Tributo ao Fim. (Adulto)

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Tributo ao Fim. (Adulto)

Mensagempor Seth em 18 Fev 2008, 16:06

Conto recém escrito, ainda sem nome. É um pouco pesado.

Bom, vamos a ele.



É uma sala ampla, às escuras. A luz incerta da lua penetra naquele local lentamente, como que tomando cuidado com o que pode encontrar. Há uma lareira acesa, e três figuras são iluminadas pelo trepidar das chamas. Os três são jovens, tendo o rosto congestionado pelo conteúdo de várias garrafas de alguma bebida. O maior deles, a direta, tem cabelos escuros e é magro, com um ar meio sombrio que lhe dava charme. O da esquerda era louro, mais baixo, com significativos olhos azuis, e parece o mais afetado pela bebida, ainda que seja o que menos bebeu. Ao centro, está o menor, mas de ombros mais largos, com cabelos negros e lisos, e olhos da mesma cor. Há mais bebida a seus pés, mas ele parece o mais sóbrio. É também o mais novo na aparência.

- Ah, o vinho! Possa a morte ser tão doce quanto o olvido que nos proporciona o néctar! Astuto foi Dionísio, até hoje venerado, mesmo debaixo dos pés das imagens mortas de um suposto Cristo!

- É notavelmente poético e exagerado em suas descrições, Jacinto. Mas porque celebra a morte, quanto temos toda a vida pela frente? Somos jovens!

- Porque estou mais velho do que o mundo ao completar vinte anos de idade? Que me vale, mais? Estudo o que não me dá nenhum prazer. Tenho, de fachada, um noivado com uma mulher que não amo, pois sequer desejo mulheres ao meu lado, no recesso do leito. Vejo, a cada dia, o atroz uso dos símbolos de um ser divino pelo veneno da religião. Nos governos dos homens, há apenas a podre corrupção. Onde desejo estudar o local é tão desprovido de atrativos que seus alunos e alunas são vítimas de animais em forma de homem, que os violentam. E, para coroar, moro no país que mais mata pessoas como eu, e o faz cruelmente! Não sou pessimista, Glauco, mas acho que a situação dificilmente está-me sorrindo. Melhor descer de vez ao inferno, e perguntar a Sócrates o que queria ele dizer com a Alegoria da Caverna! Que propôs ele com sua "república". E se corretamente registrou essas linhas Platão, o de ombros largos! Ao menos isso me daria algum prazer, por toda a eternidade!

- Ainda há felicidade nesse mundo, Jacinto. Ou ignora que uma mulher se realiza na maternidade, tomando o filho nos braços, depois de todo o sofrimento? Será que não há nada digno de suas alegrias?

- Sim, de fato há. Muitas são minhas alegrias. E ainda por cima, todos temos – podemos ter - a sensação de como é morrer, para que, nessa hora, não sejamos tolos e aceitemos o grande vôo Tanatológico, o clímax da nossa existência! Ah morte, sim, mais esse brinde! E que seja breve e indolor, qual a taça de bom tinto!

- Não há nada depois desse mundo, Jacinto. Porque não o vive? Porque não o muda?

- E não o vivo? Temos o vinho, que nos acompanha a cada dia! Temos o dinheiro, com o qual pago amantes, que dizem amar-me, e que me usam como receptáculo de prazeres! Tenho conhecimento, invejável biblioteca! Tenho vocês dois, tolos que me seguem! E, além disso, como pode haver nada? É tão avançado o seu raciocínio que pode conceber o nada? Pode me oferecer um conceito? Sublime e ousado que é, Hípias, meu primo. E para que mudar? Será mais uma taça amarga que terei de carregar, para que, a cada dia, eu me torne ainda mais igual aos que odeio? Paz! Alguma paz! Todos os governantes, no fim, são os mesmos. Medíocre e infeliz humanidade, que renegou tudo o que fez de bom! Chaga sobre uma terra moribunda!

- É grande seu domínio da ironia. Quisera a usasse contra os que, de fato, o merecem, os que o desagradam, e não contra os que não tem culpa, e que você engloba em seus discursos.

- E grande a sua tolice! Tão pedante e ambicioso quanto um bispo, em seu ateísmo! Tão preso ao que dizem seus mestres, que matou sua notável criatividade! Beba mais, e me poupe de seus choramingues. Hoje sou eu o rei da noite. Celebremos o fim, como previsto pelos doces bárbaros nórdicos, em grande estilo. Que nos queime a luz do incêndio do Ragnarok, e a vocês, meus amigos. Sim, não se poupe, Glauco. Só se é jovem uma vez, e também você, descrente e louro Hípias. Temos ainda muitas garrafas, e o azeite perfumado que temos em nossos corpos impede que o cheiro do álcool nos incomode. Bebam e celebrem, enquanto nosso mundo morre. Guerras da economia, loucos como Bush e Chavéz, religiões sectárias! Que morra a filosofia, que morra a história, que morra o humanismo! E bem vindas ás trevas, a quem saudamos com fogo, para que mais rápido possa se extinguir! Vitória de tudo que é indigno do homem, e que se faça animal o ser humano!

E Jacinto se levantou, jogando um tição bem na mesa das bebidas, molhada de vinho tinto. Rapidamente ele se incendiou, pegando parte das roupas de Glauco e de Hípias, que gritaram. Mas havia pouco a fazer, pois logo eles mesmos eram tochas humanas. Era um tributo a Febo, tochas feitas do fogo de seres humanos, os amantes que Jacinto abraçou e com os quais compartilhou a morte, porque era generoso demais para ficar sozinho nas trevas. Que sua mente moribunda fosse a última luz do mundo que se extinguia, e que, depois disso, ele acabasse.


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Seth
Editado pela última vez por Seth em 15 Fev 2009, 19:46, em um total de 1 vez.
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Mensagempor Dahak em 19 Fev 2008, 01:04

Seth, tudo bem contigo?
Quanto tempo, hein?!

Olha, antes de falar mais da sua história, o que mais chamou a atenção, obviamente, foi a extensão dos seus diálogos.
Ficou meio estranho porque em vários momentos eles entoam como uma narrativa e não como uma fala...

Qual foi seu propósito acerca disso?
Imagino que tenha sido intencional.
Depois volto com mais comentários ;)

Abraço!

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Mensagempor Seth em 19 Fev 2008, 06:26

Seth, tudo bem contigo?
Quanto tempo, hein?!


Tudo tranquilo. Um pouco enrolado no começo do semestre, mas tudo ok.

Olha, antes de falar mais da sua história, o que mais chamou a atenção, obviamente, foi a extensão dos seus diálogos.
Ficou meio estranho porque em vários momentos eles entoam como uma narrativa e não como uma fala...


A idéia é que eles sejam, realmente, extensos. Nesse ponto eu procurei me apoximar dos textos que já li da época romântica, e de alguns textos de filosofia.
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Mensagempor Lady Draconnasti em 19 Fev 2008, 13:10

Nesse ponto eu procurei me apoximar dos textos que já li da época romântica, e de alguns textos de filosofia.


de certo modo, conseguiu. ;)
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Mensagempor Elara em 19 Fev 2008, 15:10

Olá Seth,

Inicialmente imaginei que seu conto fosse uma grande metáfora, como o meu Livre Eternamente. Entretanto, apesar dos diálogos serem integralmente filosóficos, noto que há algo totalmente literal no final da narração. Ainda assim, há a chance da metáfora.

O perfil das personagens me remeteu imediatamente aos jovens do filme Cálculo Mortal, com Sandra Bullock. Se não assistiu, recomendo. As semelhanças são, no mínimo, interessantes.

Chero!
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Mensagempor Seth em 19 Fev 2008, 15:44

Obrigado pelo comentário, Elara. Eu, porém, não entendi essa parte:

noto que há algo totalmente literal no final da narração. Ainda assim, há a chance da metáfora.


Quanto ao filme, eu não assiti, mas vou providenciar.
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Mensagempor Elara em 19 Fev 2008, 16:26

Olha o marketing:

Leia Livre Eternamente e me diga se entende a metáfora do conto. Se sim, há uma grande possibilidade de os contos serem congêneres.

Chero!
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Mensagempor Seth em 19 Fev 2008, 16:42

Bom, eu li o conto. Entendi - até pelos comentários - que é uma metáfora do suicídio, mas também pensei em algo como "só na morte podemos ser radicalmente livres e plenamente satisfeitos em nossas espectativas". Gostei muito do conto, devo dizer, Elara. Achei conexos, de certa forma, o personagem masculino com o protagonista do meu.
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Mensagempor faprasem em 19 Fev 2008, 20:02

Esse texto é deprimente e sinto algo ruim só de pensar que existe gente como esse Jacinto
Realmente, quando não há esperança não há mais nada...

Um abraço
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Mensagempor Seth em 19 Fev 2008, 20:27

Esse texto é deprimente e sinto algo ruim só de pensar que existe gente como esse Jacinto
Realmente, quando não há esperança não há mais nada...



Podde parecer louco, mas me sinto satisfeito que você tenha sentido isso. Muito satisfeito.

Quando não há esperança não há mais nada... É o inferno na terra, pois o próprio inferno tem, gravado em seu portão: "Ao passar por essa porta, abandone toda a esperança." Ou não.
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Mensagempor Lady Draconnasti em 19 Fev 2008, 22:42

Imagino que isso signifique que você atingiu seu objetivo com o conto, não? =)
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Mensagempor Elara em 20 Fev 2008, 15:56

Bom, eu li o conto. Entendi - até pelos comentários - que é uma metáfora do suicídio, mas também pensei em algo como "só na morte podemos ser radicalmente livres e plenamente satisfeitos em nossas espectativas". Gostei muito do conto, devo dizer, Elara. Achei conexos, de certa forma, o personagem masculino com o protagonista do meu.
Bom, eu li o conto. Entendi - até pelos comentários - que é uma metáfora do suicídio, mas também pensei em algo como "só na morte podemos ser radicalmente livres e plenamente satisfeitos em nossas espectativas". Gostei muito do conto, devo dizer, Elara. Achei conexos, de certa forma, o personagem masculino com o protagonista do meu.


Mais ou menos isso. Chegou praticamente no ponto onde eu queria chegar. Mas parece que eu carreguei demais no mistério por trás desse conto. XD

Sim, as personagens, tanto do meu quanto do seu conto, me soaram bastante conexas também.

Obrigada pelos elogios. Seu conto também ficou bem supimpa de ler.

Chero!
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