Parte 1 de 2
Naquela época do ano das manhãs cinzentas e nubladas na serra, temporada de imensas nuvens de algodão se preparando para se dissolver em fofos flocos de neve, um grupo falante e variado se reunia novamente dentro de um aconchegante chalé de estilo montanhês. A lareira já havia sido acesa pelo homem grande e forte perto dela, o primeiro a chegar à reunião, dono de barba e cabelos vermelhos espessos, braços fortes como toras. Estaria certo qualquer um que se rendesse à primeiras impressões e supusesse que ele era um lenhador.
Ao seu redor, outras pessoas se congregavam e interagiam. Um casal, na casa dos trinta, bebendo de canecas fumegantes, conversava íntimo próximo ao passa-pratos que ligava a cozinha à sala. Uma senhora se encontrava sentada em um aconchegante sofá vermelho, entrelaçando feliz agulhas de tricô dentro de uma meia em potencial. Um homem de cabelos desarrumados, sentado ao seu lado, mostrava a outras pessoas, orgulhoso, um livro que estava em sua mão.
Um dos homens, vestido como um andarilho, roupas puídas e uma toca de lã, chamou a atenção de todos, fazendo um chiado de silêncio. Apontou para cima, para o topo da grande e sólida escada de madeira:
- Ele chegou!
Um senhor, físico robusto, apareceu no alto da escada e olhou para as pessoas abaixo dele com felicidade. Vestia um terno preto, uma gravata, e trazia uma pasta preta de tipo executivo. Desceu orgulhoso, degrau por degrau, e o interior do chalé ficou em silêncio, com todos os olhos voltados para ele.
- Mil perdões pela demora. Vamos começar?
Pousou sua pasta sobre a mesa de jantar de madeira escura que se encontrava na sala, pegando então uma pêra de uma cesta decorativa de frutas de plástico. As pessoas de dentro do chalé, ainda sem nada dizer, foram se removendo furtivamente de seus lugares e cercando a mesa.
- Afiliados, damos início assim a nossa anual reunião do Clube dos Solitários. Sejam todos bem vindos mais uma vez ao meu chalé. Nosso clube foi fundado há muito tempo atrás quando percebi que, ao redor do mundo, existiam outros como eu, escondidos em seus porões escuros, apartamentos fechados, residências longínquas e tantos outros adoráveis lugares. Pessoas que, como eu, em seu passado, encontraram motivos para se afastar do mundo, motivos para desejarem distância de toda a humanidade. Este chalé, uma vez por ano, se torna o refúgio onde nós, ermitões, podemos nos encontrar para debater os aspectos da nossa vida e da nossa classe. Como evitar o contato com outras pessoas, como se desvencilhar de todos os outros... enfim, como viver sem ninguém.
Ele tomou fôlego, e continuou, fazendo a piada que sempre fazia:
- Vejo que alguns dos nossos usuais companheiros não se encontram aqui hoje. Não tem importância! Não precisamos deles!
Dessa vez, entretanto, as risadas ao redor da mesa foram meramente cerimoniais. Ele se recompôs e prosseguiu:
- Eu, o presidente do nosso clube, com muito orgulho anuncio que desde a última reunião, não tenho saído desta cabana para absolutamente nada! Eu contratei um morador da cidade mais próxima para me trazer mantimentos ao longo do ano. Ele vem, deixa as coisas em frente a minha porta terceiro dia do mês, toca a campainha e depois se vai. É uma beleza! Eu mal me lembro de seu rosto! - Ele olhava para os integrantes do grupo com um olhar maravilhado, porém o grupo não correspondia, todos com uma expressão estranha nos rostos. Tendo percebido isso, o dono da casa interagiu - Vocês estão estranhamente calados hoje, sócios. Vamos, - ele se virou para a senhora ao seu lado – conte-me, como foi o seu ano? Reclusão total?
- Bem... - a senhora começou a se justificar, com um certo tom de vergonha em sua voz – no início desse ano eu adoeci, tive uma crise de bronquite e precisei ser hospitalizada... - ela se retificou rapidamente - mas foram só duas semanas!
O grupo todo, fragilizado pela situação da senhora, olhou para ela com compaixão. O presidente do grupo, contudo, parecia insatisfeito, encarou-a seriamente, fungou com desdém e se virou para as outras pessoas no chalé:
- Mais alguém?