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Mensagempor Mirallatos em 26 Mai 2008, 12:49

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Edgar, de olhos arregalados, ofegava ignorando o suor que lhe corria a face. À medida que viajava pele abaixo, esta pequena gota ganhava volume e velocidade. O rosto inexpressivo do rapaz seria uma pista lisa e veloz, não fosse um corte profundo e ensangüentado que ia da costeleta até metade da bochecha. Como um pequeno afluente, o fio de suor subitamente refreou na papada e desaguou no talho. O ardor arrancou-lhe uma careta e o asco de dor fez o ferimento minar uma mistura de suor e sangue. O líquido viajou a toda velocidade para o queixo, de onde saltou desaparecendo na imundície.

Os velhos cartazes de festa junina ainda adornavam o ginásio esportivo. É verdade que tudo fedia e caía aos pedaços, mas muitas lembranças moravam ali. Embora sonolentas a maior parte do tempo, estas memórias costumavam se alegrar com as visitas. Elas chegavam a sorrir para os transeuntes em alguns momentos, mas na maioria das vezes permaneciam quietas e imperceptíveis.

Até bem pouco tempo, ambos, Edgar e Gabriela, interagiam com esse passado. O local muito significava para eles, pois ali, nas muitas fugas da sala de aula, experimentaram todos os prazeres que o corpo pode conceder. Da infância à adolescência, das carícias ao sexo, das bebidas à cocaína. Tantas aventuras foram, naquele prédio manchado de pichações, que jamais se desligariam de tudo e todos que por ali passaram.

Por isso Edgard se arrependeria eternamente de ter feito aquilo. A culpa tornava dilacerá-lo enquanto caminhava a passos bêbados entre os detritos. Algumas vezes, tinha impressão de que Gabriela ainda vivia, pois vez ou outra podia escutá-la, ainda que bem baixinho, clamando por seu nome. Já ia bem perto da saída do ginásio quando olhou para entrada do banheiro mais uma vez: e viu sair de lá um grupo de meninas, numa correria desesperada. Gritavam histericamente; o som ecoava de forma perturbadora na cabeça do rapaz, que levou as mãos à cabeça na tentativa de evitar os ruídos. O movimento foi totalmente descuidado, ele acabou cortando o próprio rosto com o estilete, outra vez. Apertou os olhos e se isolou na escuridão, embora ainda pudesse ouvir inúmeras vozes, horrorizadas, pois um corpo sangrava no banheiro.

Ele queria explicar, mas uma multidão o cercou sedenta por vingança. Ele se protegia como podia dos empurrões e pancadas, até tudo findar num silencio nebuloso. Depois, novamente um fedor de urina lhe preencheu as narinas. Edgar abriu os olhos e viu que o haviam deixado em paz. Suava como se estivesse febril e ainda segurava o estilete ensangüentado. Ouviu alguém chamar seu nome, uma voz quase sussurrada que vinha do último box.

A voz era familiar.

Edgar levantou assustado e o estilete escorregou acidentalmente para debaixo da pia. Ele engatinhou para alcançá-lo e enquanto o fazia, ouviu o som de uma descarga. Incrédulo, amargou um choro silencioso.
Tornou ouvir alguém lhe chamar, agora tinha certeza que era a voz de Gabriela. Seguiu a passos lentos, parou por alguns instantes quando viu seu reflexo num pedaço de espelho, estava pálido e com olheiras, além do rosto que sangrava. Permaneceu em silêncio por alguns instantes, avaliando o próprio reflexo.

A voz tornou chamá-lo e ele despertou da distração. Depois, segurou firme o estilete e seguiu, até finalmente contemplar a garota, sentada sobre um vaso sanitário. Gabriela estava seminua e havia sujado todo o vaso com o sangue que escorria do ventre. A hemorragia a deixara pálida e trêmula, com um olhar tão suplicante que arrancou súbito desespero do rapaz. Ela o encarou por alguns instantes, sem única palavra dizer, depois prendeu a respiração e inclinou a cabeça para trás.

Suando frio, Edgar fechou os olhos e deslizou o estilete pelo pescoço da menina, sentindo a lâmina romper nacos de carne enrijecida da traquéia. Ela começou a engasgar e resfolegar, mas ele já deixava o local, horrorizado. Enquanto caminhava, uma pequena gota de suor escorreu pela face e tentou se libertar, saltando para a imundície.

Ataualpa S. Pereira
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Mensagempor Lanzi em 27 Mai 2008, 14:08

Confesso que não gostei.

É muito bem escrito, muito bem descrito, narrado e com uma leitura fluída, mas isso não é tudo. Eu gosto desse estilo sujo e visceral, mas já me enjoei dele, então não vejo nada de novo, chocante ou coisa do tipo. Também não gostei muito da fórmula do texto, acrescentando componentes a cada parágrafo e uma tentativa, pelo menos até a metade inicial, de se manter um mistério bobo - ou foi imaginação minha?

De qualquer forma, o texto não me atingiu. Continuou leviano apesar das tentativas frustradas de torná-lo sinistro, repulsivo e sanguinolento. Não sei é culpa minha - do momento que vivo - ou do texto em si. O negócio é esperar os próximos comentários.

Talvez o texto tenha sido só a expressão de uma "vontade" sua, um desabafo, extremamente pessoal e sem pretensões. Mas acho que se fosse assim, você não teria postado-o aqui.

Abraços.
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Mensagempor Elara em 28 Mai 2008, 13:52

Forte, Mirallatos.

Remonta a uma imagem já vivida pela personagem, mas ao mesmo tempo deixa dúvidas de quanto tempo passou desde então. Ao que parece, ele tem uma espécie de esquizofrenia devido ao caso ocorrido, ou, em outra hipótese mais fantasiosa, ele morreu das pancadas e chutes que levou e está vivendo em uma espécie de "inferno pessoal".

O que quis dizer, afinal? Fiquei curiosa. =)

Chero!
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Mensagempor Mirallatos em 30 Mai 2008, 14:49

Saudações.

LANZI

Críticas geram crescimento. Principalemente quando bem justificadas. A única ressalva é quanto ao seu gosto pessoal.

No mais, refuto que não existe intenção de torná-lo sanguinolento, pois o trabalho é o que é. Quando me disponho a escrever algo do tipo, normalmente é dum impulso visual, talvez roreirístico. Me apego a coisas do tipo enquanto estilo, algo que você pode conferir noutros textos que escrevi.

ELARA

Você é chata. :cool:
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Mensagempor Sr.Personna em 02 Jun 2008, 11:09

O título explica a obra...
O conto todo reverbera, os acontecimentos relatados d'um modo refletido, fragmentado.
O tempo está simplesmente perdido no meio da narrativa, intencionalmente difícil de perceber a exata ordem dos fatos, se é presente, futuro, passado. Tudo misturado numa deliciosa sucessão.
Inferno pessoal? Sim, talvez... Mas creio que é antes de tudo um ecoar.
No mais acho que, para não sair do clima, faço coro co'a menina rara.
Dois adendos de poeta chato: Ginásio Poliesportivo me soa bem melhor... A palavra interagiam me pareceu deslocada, muito formal, fria e técnica para uma relação tão passional.
No mais, um conto apreciável, sobre vida, experiencias, aprendizado e amor.
"Muito brincaram comigo,
até que aprendi a brincar...
Na vida se chicoteia
ou se deixa chicotear!"
(Lições, Lucas C. Lisboa)

O Jogo tem 3 regras simples:
1) Basta conhecer o Jogo para estar jogando.
2) Sempre que lembrar do Jogo, você perde.
3) Sempre que perder, você deve anunciar a derrota.
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