Espero que gostem.
Antares
Estava ali um garoto vagando pelas ruas que, desconcertado, não sabia para onde ir. Não sabia que rumo dar a sua vida após a perda do irmão.
O caminho de casa perdeu, mas ainda que pudesse, não gostaria de ir para lá, para onde tinha tido tantos momentos felizes ao lado daquele que esteve sempre presente em seus momentos e em sua vida.
Eram tantos os sonhos... E pensar que seu irmão perdeu a vida poucos dias antes de atingir a maioridade.
Inconsolável, o garoto encontrou uma praça sem iluminação artificial, banhada apenas pelos muitos olhos da noite e pela lua. Deslocou-se para o lugar de escuridão mais densa, onde encontrou um banco em meio a algumas roseiras.
Estirou-se ali mesmo e, olhando diretamente para aquele azul profano que embebia as estrelas, deixou a primeira lágrima cair. Não suportava a idéia de nunca mais perder a primeira hora da madrugada conversando, não suportava a idéia de ir para a escola sozinho, não suportava a idéia de não ter mais com quem dividir sua vida.
Lágrimas e mais lágrimas rolaram, já não podia fechar os olhos sem que sentisse uma intensa dor. Quebrando um jejum de anos, começou a orar ali mesmo, pediu por clemência, pediu para que trouxessem seu irmão de volta, mas a única manifestação que pôde ver foi o brilho das estrelas.
Sob as luzes de Lyra:
"Recíproca, retórica, repulsiva,
Refaz, refúgio, revivido.
Relato, reclusa, recidiva
Refém, recusa, reduzido"
Em um lapso de memória, recordou dos tempos em que estendiam redes na varanda para que admirassem o céu, as estrelas e as constelações.
Distinguiam todas elas, de Crux até Orion, passando por Lepus e Lupus, diziam que aquela imensidão sem igual era o jardim dos deuses e juraram um dia poder tocá-las.
Aos poucos o sono pesava em seus olhos quando, subitamente, percebeu uma movimentação nas roseiras: por um instante pôde ver seu irmão por entre visão rubra. Esfregou os olhos e, ao recuperar a lucidez, pôde ver que era apenas uma garotinha colhendo rosas.
O garoto suspirou baixinho enquanto assistia o deleite da colheita. Decidiu, então, levar algumas para casa, mas quando as tocou não desfrutou como a menininha, pelo contrário, viu seu sangue formar uma gota em seu dedo.
Sob as luzes de Andromeda:
"O pedido desta alma
Não ultrapassa a calma
Vencendo este drama
Com a bênção da dama"
Observando a menininha e sua alegria, invejou-a, invejou-a por poder tocar aquelas rosas. Invejou seu sorriso.
Embriagado pelo choro, ouviu uma voz sussurrando em sua mente:
– Onde está meu irmão, aquele garoto sonhador que acreditava no impossível? Onde está meu irmão?
Desacreditando daquelas palavras, olhou fixamente para o céu e encontrou uma constelação que não conseguia desenhar em sua mente. Porém, uma estrela de brilho rubro cintilava mais forte, cintilava como o pulsar de um coração.
Aquela cena pouco usual fez com que o menino respirasse ímpeto. Levantou-se e correu em direção a árvore mais alta e, quando a encontrou, subiu intrepidamente até a copa.
Sentia-se desnorteado, perdido. E com seu irmão havia aprendido que as constelações poderiam servir como guia, que ajudavam antigos navegadores e marinheiros a reencontrar o caminho para casa, portanto, não tendo nada a perder, colocou seus olhos a procurar pelo Cruzeiro do Sul.
Seu irmão havia lhe ensinado muito bem, uma vez que não tardou a localizar seu guia dos céus, que não tardou a se localizar. Saltou rapidamente do galho em que estava e correu o mais rápido que pôde para sua casa. Ele precisava de mais alguns momentos ao lado de seu irmão.
Correu o quanto pôde, correu tudo o que pôde. Correu como se pudesse, com isso, reencontrar seu irmão em vida. E assim, rapidamente chegou casa. Mas antes mesmo que entrasse, seus olhos atravessavam as janelas em busca de uma visão que nunca veio...
Deparou-se com um ornamento de madeira fechado que repeliria todos os olhares se não fosse por uma pequena parte de vidro.
A cada novo e lento passo, a visão tornava-se mais clara, o vidro tornava-se mais nítido e, por fim, era inevitável a dor.
Descontrolado, abriu aquele pesado ornamento e abraçou seu irmão. Então chorou, chorou e chorou.
Chorou até que sua família precisou tirá-lo dali para vedar o corpo. Foi quando ele pediu para que esperassem apenas um segundo.
Enxugou os olhos. Levou a mão a um de seus bolsos e puxou aquela que lhe custara seu sangue, colocando-a entre as mãos de seu irmão.
Sob as luzes de Ursa Major:
"A este que jaz
Descanse em paz
Para este irmão,
Meu coração"
...
Após o enterro, aquela madrugada não ofereceu condições para que dormisse, o garoto permaneceu na sacada de seu quarto procurando pela tal estrela de brilho rubro.
Repentinamente o ventou soprou um pouco mais forte, deixando cair algumas folhas ao seu redor, olhou fixamente para elas, mas seus pensamentos ainda estavam naquela estrela fugaz.
Retornou seu olhar para os céus enquanto abaixava-se para pegar uma daquelas folhas. Segurando-a, começou a brincar com a mesma por entre seus dedos até que notou seu tamanho reduzido. Desviou seus olhares por um segundo e admirou aquele verde vivaz – era primavera.
Sob as luzes de Gemini:
“Por onde anda a estrela fugaz
Que cintila um brilho rubro,
Que avistei agora em outubro,
Que é a guardiã d’um pulsar vivaz?”
Passou a contar as estrelas até encontrar as quinze estrelas que formavam a constelação singular. Qual foi sua surpresa ao se deparar com aquela de brilho desigual, o coração do Escorpião – Antares.
Outras lágrimas rolaram até que o garoto fechou seus os olhos e pôde ver, naquelas estrelas, o rosto de seu irmão.
Sob as luzes de Scorpius:
"Aqui foi onde nasceu
E sob essas luzes viveu
Até o dia desta noite"
- Escorpião é a nossa constelação regente. A cada vez que olhar para cá poderá ver meu rosto desenhado nas estrelas. E a cada vez que olharem para mim, poderá ver meu o novo lar, poderá ouvir meu coração. Basta aprender a olhar as estrelas...
Sob a luz de Antares:
"Este sonho vive
Mas longe destes palmares
Agora em Antares"