Eu estava a esmurrar constantemente o acolchoado confortável que revestia o interior do meu caixão. Eu era a polpa desse fruto venenoso, que marchava de maneira fúnebre indo residir pelo resto da existência no cemitério senil da vila. Mas a surdez daqueles operários, mecanizados, que vinham nadando pelo asfalto desde o desfecho de suas fábricas, não lhes permitiu ouvir o desespero dos meus prantos e socos no estofado virgem.
À medida que o caixão ia descendo pelos diversos níveis eu praguejei. Deuses pagãos dançavam em meus ombros e o ar já escasso, se dissipava, indo morrer frio, no interior da minha cólera. Além da epiderme da minha tumba, ecoavam canções lúgubres pelo gramado artificial, e as multidões grotescas se afogavam em lágrimas de crocodilo.
E eu decidi me deixar ser assimilado por aquela desesperança, e repousei serenamente em meu óbito, sem esperar por surpresas, desistindo de lutar contra este paletó isolante. As minhas pálpebras cachoeiravam-se enquanto eu me entrincheirava na sala de espera funesta. Mas um aborto do acaso configurou, após o fechamento das comportas da sepultura, um quadro surreal, que fugia da história de meu cotidiano; uma voz gorda perfurou o silêncio que se pronunciara até agora:
- Mais um!
Meu coração se congelou enquanto eu preparava – em vão – por uma resposta, ou pergunta, pois outro, dessa vez uma voz estridente, fazia-se ouvir naquelas profundezas:
- Sim. Mais um!
Um terceiro resolveu sair do ostracismo:
- Antes que diga algo, novato, irei lhe falar primeiro. – fez uma pequena pausa como se reconhecesse meu pavor e esperasse pela minha recuperação. Iria explicar-me as regras. – Nem você, nem nós estamos mortos. - continuou - E também nunca estaremos! Também fomos todos enterrados vivos.
Alguns questionamentos circunscreviam meu pensamento... Mas haveria tempo de sobra para conversar com aquelas pobres almas - toda a eternidade!