Nota: Escrevi agora, deve ta cheio de erro. Critiquem sem receio.
Choro, Fumaça e Algodão Doce
Ataualpa S. Pereira
Desajeitada, torta e irritada. A moça sentou no banco, seguida de mais três crianças. Lembro que naquele dia estava louco para escrever alguma baboseira e buscava a cena tropeçando pelas vielas desta cidade. Tinha inclusive comprado cigarros num boteco do centro. Sim, um daqueles que parecem sujos, mal iluminados e decorados com propaganda de cerveja, cuja beleza está exatamente nas pessoas que os freqüentam. Mas infelizmente não achei uma só figura, nenhuma história por tabela, então resolvi ir embora. Segui para a estação, como de costume, e pus-me a observar as pessoas que transitavam pelo local, apressadas, com aquelas expressões preocupadas ou cansadas. Foi então que vi uma moça nova e mal humorada. Coitada. Antes de sentar carregava no braço uma criança de colo, outra um pouco mais nova e irritada se dependurava na calça, enquanto mais dois moleques passeavam os dedos no banco. Eram estes, dois negrinhos atentados, aproveitando a distração da mãe para cutucar um ao outro com palitos de picolé que haviam juntado no chão.
O relógio marcava 9 horas, havia muita gente indo pra casa, enfrentado uma fila tradicional, o calor dos motores, a fumaça e a gritaria dos fiscais. Mas a moça não parecia esperar transporte algum. Vez ou outra olhava para os lados como quem procurasse alguém, e não achando nada, voltava a repreender sua filha, que insistia em se debruçar nas pernas da mãe. Vendo aquela cena tipicamente brasileira, passei a imaginar a história daquela moça, cuja aparência desgastada acelerava com certeza sua idade. Mãe solteira e sem estudo, pensei. Ousei lhe atribuir uns 17 anos. A criança ainda de peito devia ter uns 4 meses, seguida de uma menina com no máximo 3 anos e dois moleques perdidos entre 5 e 7. Só a menininha se parecia a mãe, pois ambas tinham um bocão, olhos brilhantes e cachinhos despenteados. Os meninos deviam ter puxado ao pai, com cabelinhos enrolados, a pele escura e corpo forte.
Ficaram ali durante um bom tempo esperando algo ou alguém. Aos poucos o ânimo das brincadeiras foi se transformando, agora tudo era provocação. A pequena, já estava irritada, começou a fazer birra de choro, o que deixou a jovem mãe quase desesperada. Um dos meninos após levar um chute na canela, reclamou, choramingando enquanto esperava uma atitude contra o irmão. Ela veio, na forma de safanão. O problema é que a confusão acordou o nenê, que antes dormia inocente. O berreiro fez com que as pessoas olhassem para família e a moça corou de vergonha. Agora tínhamos um menino choramingando, um bebê chorando, outro emburrado com o safanão e uma menininha querendo dormir.
Foi aí que o homem do algodão doce apareceu. Qualquer criança se apaixona por algodão doce. E o velho vendedor sabia disso, fez questão de provocar com sua corneta barulhenta, mesmo tendo que mudar seu caminho após perceber o olhar impaciente da mãe das crianças.
Coloridos, com pequenos brindes dentro do saco. Aquela visão foi o suficiente para que engolissem os soluços enquanto escutavam a corneta. Apontavam e sorriam desejando aquela gostosura. Entusiasmada, a menininha disse logo um “compra mãe”, e seu irmão, que há pouco havia tomado um “sossega menino”, ainda magoado provocou a irmã: “mamãe num tem dinheiro”. “Na tenho mesmo” confirmou ela para todos. Enquanto isso o velho do algodão corneteava, chamando atenção de outras crianças por ali. E os balões coloridos foram se distanciando, deixando pra trás somente o desejo naquelas bocas. Talvez não fosse a primeira vez que tivessem apenas ficado na vontade, provavelmente também não seria a última também, mas ao menos o desejo os fez esquecer qualquer birra anterior.
A noite avançou e o desejo transformou-se em sonho, pois logo eles estavam cochilando naquele banco. Nem viram quando o pai delas chegou, uma hora depois, apressado com medo de perder o último ônibus. Ele acordou os dois “homenzinhos” e pegou a menina no braço, não tinha mais fila no terminal, mas o ônibus já chegara cheio. E assim me despedi deles, vendo-os espremidos, no ônibus, na vida, se misturando na multidão de fim de noite.