O Pianista

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Mensagempor Sr.Personna em 29 Out 2008, 11:02

Lucas C. Lisboa

Desde o dia que o pianista falhara em sua primeira exibição, frente toda a Corte, culpara, terrivelmente, sua mão direita. Afinal, fora ela que tropeçara, amargamente, frente ao público tão exigente.

Sua mão errara naquele momento crucial transformando um Fá sustenido em um dissonante Si bemol. Ele soubera, imediatamente, que todos os ouvidos do ambiente haviam sido feridos. Mas, complacentes com sua inépcia, o aplaudiram em patente e jocosa cordialidade falseada.

Tudo culpa de sua maldita mão direita! Que até então sempre fora sua favorita, que tudo pegava, apalpava, escrevia e fazia. Não confiava mais nela, pois ela poderia novamente vacilar. Reaprendeu a escrever, a escovar os cabelos, a fazer todas as suas necessidades, de abrir portas até atar e desatar os nós de seus sapatos.

Em toda a sua dor sentia-se inútil, mas o piano não poderia mais tocar, pois não perdoaria jamais perdoar aquela tratante que tanto o decepcionou depois de tantos anos que lhe prestou prioridade, cuidados e carinhos. E como se sentia culpado por nunca ter dado um melhor préstimo à sua fiel mão esquerda que mesmo relegada ao descrédito nunca havia deixado de cumprir com o seu dever.

Não podendo mais tocar logo seria preterido naquela competitiva corte do Rei caso não dominasse outra arte. Não tinha, porém nenhum dom com os pincéis e outros instrumentos flauta, violino, violoncelo não tinha a mesma imponência e importância do piano. Além de também serem todos dependentes da impossível reconciliação com sua pérfida e vil mão direita.

Mas havia a arte da esgrima, uma arte que até praticara em seus arroubos de juventude. Era, à época, apenas bom e não o melhor, sendo sempre vencido pelos movimentos imprevisíveis daquele canhoto de cabelos vermelhos.

Pois assim, redimindo-se com sua honesta e correta mão esquerda, empunhou novamente o Florete que há tanto jazia empoeirando e com afinco tornou-o uma extensão de sua mão fiel e certeira.

Guardando a amarga lembrança das lutas com a mão direita, sabia exatamente onde o seu oponente estaria no próximo momento e com sua habilidade rara venceu, após anos de prática dedicada e centrada, inúmeros duelos e torneios em terras próximas e também em outras distantes.

Com os seus novos sucessos teve o almejado reconhecimento e assim chegou novamente às honrarias da corte e ao exibir-se para sua Rainha e Rei colocava-se à posição clássica exibindo sua mão esquerda ao florete e escondendo em suas costas a indigna mão direita.

Na corte ninguém mais se lembrava dele, exceto uma bela Dama, que compunha óperas e apreciava mãos, que reconheceu aquelas belas mãos do misterioso pianista que sumira depois de uma espetacular exibição.
"Muito brincaram comigo,
até que aprendi a brincar...
Na vida se chicoteia
ou se deixa chicotear!"
(Lições, Lucas C. Lisboa)

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Mensagempor laharra em 05 Nov 2008, 00:23

Não sei muito o que falar sobre esse final. Me pegou de surpresa. Uma dúvida: a rima no último parágrafo foi proposital?

Quanto ao conto, muito bem conduzida a obsessão do personagem pelos seus interesses. Até que ponto ele teve que ir para poder atingir a perfeição e respeito por si próprio...

Abraços
Tentando encontrar inspiração para terminar o conto abaixo:
O Som do Silêncio: Parte IV - A decisão
Reger está às vésperas de uma batalha onde decidirá seu futuro. Durante o que podem ser seus últimos momentos com a Espada e com Alyse, ele se pega pensando sobre a validade de suas aspirações. Acompanhe o conto no link a seguir:
http://www.spellrpg.com.br/forum/viewtopic.php?f=24&t=1067
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Mensagempor Sr.Personna em 09 Nov 2008, 05:24

Laharrara,

As rimas não são bem algo que está ali sem um motivo. O jogo de rimas é algo inerente a minha prosa como uma espécie de vício linguístico que assumo por escrever mais poesia que prosa. Elas fluem naturalmente em algo entre o esmero e o natural.

O final pega de surpresa? Pois é exatamente isso que senti quando me dei conta de algo bem parecido com o que acontece com o Pianista, claro que não foi co'as minhas mãos (pois sei bem que ambas são igualmente inábeis para um manuseio tão fino como o de um instrumento musical ou um pincel), mas muito como certas obsessões infundadas que só existem dentro da prórpria cabeça. Com o final quiz realçar Como um erro pode ser super dimensionado pelo seu autor e sequer visto pelo outro. A questão do olhar do outro e do próprio...
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Mensagempor JOE_KR em 24 Nov 2008, 01:10

Koé!!!

Normalmente, não gosto do pretérito mais que perfeito. Fica estranho e, em muitos casos, meio "brega", por assim dizer. Mas achei que, neste conto, ficou bem adequado, sobretudo devido a sua escrita com um jeito mais formal.

Surpreende-me o excesso de auto-crítica do personagem, que condena sua própria mão por um erro para ele enorme, levando-no até mesmo à desconficiança na sinceridade dos aplausos e a "algo" que o impede de se reconciliar com a mão direita e de lhe dar uma nova chance [talvez o orgulho?]. Erro este que ninguém parece ter notado além dele mesmo [nem mesmo uma compositora de ópera presente na plateia] e que não afeta a maravilha de sua apresentação.


Enfim, um excelente conto, muito escrito e criativo. Está de parabéns!!!

Falow e té +!!!
Ass.: JOE K.R [a partir de qualquer coisa pode sair uma boa história, até mesmo de uma mão direita!!!]
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Mensagempor Madrüga em 24 Nov 2008, 09:47

Eu estava esperando alguém comentar esse conto, mas... não sei. Dá uma impressão de esterilidade, de secura: a narração é precisa, elegante, mas não transmite emoção nenhuma.

O último parágrafo, perdoe-me o chulo da expressão, é um coito interrompido: o conto vem num crescendo, e o último parágrafo é tão seco, tão desprovido de emoção que aborta inteiramente o conto.

Isso me lembra o pianista de Incidente em Antares, já leu? Ele condena suas mãos por uma apresentação fracassada e depois fica enclausurado, treinando, mas por fim se suicida, cortando os pulsos (quem diria?), com medo de não conseguir mais. Era um pianista que prometia muito, e teve um fim amargo.

E, por fim, o conto parece que tem aquela característica que critiquei em alguns contos do JOE (oi, JOE): parece uma descrição asséptica de uma cena, nada mais do que isso. O twist da trama, quase inexistente (consideremos o começo), é amenizado pela narração estéril. Parece uma coisa narrada em conversa, uma anedota contada em salão; pode ter sido sua intenção, mas em uma mídia escrita essa narração não ficou muito boa.
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Mensagempor JOE_KR em 24 Nov 2008, 21:02

Koé!!!

Seu Madruga, é muito bom "revê-lo" [entre aspas, afinal, não te vejo agora e nem nunca te vi antes de fato. Aliás, nem faço idéia de como é a sua cara ahahahahha =p]!!!

Hoje revendo alguns contos que escrevia naquela época [2003 ou 2004, ainda com 15 ou 16 anos], pude compreender melhor algumas das críticas que vc me fazia na época, tendo até mesmo concordado com muitas. Faltava-me muito maturidade ainda, fosse literária ou até mesmo intelectual [aliás, ainda falta muita].

Contudo, houve discordâncias que mantive, uma delas referente justamente à questão do conto que parece anedota. A mim, essa secura não incomoda, pelo contrário, em alguns casos até me agrada, obviamente dependendo das circunstâncias suscitadas por um texto específico. Este, por exemplo, não me agradou, mas também não me desagradou - foi algo para mim meio que indiferente.

Mas acho que a natureza da falta de transmição de emoções desse conto não é semelhante a daqueles contos meus que vc criticava: nos meus, eu tratava de apenas uma cena ou um pequeno conjunto de cenas, sem me preocupar em esclarecer o restante da história ou ao menos o contexto em que ela se desenrrola, ficando algo solto, deslocado e até mesmo aparentemente sem objetivos [escolha que atualmente não faço mais]; neste, não há uma tensão latente, descrições mais densas de sensações e sentimentos ou a criação de empatia com o personagem. De qualquer modo, não vejo isso como característica negativa, nem positiva também; apenas mais uma característica dentre outras.

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Mensagempor Madrüga em 24 Nov 2008, 21:19

JOE escreveu:Este, por exemplo, não me agradou, mas também não me desagradou - foi algo para mim meio que indiferente.


Então, isso me entristece. Porque o conto teve em mim o mesmo efeito. Ou pior, eu senti nada depois de ler; nem simpatia nem antipatia... mas depois me veio uma sensação de "por que isso foi escrito?".

Realmente, confesso que você tentava incutir emoções nos textos (tanto que aquele seu texto do duelo, por mais que eu tivesse criticado por não ter ponta nenhuma a se prender, era carregado), a comparação não foi muito feliz. Mas me falta uma palavra mais enfeitada para dizer que o fim desse texto do Lucas foi... miado, broxado.

Um contador de histórias tem que saber direcionar um clímax, orientar um crescendo, conduzir o fio da trama... senão fica tudo no mesmo tom, e resulta nisso: indiferença.
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Mensagempor JOE_KR em 24 Nov 2008, 22:58

Koé!!!

No momento, sem tempo de continuar o debate, pois estou terminando um trabalho pra faculdade. Só queria tirar uma dúvida: de qual duelo vc falou? O meu contra vc, ou o meu contra o Aioros, há séculos atrás?

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Mensagempor Sr.Personna em 25 Nov 2008, 12:34

Joe,
JOE_KR escreveu:Surpreende-me o excesso de auto-crítica do personagem, que condena sua própria mão por um erro para ele enorme, levando-no até mesmo à desconficiança na sinceridade dos aplausos e a "algo" que o impede de se reconciliar com a mão direita e de lhe dar uma nova chance [talvez o orgulho?]. Erro este que ninguém parece ter notado além dele mesmo [nem mesmo uma compositora de ópera presente na plateia] e que não afeta a maravilha de sua apresentação.


Que bom que tal foi bem percebido era o meu maior intento nesse conto! Conforme já explicitei para Laharrara.

Sobre a linguagem e o tempo verbal foram propositais para causar um distanciamento da obra, como um caso contado, um conto de fadas à moda de Marina Colasanti. (Sim, sou apaixonado por ela! Minha prosa é praticamente um pastiche do que ela escreve!)

Manter esse distanciamento é, para mim, fundamental para que não se perca o essencial da transmissão da experiencia do conto. Detalhar demais, bordar demais, acrescentar muita emoção me faria perder o foco e o intento do conto.

Seu Madruga,
Seu_Madrüga escreveu:Eu estava esperando alguém comentar esse conto, mas... não sei. Dá uma impressão de esterilidade, de secura: a narração é precisa, elegante, mas não transmite emoção nenhuma.

O último parágrafo, perdoe-me o chulo da expressão, é um coito interrompido: o conto vem num crescendo, e o último parágrafo é tão seco, tão desprovido de emoção que aborta inteiramente o conto.


Realmente me parece contraditório isso: Como se pode brochar com algo que desde início não transmite emoção nenhuma?

Não domino bem a prosa, conheço pouco das suas sutilezas e necessidades de clareza. Já pequei muitas vezes por excesso de sutileza e obscuridade, nessa obra procurei deixar claro qual era o cerne. Sim, é um "coito interrompido" o objetivo do meu conto não era de modo algum explicitar o gozo do Pianista
e sim a sua obsessão, terminar o conto da forma que terminei foi intencional para causar tal percepção.

O climax do texto está no penúltimo parágrafo, o momento ideal de se terminar em toda glória do crescendo que percebeu. O parágrafo final é exatamente para isso: Quebrar tudo isso e retornar ao início do conto e explicitar uma certa "moral da história".
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Mensagempor Madrüga em 25 Nov 2008, 13:52

Personna escreveu:Como se pode brochar com algo que desde início não transmite emoção nenhuma?


Ora, a simples expectativa de que o texto vá sair do marasmo. Espera-se um clímax, mas ele não vem, nem no último parágrafo. A monotonia (e monocromia) é tediosa.
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Mensagempor Sr.Personna em 25 Nov 2008, 16:41

Seu_Madrüga escreveu:
Personna escreveu:Como se pode brochar com algo que desde início não transmite emoção nenhuma?


Ora, a simples expectativa de que o texto vá sair do marasmo. Espera-se um clímax, mas ele não vem, nem no último parágrafo. A monotonia (e monocromia) é tediosa.


Estou em dúvida se é um julgamento de gosto ou se tem algo mais ai. E conhecendo a sua envergadura adoraria que explicitasse melhor o que tanto lhe incomoda. Reconheço que prosa não é meu forte. Me faria a gentileza de apontar didaticamente o que tanto desagrado causou? Conhece a obra de Colasanti?
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Mensagempor Sampaio em 25 Nov 2008, 18:47

Acho Marina Colassanti fraaaca....
Spell: não somos bonzinhos, somos sinceros!
http://www.spellrpg.com.br/portal/index ... &Itemid=72

Perguntem qualquer coisa lá:
http://www.formspring.me/Pedrohfsampaio
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Mensagempor Sr.Personna em 25 Nov 2008, 19:20

Para mim Marina é uma escritora das mais fortes e talentosas, trabalhando a linguagem em um padrão assombroso e intrincado. A forma como ela cria seus mini contos é fenomenal. Eu chegaria a dizer que ela flerta com o OULIPO. Cada palavra da Marina Colasanti é bem colocada e escolhida a dedo. Seus textos só reservam o essencial e toda a potência da obra.
Se diz que ela é fraca, por favor, aponte o porque?
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Mensagempor Madrüga em 25 Nov 2008, 20:44

Sr.Personna escreveu:
Seu_Madrüga escreveu:
Personna escreveu:Como se pode brochar com algo que desde início não transmite emoção nenhuma?


Ora, a simples expectativa de que o texto vá sair do marasmo. Espera-se um clímax, mas ele não vem, nem no último parágrafo. A monotonia (e monocromia) é tediosa.


Estou em dúvida se é um julgamento de gosto ou se tem algo mais ai. E conhecendo a sua envergadura adoraria que explicitasse melhor o que tanto lhe incomoda. Reconheço que prosa não é meu forte. Me faria a gentileza de apontar didaticamente o que tanto desagrado causou? Conhece a obra de Colasanti?


Não é julgamento de gosto, cara, até porque eu simpatizei com o conto. Mas a narração é ruim, é mal conduzida. Costumam dizer que nos contos de Tchékhov e Katherine Mansfield, por exemplo, nada acontece; mas mesmo nesses contos há um twist, há um trabalho maior com a linguagem de modo a exercer esse poder da narração e, mesmo com pouca coisa acontecendo, vê-se o psicológico das personagens em pleno desenvolvimento frente a poucos acontecimentos "de verdade".

Não conheço a referida autora, infelizmente. É péssimo acontecer isso numa análise.

Mas (e eu sei que aqui vem minha experiência pessoal, mas como evitá-la?) quem quer que tenha lido Incidente em Antares não consegue se desvencilhar de uma coisa: esse seu conto grita "Menandro Olinda". Se você não leu o livro, vá lê-lo e entenderá o que eu digo; por vezes você pode cometer um... plágio inconsciente, sem nunca ter lido a obra, mas a semelhança é gritante.

Por fim, no aspecto da escrita, temos um problema: conquanto alguns diziam que Machado de Assis tinha uma "prosa de gago" (por conta de frases curtas e capítulos curtos), sua escrita é parnasiana. Existe um preciosismo desnecessário que tolhe completamente a agilidade e evolução das frases, e as frases que se alongam demais se tornam arrastadas, tediosas, cheias de orações subordinadas e apostos que poderiam ter sido divididos em frases menores, sem prejuízo da elegância ou concisão. A última frase, o fecho do conto, peca justamente por ser demasiado comprida; lembre-se de que, de certa forma, lemos mentalmente "em voz alta", e uma frase daquelas não pode ser dita daquela maneira sem que o interlocutor/leitor se perca um pouco ou divague no meio.

Os quatro últimos parágrafos são compostos por... quatro frases. O final é arrastado, estrebuchante, numa agonia que prenuncia a morte do texto e o desânimo total do leitor. É doloroso de ler, e prenuncia uma história já natimorta. Poupe as subordinações, poupe apostos, poupe a pobre conjunção "que", aprenda a usar ponto-e-vírgula e travessões ou diminua suas frases. Não precisa ser O estrangeiro de Camus, em que o excesso de frases pequenas incomoda -- exatamente o que o autor tenciona --, mas reveja a forma. O conteúdo agradece.
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Mensagempor Emil em 25 Nov 2008, 21:22

Alou, colegas! Faz tempo, hein?

Passei pra cumprimentar o Sr. Personna por navegar em outras águas, primeiramente. E, segundamente, passou pra enchouriçar um pouco e outro pouco concordar com Madruga -- não exatamente nos termos dele, mas enfim, vamos lá ver se faço alguma diferença:

1.1. Sim, de fato, a primeira coisa que me veio à cabeça foi Incidente em Antares.
1.2. Quem não leu, leia! Ordem e sem por favor.
1.3. Eu nunca me vou esquecer daquele pianista de mãos peduradas devido aos tendões cortados. E a descrição só dá a entender esse fato anatômico, se me lembro bem, aludindo-o indiretamente. As mãos estão lá, você sabe do suicídio, mas a descrição não sobra nem falta. Às vezes, quando a gente descreve muito, acaba por ser desnecessário.

2.1. O conto continua?
2.2. Caso a resposta seja sim, aguardamos. Que foi justamente essa minha impressão, vem muito mais coisa depois.
2.3. Se não, aí temos um problema. Porque o texto começa um quê de lírico, um quê de trágico, e faz a gente até pensar "Opa, coisa boa vem por aí". Mas aí termina tão abruptamente que não se pode nem dizer anti-climax (ops, eu disse, desculpem). Poxa, você que gosta de versejar, podia bem era ter posto um recurso foderoso ali, pra arrancar um susto, uma de nossas lágrimas, ou simplesmente um elogio da sua técnica. Mas ficou mais parecendo -- e não digo que foi assim, nem deve ter sido nada disso -- que você enjoou dele depois do começo, e correu pra terminar e se livrar logo e ir escrever outra coisa.

Enfim, o que importa é que tem jeito! Cortar um preciosismo aqui, acertar uma vírgula ali, usar um peripécia, um reconhecimento, e vixi! Ficava daóra!
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e em seguida o reino de Deus virá por si mesmo.

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