Estou começando a repostar esse coletivo que vem sendo desenvolvido desde a primeira Spell (eu acho ). Ele vem sendo desenvolvido por mim (Elara, Lobo_Branco, Beholder_Vesgo e El1k4r) e atualmente conta com 10 capítulos. A partir de então, teremos a participação de mais um contista, o Gehenna.
As repostagens serão feitas no ritmo de um capítulo a cada 3 dias, e quando retomado o conto, a cada 15 dias um novo capítulo.
Uma breve sinopse: O conto se passa na França napoleônica, envolvendo mistérios com criaturas meio-lobo. Esperamos que gostem!
Sinopses dos capítulos já postados (em junho de 2008)
Parte I
SPOILER: EXIBIR
Parte II
SPOILER: EXIBIR
Parte III
SPOILER: EXIBIR
Parte IV
SPOILER: EXIBIR
Parte V
SPOILER: EXIBIR
Parte VI
SPOILER: EXIBIR
Parte VII
SPOILER: EXIBIR
Parte VIII
SPOILER: EXIBIR
Parte IX
SPOILER: EXIBIR
Parte X
SPOILER: EXIBIR
O mistério de Saint Maria – Parte I
Lobo Branco
Lobo Branco
França, 1787
Com os temperamentos à flor da pele, o povo francês das classes mais humildes enfrentava a miséria e a fome com ares de revolta. O governo se encontrava praticamente falido, tendo como motivos os astronômicos gastos de sua alteza Luis XVI, sua gigantesca corte que habitava os luxuosos corredores do Palácio de Versalhes e os custos das guerras promovidas pela dinastia dos Bourbon.
O péssimo estado econômico francês somado ao caótico estado climático - o país era assolado por secas e enchentes destruindo a agricultura - e a um acordo comercial com a Inglaterra totalmente desvantajoso para a França, minguava a vida dos pobres. A
fome incrustara no espírito dos francos os mais profundos sentimentos de insatisfação, acarretando assim os mais variados e freqüentes tipos de ataques e revoltas civis pelos campos e cidades.
Freqüentemente milícias monárquicas eram incumbidas de por fim a essas revoltas, fazendo-o geralmente de forma rápida e violenta, acabando dessa forma com possíveis lideres de futuros levantes, amedrontando o povo a fazer novas revoltas.
Em um movimento de contenção do exército a uma dessas revoltas, um pequeno contingente de soldados monárquicos, comandados pelo franco-loreno Hermann Rochambeau, atacou um vilarejo cigano acusado de iniciar uma revolta, além de outros pequenos furtos. Movidos pela bebida e pela ganância de serem reconhecidos como heróis frente ao nobre local, eles providenciaram um massacre, não poupando crianças, mulheres ou velhos. Embriagado com o êxtase da matança, pensando nas condecorações e recompensas, Rochambeau foi o algoz da última remanescente do povoado cigano. Ela morreu abraçada ao corpo do filho afogado com o próprio sangue e antes de ser trespassada com o sabre do comandante franco-loreno, o amaldiçoou:
— És uma cria dos infernos! Olho para ti e vejo um lobo! És um enviado das sombras, um caçador noturno, que regurgita-se em matar velhos e crianças, por isso eu amaldiçôo-te! Condeno a ti e teu filho, pois teu varão vindouro não será teu, será filho de um lobo; nascerá como assassino e carregará apenas sangue e desgraça, terá corpo de homem e alma de lobo!
A vitória foi festejada. Os poucos letrados e ditos seguidores dos Ilustradores riram com as maldições. Porém, a grande maioria analfabeta e ignorante do contingente, apesar de enaltecidos com a vitória, rezava e implorava por proteção aos seus santos contra a língua demoníaca dos ciganos. O pobre Hermann Rochambeau sonhou com sua casa, ouvindo ao longe o uivo solitário de um lobo e viu sua mulher urrar como uma selvagem à espera dele. Este sonho o atormentou por toda a noite e logo ao amanhecer pediu dispensa ao nobre local. Deixou o 1º imediato ao comando do regimento e partiu.
Na primeira noite de viagem ele sonhou mais uma vez com o lobo uivando e sua mulher respondendo como se possuída; desta vez o uivo estava mais próximo. Hermann pouco se alimentava agora; tomado por preocupações, rezava e pedia guarnição a sua mulher contra o mal. Cavalgava como um louco em direção à região da Lorena.
Na segunda noite ele sonhou mais uma vez com o lobo, mais próximo que na noite anterior. Ele já podia ver os olhos brilhantes da fera na noite sem estrelas. Tomado pelo desespero e medo, não perdoou o cavalo. Cavalgou o dia inteiro e parte da noite sem parar. Cravou tanto as esporas no pobre animal que o fez verter sangue pelos quadris e babar como um doente. Com a lua já alta adormeceu, apenas para ver o lobo à porta de casa, arranhando-a, latindo e uivando para entrar. O pesadelo não saía de sua mente; a imagem da besta negra, às portas de sua casa, olhos maliciosos e vermelhos, babando, pronto para devorar sua mulher o assombrava como nenhuma batalha antes tinha feito. O último percurso para casa fez a pé. Seu cavalo morrera na noite anterior de exaustão, e ele demorou um dia inteiro o que deveria fazer em algumas horas.
Chegou nas extremidades de sua casa no fim do dia. Como era verão, o sol ainda estava alto e pôde encontrar sua mulher no lado de fora da casa, buscando água no poço, decerto para preparar algo para a senhora sua mãe. Rochambeau fora tomado de um sentimento nunca antes presenciado: a felicidade de encontrar a mulher ali ilesa, sem mencionar nada sobre lobo algum o enchera de alívios e o fez julgar-se um asno por ter levado tão a sério tão fútil sonho. Mesmo assim algo dentro dele pulsava como um animal e ele tomou sua mulher ali mesmo, à beira do poço, com o céu já avermelhado e o sol se escondendo atrás dos montes Pirineus. O momento foi intenso, Hermann gozou como um animal. Naquele momento solene, abraçado à sua mulher, arfando, ele viu o que gelou suas entranhas: na beira do bosque, o encarando, parado sentado sobre as patas traseiras, havia um lobo, um enorme lobo negro, de orelhas em pé e olhos atentos. A imagem dos seus pesadelos fora forte demais para nervos já abalados. Hermann tentou gritar e puxar sua pistola, mas acabou por desfalecer.
Meses se passaram sem nem ao menos se ter noticias de nenhum lobo na região. Cada dia que se passava a barriga da senhora Rochambeau crescia mais e mais. Hermann não passava uma só noite sem sair à caça de possíveis alcatéias, mas eles haviam sumido; desde a primavera passada não se via nenhum lupino nas ricas regiões da Lorena.
Nove meses se passaram e o grande dia chegou. O parto se mostrou complicado e a mãe perdeu sua vida horas após expelir de seu ventre um pequeno varão. A notícia da morte de sua esposa fez com que as palavras da cigana renascessem na mente do soldado. Ele olhou para seu filho e quase o matou, sendo impedido por um padre amigo seu. Depois de tudo explicado, o padre convenceu-o de que a criança era inocente, e que caso algum mal houvesse nela seria expurgado com o batismo. O padre ainda tentou levar a criança, mas foi impedido pelo já calmo pai.
Dias se passaram e ambos se encontraram no cemitério, rezando para a alma da finada. Enrolado num pedaço de lã estava o bebê. O padre se dirigiu com passos curtos e voz rouca. Falou:
— Então meu filho, sanou de tua mente essa idéia ridícula de matar teu filho?
— Sim padre, mostrou-me a razão, perderia aquilo que ainda me mantinha unido a Marie, o nosso fruto. – sussurrou envergonhado Hermann.
— E o nome, meu filho, já escolheras?
— Sim. Chamar-se-á Loup-Marrie Rochambeau Second.
França, cidade de Saint Maria de Douleurs, 12 de Nivoso (1 de Janeiro) do ano 1810,
Amanhece na pequena cidade francesa, próxima a Espanha. Logo as ruas são tomadas por plebeus e burgueses, todos tentando ganhar a vida: alguns enaltecendo o Imperador, outros crucificando Napoleão; este que ampliou o círculo de controle do seu império, que venceu todas as Coligações da 2ª a 5ª. Tinha sob seu poder praticamente toda a Europa e contava com o mais bem equipado e treinado exército jamais visto.
A vida na cidade de Saint Maria era calma, podendo se dizer até reconfortante, desde a Revolução, a queimada do palacete do nobre Carlos Pierre d’Lambert, a estatização das terras do mesmo e da igreja. A redistribuição das mesmas entre a burguesia e o povo local assegurava certa liberdade para a falsa independência da cidade. Aproveitando o bloqueio à Inglaterra os burgueses locais, juntamente com o recente Banco da França, mais uma das dádivas de Bonaparte, conseguiram montar um pequeno e bem equipado parque industrial. Seguindo os modelos de cercamento da Inglaterra, esses burgueses franceses estavam tentando ganhar o mercado de tecidos deixado em branco pela ausência oficial dos produtos ingleses no mercado Europeu. Isso somando com a pequena, mas ainda supostamente rica mina de ferro e a pequena, porém frutífera, indústria de manufaturados da região, fazia de Saint Maria de Douleurs um lugar próspero, além de estrategicamente posicionado, numa região amena dos Pirineus, próxima ao mar. Assim, poderia servir de base contra a Espanha e suas constantes revoltas e a eterna inimiga Inglaterra.
Saint Maria seria uma cidade pacata, se os últimos meses não trouxessem acontecimentos tão bizarros. Pessoas estavam desaparecendo da cidade nos últimos tempos. A cada noite desaparecia uma jovem garota. Começou com as filhas dos pobres que viviam mais afastadas da cidade. Depois os “seqüestros” começaram a acontecer com os cidadãos urbanos, mas as autoridades não prestavam atenção nesses fatos, afinal eram apenas crianças da plebe, pobres coitados que não fariam falta a ninguém. Depois de 15 garotas sumidas, os seqüestros pararam, a paz voltou até o início do inverno, quando começaram a sumir as ovelhas dos pastos. Isso acarretava despesas para os pequenos burgueses e caçadores foram contratados. Lobos foram abatidos, e tudo estava para voltar à sua normalidade, quando a filha de Augustos Pierre sumiu. Ele era o dono de uma das fazendas de ovelhas da região.
O homem então promoveu uma caçada aos lobos, mas apesar de abaterem alguns, não se encontraram vestígios da criança. O burguês exigiu então que as autoridades fizessem algo, e durante um mês as buscas pela jovem aconteceram. Ao fim do mês, encontraram os restos de uma criança; apenas os ossos e pequenos fragmentos dos vestidos da jovem filha do sr Pierre. Junto à prefeitura, Augustos uniu-se com alguns dos pais das primeiras crianças e exigiu uma providência, ameaçou reclamar junto ao governo da província, até ameaçou as juntas burguesas de Sant Maria, alegando que sabia de coisas que deixariam o augusto imperador com muita raiva da pequena vila.
O prefeito Miguel D’Anjou prometeu tomar as providências cabíveis. Escreveu ao governador provinciano pedindo ajuda, colocou a cabeça do seqüestrador “a prêmio” e abriu uma temporada de caça aos lobos da região, comprando a carcaça deles a até 10 francos. Isso acalmou Pierre e deixou o povo esperançoso quanto a resolução dos incidentes. Porém a calma durou pouco, e o alvo dessa vez foi o filho do prefeito. Ele não foi seqüestrado, e sim atacado à noite. Seu corpo foi mutilado e seus gritos ecoaram por toda a cidade. Um novo alvoroço se estendia pela região, começaram a alegar que aquilo era coisa de outro mundo, uma vingança contra a tirania de Napoleão, que a única forma de se livrar daquela maldição era apoiando o império inglês e as revoltas espanholas por liberdade.
A cidade se encontrava dividida, muitos queriam sair pelos bosques com tochas e ciscadores caçando o culpado e o queimando, como era feito antigamente, outros pressionavam o prefeito para buscar ajuda do exército; alguns se limitavam a rezar e pedir por guarnição, outros clamavam por uma revolta e poucos se mostravam indiferentes.
Uma semana atrás o prefeito revelou ter mandado uma carta diretamente a um dos generais, clamando por ajuda, revelando o quão drástica estava à situação. Após esse pronunciamento o prefeito não foi mais visto no gabinete, e muitos comentavam que ele parecia doente. Na manhã do dia 12, em meio à neblina e à fina neve que caia, um jovem caminhava pelas ruas, com um sino a badalar, gritando a todos pulmões:
-ATENÇÃO! ATENÇÃO! POVO DE SAINT MARIE, ACAUTELAI-VOS, O DEMÔNIO DOS PIRINEUS ATACA MAIS UMA VEZ! DESTA VEZ, SUAS VÍTIMAS SÃO A BELA DAMA MADELLENA D’ANJOU, SENHORA DE NOSSO PREFEITO, E A SENHORA CASTELLA, MULHER DO REPRESENTANTE DO BANCO NA NOSSA CIDADE! É NESCESSÁRIA CAUTELA NESSA HORA, E QUE O SENHOR MANDE ALGUMA COUSA PARA NOS PROTEGER!
França, cidade de Pau, 10 de Nivoso do ano 1810
Na antecâmara do palácio-sede do exército provinciano dos Baixos Pirineus, entre soldados e poucos senhores, aguardava um homem feito, por volta de seus 40 anos, bem vestido e apessoado. Estava parado frente à janela que dava para o pátio central do palácio; de lá podia se avistar formações em bloco de soldados, outros em descanso. Aquelas imagens traziam velhas lembranças ao senhor, lembranças estas que o faziam sorrir.
Logo seu nome se fez ouvir despertando-o de seus devaneios. Com passos curtos e serenos o homem atravessou o recinto; alguns soldados de longa data o olhavam admirado. Na sala principal do palácio, esperava-o atrás de uma mesa fumando; seus olhos azuis fitavam a figura do homem que adentrava sua sala, e ele logo se levantou, indo até o mesmo para cumprimentá-lo.
— Olá meu bom d’Athos, como foi tua viagem? Boa, espero!– disse o general enquanto abraçava o companheiro.
— Sim, desde muito tempo não viajo de Paris até os Pirineus em tão pouco tempo, meu bom general Uiatté, mas deixemos de falsas formalidades, pois com a breca, somos amigos, exijo ser chamado de Armand! – respondeu sorrindo.
— Claro, claro. – disse e então puxou uma cadeira para Armand, dando a volta para a sua própria. Nesse intervalo de tempo Armand passou os olhos pelo escritório, um cômodo muito bem decorado, um enorme mapa da França na parede esquerda, algumas porcelanas espalhadas pela sala, um belo lustre de cristal, cortinas de veludo vermelhas, um tapete persa tomando todo o chão, uma ampla varanda dando para o pátio. Em cima da mesa de madeira de lei, estavam mapas, cartas e documentos dos mais variados tipos.
— E então Armand, finalmente voltou para nosso glorioso país! Vejo que a vida nos trópicos te caiu bem, estás mais saudável. – sorriu o capitão oferecendo cigarretes ao companheiro.
— Assim como a alta patente fez bem a você. Quem diria que o audacioso Bonaparte chegaria tão longe Gerard... Além de você, é claro. – sorriu Armand, pegando um cigarrete e esperando o mesmo ser aceso.
— Sempre soube reconhecer talentos quando os vejo, isso me proporciona bons frutos, amigo. Hoje sou um dos poucos em quem vossa Alteza confia. Mas apesar de todo os privilégios que um alto cargo acarreta, ele me dá muitas dores de cabeça.
— Desconfio. Teriam tuas enxaquecas alguma cousa haver com o fato do desastroso Decreto de Berlim?
— Também meu amigo, infelizmente, pois as pressões tendem a aumentar cada vez mais. O imperador exige resultados, mas fica cada vez mais difícil impedir os produtos ingleses de adentrarem no continente. Por maior que seja o Império, nossas indústrias ainda não estão equiparadas às dos ingleses, e vez ou outra eu tenho que mandar soldados para a Espanha cuidar das rebeliões financiadas pelos ingleses. – em meio a um trago suspira Gerard.
— Jose não consegue fazê-lo por si?
— Não, sempre está a carecer de bons soldados e bons generais. Estou a enlouquecer com essa situação, que está a piorar. Veja tu, que uma das mais prósperas vilas da região está próxima de se rebelar, e eu como obrigação, deverei marchar sobre ela e destruir um dos poucos parques industriais franceses que se equiparam com os ingleses. Serei crucificado com essa resolução, já vejo minha cabeça numa prateleira, com burgueses gordos a rir.
Armand observava o discurso, sabia que ali era o ponto que culminaria nas explicações do porque fora convocado
— E há algo que eu possa fazer por ti, velho amigo?
— Sim, como há Armand. Preciso de tua ajuda desesperadamente. Pessoas têm sumido da cidade de Saint Maria... Os ignorantes alegam ser coisa do demônio, antiimperiais se aproveitam da situação e jogam a culpa no Império, está tudo à beira de uma revolta, meu amigo. Por isso clamei por ti. Quem melhor que Armand de Sellègue d’Athos, um espião nato, ótimo soldado e caçador de traidores na época do Terror? Apenas em ti poso confiar amigo; com toda a certeza acharás o responsável por esses crimes e o levará a forca.
Armand sorria, velhos títulos lhe lembravam a juventude, a época da gloriosa Revolução, seus trabalhos como investigador, um verdadeiro caçador de traidores e nobres. Bons tempos aqueles.
— Fa-lo-ei meu amigo, mas preciso saber mais a respeito.
Aquelas palavras fizeram o general sorrir, estava aliviado.
— Saberás tudo que necessitais, tenho aqui cartas do prefeito da cidade, além de um relatório de um soldado que tem posto aqui. Peço que partas o mais rápido possível, e terás um pequeno contingente à sua disposição. Mando hoje para lá 50 homens bem treinados para conter uma possível revolta, o capitão deles é um jovem promissor de mente aguçada; poderá te ajudar, meu bom homem. Ó que noticia ótima Armand, salvas meu pescoço da forca! – o general sorria, parecia aliviado agora, abrira a gaveta e puxara alguns documentos – Tome cá amigo, aí está tudo relatado até agora, além de uma carta de um valor de 100 francos. Arranjes tudo que achares necessário, mas se faz de imediato que parta com a comitiva, ainda esta noite.
— Assim farei amigo. – Armand se levantava, cumprimentava uma última vez o amigo e lhe dava as costas. Ao sair do escritório, passava por um jovem, com indumentária de capitão; parecia nervoso e olhava acanhadamente a sala. Armand sorriu, e imaginou que ele um dia se portou dessa forma, mas hoje não mais, era um homem de 42 anos, não um frangote, e estava mais uma vez servindo uma causa maior.