Bem me lembro
Lembranças são erráticas.
Quanto mais no despertar ou no minuto anterior ao sono. No instante em que as idéias se reordenam ou se descompõem; do terreno das reminiscências, alqueivado pela ausência de vigilância, brotam memórias das leiras que se abrem.
Ultimamente, tenho me recordado de dias de sol, vestidos no meio de branco e cujas franjas, de amarelo e vermelho, lambiam as colinas defronte minha casa. Nelas, eucaliptos, insuflados da mobilidade da minha imaginação, formavam sinais renovados. Uma linguagem que eu julgava antiga e indecifrável, senão por fadas que nunca encontrei, nem nos meus sonhos mais preciosos.
De lá vinha o grito que me contaram ser das seriemas, aves que eu julgava fantásticas, tanto quanto se me dissessem que se tratava de faunos ou sereias.
Por alguma razão, elas silenciaram.
Tampouco eu prefiro, hoje, dias de sol. Sou gente do cinza, da caligem espessa que atrapalha a vista e enche os pulmões de água. Ando em noites de luz artificial que apagam estrelas e não ferem olhos astigmatizados.
Revendo os dias próximos, acho que estas lembranças são facilitadas pelo bem-te-vi, desses que ainda cantam as três sílabas, que cismou de se antecipar ao meu despertador e vem assomar em minha janela com sua exclamação cordial. Seu gesto recente e gratuito pode ter acordado a outra extremidade da minha vida e chamado, para a resposta que ele não escuta, os gritos que já não se ouvem mais.