Parte 1 de 2
Entrou, enérgico, um jovem casal de mãos dadas, através da porta automática de vidro do supermercado. O lugar era uma meca do consumismo, fileiras monótonas de caixas registradoras, pilotadas por atendentes entediadas, em marcha alfandegária, luzes coloridas refletidas em chão polido, pessoas indo para lá e para cá, seguindo banais listas de compras como roteiros turísticos. Eles sorriram um para o outro: eles não estavam ali para isso.
Pararam, respiraram fundo, e correram em direção aos carros de compras que se esparramavam ao lado da entrada, como as ossadas de um ser marinho encalhado. Ficaram alguns minutos procurando cuidadosamente um carrinho específico, o velho 55, amigo de longa data, companheiro de muitas aventuras. Encontraram-no largado, solitário, manchado pelo tempo, juntas enferrujadas e rodinhas engasgadas. Ele trazia tantas boas memórias... eles deviam isso a ele.
Ela subiu com um pulo, rindo, e enquanto os pneus do carrinho pigarreavam na primeira curva, seguiram rapidamente por entre os corredores. Os demais compradores reagiam das mais variadas maneiras, pulavam para longe, assustados, outros balançavam a cabeça, pesarosos, questionando o ponto onde o mundo havia chegado. O jovem casal não se importava, esquivava-se displicente e resoluto. A garota, com um brilho sem fim nos olhos e os cabelos a esvoaçar, tirou um papel amassado e quadrado dos bolsos.
Enquanto o garoto, de cabeça erguida, empurrava o velho 55, a garota apontava direções como uma capitã. Seguiram estabanando-se para a seção de frutas, parando em frente a um estande de melancias. Ela saltou e ajudou-o a colocar uma inchada fruta dentro do carrinho. Depois, seguiram para a parte de ferramentas, onde pegaram dois martelos em embalagens de plastico e uma caixa de pregos. Aproveitaram que já estavam por ali, pegaram mais ou menos um metro de corda e o amarraram ao redor da melancia, como se a tivessem laçado.
Dali seguiram para o outro lado do supermercado. Uma senhora, barbarizada, deixou escapar uma interjeição obsoleta. O carrinho se enchia com mais e mais coisas, saquinhos com garfos de plástico, garrafas transparentes de água mineral, embalagens de biscoito altamente vitaminados. Pegaram uma das vassouras que dependurava-se de uma prateleira, e, colocando-a em pé no carrinho, prenderam ao fim da sua haste um lenço preto com um caveira, para que nenhum outro carrinho confundisse suas intenções. O 55 sorriu, banguela, em silêncio.
A segurança já percebia a comoção dos fregueses, e já estava muito atenta aquele casal que navegava através do mar de mercadorias como conquistadores em um maremoto. Porém, tinham recebidos ordens, desde que os dois tinham entrado e escolhido o carrinho mais antigo de todos, de esperar. Então, eles seguiam, adicionavam cada vez mais coisas. Atrás das indicações do pequeno mapa rabiscado, lançavam-se aos itens como salva-vidas mergulham aos afogados.
Encontraram uma tábua de passar, a imprescindível prancha, e mais suprimentos, lasanhas de microondas, óleo de cozinha e sabão. O carrinho, ancião, foi ficando pesado, arqueando corcundamente, e então a garota pulou fora dele para ajudar na tração. Escolheram, de forma ruidosa, uma enorme bóia colorida, aborrecendo um homem sério que estava ao lado no momento. Eles a colocaram entre risos abafados sobre a pobre melancia, que parecia não estar aguentando tamanha maratona em toda sua inflação.
Todo o supermercado já havia disfarçadamente parado para observar a intensa gincana. As famílias tentavam fingir que nada estava acontecendo, mas quando os dois jovens passavam por perto, matraqueando alto, orgulhosos, não era possível evitar. Nesse ponto, o carrinho já estava muito pesado e eles o empurravam com alguma dificuldade. Quando nele colocaram uma bolsa plástica, cheia de latas verdes e metálicas de pasta de atum, perceberam que o velho Número 55 já não suportava mais. As pessoas ao redor, vendo o sofrimento do carrinho, esperavam que eles finalmente terminassem suas compras, contudo eles estacionaram-no próximo a uma pilha de papel higiênico, retiraram com grande dificuldade a melancia amarrada, e, para a surpresa de todos, largaram-na ao chão, fazendo-a explodir com o impacto. Eles sabiam do que ele era capaz.