Livre eternamente

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Mensagempor Elara em 12 Fev 2008, 16:23

Pessoal,

Esse conto é antigo, já foi postado no meu blog e não me lembro se foi postado na antiga Spell. De todo modo, é um texto bastante metafórico.

Chero!

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Livre eternamente


Estávamos no lugar onde o horizonte facilmente poderia ser percebido como uma linha. Era amanhecer e os primeiros raios de sol timidamente tomavam espaço na linha traçada ao longe. Naquele lugar até mesmo o pensamento metafísico se transcendia. Ali apenas a brisa era sentida tocando nossas faces. Era longe não o lugar físico, mas o lugar onde estávamos, além de qualquer lugar descrito pelo homem. E mesmo assim ali continuávamos, corpos físicos inertes no vazio silencioso de nossas mentes. Ele começa o diálogo:

— Por que?

Surpreendo-me com repentina pergunta, mas como de hábito tento elaborar uma resposta audível suficientemente para aquele momento:

— Acho que nenhum deles sabe o valor de uma conquista. É, eles não sabem, eles não devem saber...

O silêncio mais uma vez paira, enquanto meus cabelos serpenteiam com a brisa. Ele continua com o olhar parado, como se tentasse enxergar além da linha ilusória. Eu também tento olhar além, mas para mim era difícil manter o olhar concentrado e linear. Ele retoma:

— E de que valem as conquistas?

Tento não desviar o olhar enquanto respondo:

— Elas estão presentes em nossas vidas. Estamos sempre tentando conquistar algo. Alguns saem vitoriosos, outros não.

Ele parecia não se importar com o que eu dizia e continuou:

— E daí? Há tantos que se esforçam para que outros vençam... Vale se esforçar por quem não merece e não vê o seu esforço?

Eu olho para as nuvens acinzentadas misturando-se ao amarelado trazido pelo sol. Olho aquela aquarela matutina bicolor. Observo as nuances de cada raio penetrando nuvens num momento eterno. Respondo:

— Não, não vale. Mas como saber quem merece seu esforço?

Ele abre os braços como quem quer receber o vento num abraço infindo. Estático nesta posição permanece por alguns instantes, olhando para cima, para as nuvens acima do céu florescendo luminosidade. Por fim, fecha os braços novamente e suspira:

— Tem razão. Mas eu cansei. Por que afinal de contas, existem mais aqueles que inventam intrigas do que aqueles que trazem boas notícias?

Meus pensamentos divagaram por alguns minutos como que para encontrar um argumento. Atravessei as camadas de minhas idéias sem muito encontrar, procurei por algo plausível para falar, mas tudo parecia inútil naquele momento. Contentei-me em dizer:

— É, se todos soubessem o mal que uma única palavra pode causar quando utilizada na hora errada... Mas eles não sabem, eles não devem saber...
— Deve existir pessoas conscientes.
— Sim, mas são poucas, como eu e você.
— Um dia quero conhecer alguém assim...
— Mudou sua idéia?
— Não.
— E como pretende fazê-lo?
— Não sei. Deve haver algum modo. As pessoas encontram modos de mentir, ser desonestas, inescrupulosas, arrogantes... E eu não posso conhecer alguém consciente?
— Arranjaremos isso...
— E toda essa mediocridade? Societá? Francamente!

Eu começava a ficar impaciente, mas preferi manter a cordialidade e continuar o diálogo da forma mais gentil que poderia parecer-lhe. Balancei a cabeça com veemência e, olhando para o lado oposto ao dele, respondi:

— Medíocres todos eles são. Não podemos culpá-los por isso. Eles não sabem, eles não devem saber...

E paramos mais uma vez de dialogar por algumas horas. Por minha cabeça passavam muitas coisas além das nuvens. Mistérios da vida, mistérios da identidade, mistérios dele que não tinham solução. O sol já ia alto e esquentava nossa tez quando repentinamente ele virou-se e olhando nos meus olhos, disse:

— Eles não sabem, eles não devem saber...

E dizendo isso foi livre. Eternamente.

Eu recolhi-me, voltando aos meus infelizes afazeres. Não quis ficar para observar o restante.

Afinal, era uma longa queda do 18º andar.

(Elara Leite)
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Mensagempor Lady Draconnasti em 12 Fev 2008, 17:24

Sim, eu lembro desse conto. Muito bom e bem reflexivo. Aqui você usou muito bem da metáfora do suicídio.
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Mensagempor faprasem em 13 Fev 2008, 13:40

To com cara de bobo aqui.

Imagino que na literatura, assim como na música, existam milhares de pessoas talentosas por aí, que só descobrimos por acaso. E a Elara não é apenas talentosa, é MUITO talentosa.

Um abraço, Faprasem
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Mensagempor Elara em 13 Fev 2008, 16:52

Nastiiii,

Valeu pelo elogio.^^ Ainda mais vindo de você =)

Faprasem,

Que saudades de você, rapaz! Como vai meu Fapramigo favorito? XD

o.O

Encabule não, viu? Sou essas coisas todas nem de longe. :roll:

Chero pra todos!
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Mensagempor Ermel em 17 Fev 2008, 23:07

Olá!

Apesar do dialogo, eu poderia jurar que o 'policial' era alguem mais emocional. Algo como que, quando ele se jogasse, o socorreria, ou ficaria chocado. Mas a frieza dele foi de certo modo previsivel, para quem, talvez, trabalhe assiduamente com coisas desse tipo. Não que tire o merito, ao contrario, da para extrair muito mais do que um belo dialogo e texto como esse Elara. Uma boa reflexão, um otimo conto.

Meus sinceros parabens e um grande³ chero!
"And the question is
Was I more alive then than I am now?
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I laugh more often now
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I am more me!"
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Mensagempor Elara em 18 Fev 2008, 13:02

Policial????

Taí uma interpretação que eu nunca imaginaria. Pow, gostei dessa idéia. :roll:

A verdade é que todo o conto é uma grande metáfora.^^

Chero!
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Mensagempor laharra em 20 Fev 2008, 01:44

Lindo momento captado por palavras. Um ótimo texto para se perceber que não é preciso escrever demais para se passar uma mensagem.

As palavras estão muito bem dispostas, principalmente no final. Dão poesia ao clímax. O modo como o narrador se perde divagando nos mistérios da vida, a mescla com a descrição do cenário, e o suicida repetindo as palavras.

O fato do narrador voltar aos seus afazeres, no final, e o diálogo sobre conquistas dá para se ter algumas idéias. Na verdade, pelo fato de você (e eu também) ser jornalista, a metáfora poderia ter algo a ver com isso? Na hora em que tem: "É, se todos soubessem o mal que uma única palavra pode causar quando utilizada na hora errada... Mas eles não sabem, eles não devem saber..."

Isso deve ter sido uma pista. Algo a ver com a pressão do dia-a-dia :cool: Espero uma resposta.

Parabéns pelo conto, Elara. Abraços.
Tentando encontrar inspiração para terminar o conto abaixo:
O Som do Silêncio: Parte IV - A decisão
Reger está às vésperas de uma batalha onde decidirá seu futuro. Durante o que podem ser seus últimos momentos com a Espada e com Alyse, ele se pega pensando sobre a validade de suas aspirações. Acompanhe o conto no link a seguir:
http://www.spellrpg.com.br/forum/viewtopic.php?f=24&t=1067
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Mensagempor Elara em 20 Fev 2008, 15:42

Lindo momento captado por palavras. Um ótimo texto para se perceber que não é preciso escrever demais para se passar uma mensagem.


Rapaz, com essa história de jornalismo, meus textos ficam cada dia menores e mais densos, se é que me entende. :bwaha:

As palavras estão muito bem dispostas, principalmente no final. Dão poesia ao clímax.


Uma coisa que eu costumo primar nos meus textos mais filosóficos é o toque poético.^^

O fato do narrador voltar aos seus afazeres, no final, e o diálogo sobre conquistas dá para se ter algumas idéias. Na verdade, pelo fato de você (e eu também) ser jornalista, a metáfora poderia ter algo a ver com isso? Na hora em que tem: "É, se todos soubessem o mal que uma única palavra pode causar quando utilizada na hora errada... Mas eles não sabem, eles não devem saber..."

Isso deve ter sido uma pista. Algo a ver com a pressão do dia-a-dia


Sim, sim, tudo a ver com as pressões do dia-a-dia. Mas não exatamente no âmbito profissional, embora esta interpretação também possa ser aplicada.

O conto é uma metáfora filosófica. Veja as duas personagens como parte de um todo. =)

Obrigada pelos elogios, Laharra. Sua opinião conta muito. Aliás, depois queria trocar umas figurinhas profissionais, pode ser?

Chero!
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Mensagempor Seth em 20 Fev 2008, 17:20

Eu achei o conto lindo, Elara, e bem desenvolvido. Não tenho muito mais o que falar, mas a metáfora me agrada profundamente.
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Mensagempor Elara em 21 Fev 2008, 16:15

(teclado bichado)

Seth,

Obrigada pelos elogios. Na verdade, apesar das duas personagens serem diferentes entre si, elas sao como uma soh, percebe?

Chero!
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