Esse é um material que eu comecei a produzir a uns três anos, dando forma a um esboço do prólogo. Eu já potei ele na Spell Forever, mas realizei algumas modificações. Espero que gostem do resultado.
Depois eu falo mais a respeito.
Prólogo
Você enxerga somente um nada, um nada de cinza e escória, sem fim, nem céu, nem terra, nem mar, somente aquele solo horroroso e estranho, nem líquido nem sólido, nem gasoso. E a o vento, um vento sombrio, que tem um cheiro distante de água, mas também de deserto e de frieza, como se de seu caminho viesse o cheiro de nuvens que estavam carregadas... -mas de gelo seco. E naquela planície cinza, de onde viria aquele cheiro? Mas você prossegue, impávido, em busca da saída. Mas não a encontra: vê, apenas, aquela luz que não vem nem do sol, nem da lua, nem nas estrelas, e aquela areia estéril, fria a cruel, naquele campo onde se plantam pedras extremamente pesadas e imóveis, como se ali estivessem desde o primeiro dia do mundo - que mundo? Você sente fome, muita fome, mas não há o que comer, a não ser as areias e as pedras, e o seu próprio corpo. Você pode resistir á fome, mas não a sede, e aquele vento seca a garganta e as lágrimas que você tem para chorar. Sua língua está assada, a garganta estraçalhada, quando um lago com palmeira e avistado... -mas é uma miragem, sem efeitos de luz ou de qualquer coisa. Por fim, depois de tempos – dias? Séculos? Milênios? Éons? Você percebe uma luz ao longe, uma luz estranha, não a do sol ou a de algo mais forte, mas sim um leve facho de um candeeiro. Você se força a caminhar... -talvez seja o fim da linha... -e depois de outro tempo sem conta chega ao lugar, depois de abrir, com uma pedra afiada, algumas feridas... -é fácil, sugar dali o sangue, que alivia, de forma lenta, a agonia da sede e até da fome... -mas seu corpo quase já não suporta mais nada, e você sabe... -Você lá encontra sim, um pouco de água, mas esta contaminada e amarga, e a chama nada mais é que uma vela, se consumindo numa pedra, aos pés do que parece um marco. Um marco feito por mãos, parece, pois é talhado na forma de um arco ogival, e nove grandes pontas de metal sobressaem de sua parte superior. Uma grande de bronze está no inferior, e dos dois lados dele existe uma cerca de pedras rudes, alta e infinita. A grade é uma porta? Para onde? E ao analisar o arco com mais cuidado, uma inscrição se sobressai a sua frente, parecendo feita a eras, e muito nova. São caracteres em uma língua antiga, que você não conhece – mas sabe! Ali está escrita a sentença mais terrível que se poderia proferir: Abandone toda a esperança quem entra aqui. Agora você sabe, e não a lágrimas, apenas há tristeza, dor e desesperança. Pois ali não é outro lugar se não um fosso. Um fosso dentre outros sete.
Você está no inferno.
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Capítulo I
- Tudo bem que você sempre tenha sido tétrico, mas nesse daí você exagerou, cara – o rosto da garota a luz das velas, bruxuleando parece ansioso... - e amedontrado. Pisco. Por um momento, por um fugaz instante parecera tão real... - mas a realidade imediata era o cheiro de sal, o marulho das ondas nas pedras, a luz azulada que surge pela entrada da caverna, e o rosto meio ansioso de minha prima. Pisco de novo. Falo:
- Não é tão ruim assim! Sei que não gosta de sangue, mas, num estado de extrema necessidade... -
- Isso é um conto! Não é realidade! Não precisa ser tão... -tão... -tão cruel! Cruel? Será que o conto – na verdade, esse ensaio malfeito de conto é cruel, em seu inocente caderno com capa de couro, com as folhas de papel branco marcadas pela escrita elegante de uma caneta azul. É cruel, mas não será um pouco... -
- Ele é horrível! Perdoe-me, mas a arte deve sempre valorizar e nascer de uma... -uma estética!
- Estética? Minha cara, segundo uma das análises da semiótica de C. S. Pierce, o que para você é anti-Estético, para mim é perfeitamente estético. As linguagens são distintas.
- E o belo é subjetivo, ótimo, ótimo, mas seu conto me dá arrepios! Vamos embora! E ela sempre foi assim. Gentil, mas arisca... - astuta, mas ignorante... -e esse era um dos charmes que ela não perdia. Olhou para ela com um assomo de gentileza, durante muito tempo. Os olhos dela o fitaram, em tom de interrogação, mas não demorou nisso, e teve um calafrio... - e falou com aspereza:
- Vamos embora? Estou cansada – e se levantou rápida, apagando as velas no laguinho de água azulada que entrava na boca da caverna onde estávamos. Ela estava com um short curto, e logo trepou pelas rochas até a praia. Eu coloco o caderno na mochila que usava, pegou o toco de vela, e também trepo pela praia. Ela estava esperando, e parecia um pouco... - encabulada? Envergonhada? Arrependida? Fosse como fosse, na volta para a rua, em direção a cidadezinha ela pegou na minha mão, e caminharam juntos dessa forma. A mão dela é quente na minha, um pequeno ponto de realidade na frigidez do sonho de uns momentos atrás.
Eu não estava chateado, sabia que às vezes era inoportuno e ela não era exatamente a pessoa mais paciente do mundo, bem longe disso. E, no fim, ela se arrependia. Eu agora prestava a sua atenção na rua, um longo rio com pequenos paralelepípedos quentes, mas não ferventes como ficavam ao sol do meio dia. O rio corria no sentido contrário dava em uma praça, a menos de duzentos metros, onde havia outras ruas menores, em volta de um parque. Um dos poucos ônibus passou por eles, e o cobrador, um homem que parecia bem velho, olhou-me com reprovação, ao que eu sorri de forma mais discreta.
Da praça nós seguimos por uma ruazinha lateral, até uma pequena casa, um sobrado pintado de verde. A garota entrou pelo portão de ferro, e passou pelo quintal que a cercava, com mangueiras, pés de acerola e outras frutas, nenhum, porém, com frutas, pois não estava na época. Ela se virou e entregou a chave a mim, dizendo:
- Agora pegue a chave, a sua mala já está ai dentro, no quarto maior de cima. A mãe queria que você ficasse em casa – e apontou para a casa vizinha – mas você ia ficar mal instalado. E de qualquer modo, é por pouco tempo, já que amanhã a gente sobre pro sítio. Agora, repare que venho te pegar ás seis. Esteja pronto, ok? – deu um beijo de leve e saiu. Ela era um feixe de energia gritante naquela pequena cidade, a se não era. Pelo menos metade dos homens, com suas imaginações presas e libidinosas gostariam de ter aquela menina debaixo dos lençóis... - E ela sabia. Divertia-se – muito – com isso.
A casa é mais ou menos como eu me lembro na época das férias de infância, arejada e não muito grande, apesar de ser um sobrado. Ali os parentes ficavam instalados, quando a casa grande estava repleta de muitos convidados para oferecer uma boa noite de sono. Os móveis eram poucos e práticos de se limpar, e a temperatura era sempre agradável. Subo pela escada do outro lado da sala, até a suíte máster. Minha tia, claramente, tinha posto o dedo naquela arrumação: a cama de casal tinha lençóis novos, havia alguns livros numa prateleira, uma mesa, cadeiras, tv, poltrona, DVD, alguns filmes, frigobar, o ar condicionado ligado no máximo... - mais parecia um hotel, e eu um hóspede de honra. O que era irônico demais depois do que aconteceu naquela época... -
Mas não tenho mais tempo para isso. Tomo um banho rápido, faço a barba, e visto uma roupa mais arrumada, um bermudão e camiseta. O perfume sempre foi indispensável, e, atualmente, o melhor era o Kasser. A camiseta é negra, assim como a bermuda, porque com minha pele pálida demais, fico mais bonito de preto. O último detalhe são as camisinhas, porque eu sabia que seis anos de esportes, entre natação, luta e ciclismo haviam-me dotado de uma figura bem apessoada... - E ninguém era indiferente a isso, especialmente as mulheres.
As camas sempre foram, para mim, bem convidativas e àquela não era nenhuma exceção. Antes de vestir a camisa e os tênis, preferi deitar um pouco, com o ar condicionado gelando o ambiente. Eu sentia uns calafrios na área do abdômen, por causa do frio, mas aquilo me dava bastante prazer. Fui, aos poucos, mergulhando em um devaneio sobre o conto que tinha começado a escrever pensado no que minha prima havia dito.
Algum tempo depois ouço a porta da pequena cozinha abrindo. Quem seria àquela hora? Saio de mansinho da cama, e me coloco atrás de uma das portas do andar de cima, de onde posso ver a escada com relativa facilidade, com o celular na mão. Mas não foi preciso ligar pára ninguém, pois eu conhecia o estranho, um homem de estatura elevada, cabelos escuros e pele bronzeada. Apesar de ter um físico mais forte, eu o reconheci. Filho do caseiro da propriedade de meus tios, Jorge e eu fomos amigos durante grande parte de nossas infâncias. Depois de uns segundos, saio de onde estou e desço, decidido, as escadas para falar com ele na sala.
- Olá, Jorge. Faz muito tempo que não nos vemos! – e estendo a mão a ele, sorrindo. E o sorriso é sincero, eu gosto dele, e, realmente, é um prazer vê-lo de novo.
- Olá, Tiago. Como vai você? Soube que havia chegado à cidade, e decidi vir até aqui, pra te cumprimentar! Não te achei mais cedo, me disseram que você havia saído com a sua prima, e agora a pouco ela chegou e disse que você estava aqui no chalé. Bom, posso ver que está bem.
- Vamos sentar para conversar um pouco... - colocar a resenha em dia! – peguei - o pelo braço, e fomos para a cozinha. Na geladeira havia algumas garrafas tipo long-neck de cerveja, que eu não gosto, e de outras bebidas. Terminei ficando com uma garrafa de suco de laranja, sentei-me na escada da sala, e propus um brinde:
- Saúde!
- A nossa! – respondeu ele.
Bebemos e conversamos, ele falando do que fizera esse tempo todo. Como o pai, havia entrado para o serviço da casa, mas tendo estudado no bom colégio estadual do vilarejo, e depois feito o curso técnico em agronomia, Jorge havia se convertido em ajudante e administrador das várias propriedades da família nas zonas próximas. Era um trabalho que o aprazia, e era bem pago o suficiente para ele ter uma casa, na verdade uma chácara, onde morava com os pais, e tinha uma horta. Extraia renda também dos iogurtes e doces que sua mãe fazia das frutas e do leite. Como vim a descobrir, a propriedade era vizinha a casa da família, e vizinha ao sobrado onde eu estava hospedado. Eu também falei de mim, mas bem, menos do que ele falou de si próprio.
Passamos assim a tarde toda, e o sol estava se pondo quando eu fui para o andar de cima, colocar a camisa e os tênis. Voltei para baixo no momento que ele atendia à porta para Laura, que como sempre, entrou falando:
- Olá, Jorge! Como você está? Não te vi hoje! Muito trabalho? Você viu o Ti? – ela, como sempre, me tratando por aquele apelido de infância. Sinalizo para ele se aquietar, e saio da casa, entrando de novo pela porta da frente, atrás dela, que toma um baita susto. Ela esmurra, brincando, o meu peito, e saímos os três. Ela logo pergunta a Jorge:
- Está com a noite livre? Nós vamos sair um pouco com uns amigos! – E aquilo me deixou um pouco aflito, mas ela deve ter percebido, porque disse a mim:
- Fique tranqüilo, Sr. timidez... -todos são velhos amigos seus também, e estão curiosos para te ver de novo. E ai, Jorge? Se estiver pronto em dez minutos, te esperamos, ainda é cedo... - – Jorge vai rápido para casa e promete não demorar. Nós sentamos, e ela não demora a falar:
- Meus pais me perguntaram se você iria jantar... - mas eu disse que você ia preferir sair, e eles disseram então que amanhã de manhã você estivesse no café da manhã. A família toda vai estar presente, e querem te ver... -
- Eu me sinto mais um animal num zoológico nessas horas... -
- Há, vamos lá... -você é um leão, se é assim. Está muito bonito, carinha... - – eu corei com força, pois ela não era desses elogios, em especial para mim.
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Seth