2010, 22:37

Yeah. Deus deu a ela a chance que ela pediu, de fazê-lo feliz. ;D
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Mensagempor laharra em 12 Abr 2010, 19:35

Lindo conto, principalmente a parte final, Myako. Achei criativo e envolvente. Ainda bem que você voltou para terminá-lo. Você teve alguma influência específica na concepção da história?
Tentando encontrar inspiração para terminar o conto abaixo:
O Som do Silêncio: Parte IV - A decisão
Reger está às vésperas de uma batalha onde decidirá seu futuro. Durante o que podem ser seus últimos momentos com a Espada e com Alyse, ele se pega pensando sobre a validade de suas aspirações. Acompanhe o conto no link a seguir:
http://www.spellrpg.com.br/forum/viewtopic.php?f=24&t=1067
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Mensagempor Myako Lumine em 12 Abr 2010, 19:42

Obrigada, e que bom que gostou.

Alguma influência? Não, acho que não. A minha idéia original era algo pós-apocalíptico, ao menos até escrever a primeira parte. Engraçado, né? ^^v
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