Penas&Espadas: O Retorno

Mostre seus textos, troque idéias e opiniões sobre contos.

Moderadores: Léderon, Moderadores

Penas&Espadas: O Retorno

Mensagempor Lady Draconnasti em 27 Ago 2007, 20:36

Sim, aqui também, mas será apenas um compacto para oficializar a transferência do evento para cá.

Dahak:
Senhoras e senhores, é com muito orgulho que anuncio que a arena virtual regressa ao seu lar e ao seu povo.

Os gladiadores?
cool.gif
O tema?
cool.gif

Tudo uma questão de tempo para revelarmos como será esse retorno.
Por ora, acomodem-se, procurem os melhores lugares, apreciem o doce cheiro que se instala novamente em Contópolis/Contonópolis.

"Caminhar por esse corredor novamente traz uma soberba mistura de sensações: sinto minha pele arrepiada, a expectativa de reencontrar o público, subir outra vez na arena, conhecer os embatentes e apreciar cada detalhe até a esperada hora de anunciar o vencedor.

O silêncio na arena não era mais presente, ouço, sinto o furor de outrora. O retumbe incessante está cada vez mais próximo, agora faltam poucos passos para me deparar com mais um duelo, este, no entanto, com sabor de primeira vez.

Esse velho juiz não é mais como antes, mas essa expectativa não difere de anos atrás.
Ah, essa expectativa..."

Draconnasti:
- É chegado o momento de conhecer os participantes. - A dragoa vermelha anuncia pelo microfone após terminar de conferir os equipamentos: espadas, escudos, armaduras, itens mágicos, os tinteiros e... as penas, óbvio...

Rufam os tambores imperiais de Contonópolis/Contópolis (melhor oficializar logo esse nome, majestade Dahaketada). Magicamente, a Lady Draconnasti surge no campo de batalha, com suas asas rubras abertas, dizendo com voz forte e soberba:

- Criador das brumas que vagam pela noite repleta de seres místicos que anseiam pelo sangue e pelas almas dos vivos. O verdadeiro pai de Athos e Kestalus, aquele que nos trouxe contos (mesmo que apenas dois) de nossa mitologia brasileira de uma forma pouco usual e muito interessante. À vocês eu apresento Sombra!

Ela faz uma pausa solene antes de prosseguir.

- Do outro lado de nossa arena, sangrentas batalhas já foram contadas por este mensageiro da guerra. Mestre dos mais odiados e adorados do momento, Theodor e Sean. O gladiador que nos trouxe contos históricos cuja leitura, embora muito longa em algumas partes, não se torna enfadonha com facilidade. Com vocês, Lobo Branco!

Sombra:
Eis que uma sombra furtiva surge na arena e se ergue tridimensionalmente, gerando uma forma humanóide de estatura baixa, pele clara, cabelos pretos compridos e vestindo um manto negro como a noite. Estendeu a mão direita, empunhando uma longa pena escura, e apontou-a para o outro lado da arena.

Mesmo diante de um combate, não conseguia deixar de sorrir. Tal confronto havia sido previsto e adiado há eras. Seu oponente era um dos mais terríveis com quem poderia confrontar. Ainda assim, ele sorria. Alegria e nervosismo o faziam sorrir. Apesar da dificuldade que enfrentaria, estava satisfeito, pois o oponente era um amigo a quem aprendera a admirar desde a primeira vez que vira sua selvageria e sabedoria bélica demonstradas por Aquele-que-cavalga-a-tempestade. Quando falou, sua voz saiu sussurrada, mas pode ser ouvida perfeitamente, apesar das distâncias.

"Te chamei assim uma vez e volto a repetir: Tu és um monstro, Lobo. E eu sou um louco de ter aceitado batalhar contigo, porém, não podia recusar tal honra. Então já que estou aqui, lhe digo: Se ousar pegar leve comigo, nunca lhe perdoarei".

O sorriso nervoso ainda estampado na face, enquanto se lembrava de Hadagast, Theodoro, Kareem, Sean... Pediu mentalmente à sua Trindade para que estivesse pleno de suas habilidades durante o combate. Não queria passar vergonha.

Lobo Branco:
Apartir dos portões que davam acesso a arena, vinha caminhando um jovem com passos mansos.

Mantinha suas mãos nos bolsos do shorts azul claro, com estampa florida. Uma camiseta branca, com um sol vermelho escorrendo e a sombra branca de um golfinho ao centro. Nas costas havia a mensagem " Japão, por favor, pare a matança".

Estava descalço, e tinha uma tornozeleira - no tornozelo direito - trançada de lã, com fios negros, rosas e brancos. Parecia bastante velha, já que nenhuma cor era claramente estas ditas. No punho direito, havia - tambem bastantes gastas - duas fitas do Senhor do Bonfim. Preso ao pescoço o jovem trazia dois colares de conta - um com pequenos "coquinhos" escuros, que caia até proximo ao seu peito eo outro com contas diversas, mais rente ao pescoço. Tinha também um escapulario prateado.

Sua pele era branca, porém, não tão alva quanto a mascara de lobo que ele trazia - uma mascara deveras real. A mascara tampava sua face apartir do nariz, deixando o queixo com uma barba por fazer, com algumas falhas. Os olhos por trás da mascara não eram olhos humanos, e sim selvagens olhos lupinos. Na ponta do fucinho da mascara, havia um óculos meio torno, gasto.

O jovem portava um belo sorriso, meio oculto. Ele observava a surpresa de alguns ao vê-lo entrar, esperavam outra pessoa talvez.

- Oi povo. - disse, acenando, revelando uma chave presa ao dedo - Err, bem, vocêss devem esstar penssando que eu entrei aqui de ousado, ou apenas curioso, mass é que, eu sou eu. - sorriu coçando a cabeça.

- Ssabem, eu geralmente ando por ai com uma pele de lobo, fungando, rossnando, latindo e tudo o maiss, porém, depoiss de doiss anoss usando a messma indumentaria, bem, ela tende a ficar ssuja e essquentar a beça. Além do que, vocêss não ssabem como é dificil escrever com a boca, ou com patass.

O jovem olhou todos o olhando. Coçou a barba, pigarreou.

- Bem, me dessculpem a demora. - sorriu - Meu deuss, Nasty, minha querida, você precisa me enssinar fazer uma chamada dessas, apossto que eu consegueria alguns comentarioss a maiss. E ai Chefe - diz acenando p/ Sombra - Relaxe, não pegarei leve, sabe, eu aprecio meu bem esstar fisico, darei meu maximo, esstou até com mãoss. - sorri - Cara, eu devia ter vindo de lobo, o cara chegou das sombras, maior pressão, eu vim andando de maresia, já era meu fator intimidação. - sussurrou para sí.

Ele caminha p/ perto da dragoa, sussurrando de canto de boca.

- Minha senhora, caso o bixo pegue eu possso criar uma lua cheia, virar um lobisomem, morder ele, entrar na umbra e trazer fantasmass avidoss de criatividade que fica lá no bossquinho que eu moro? - sorriu, se encolhendo com o olhar da dragoa - Ainda bem que estou sem rabo.

Voltou, pegando a pena do bolso. Pensava em dêmonios, tentaculos de sombra, garotas mudadas por fadas - que "Ele" jurava não ser - baitata, saci, mula, vampiros, maça, pesadelo, Sephiroth, Batman...

Balançou a cabeça, rosnando levemente, pensar naquilo não o ajudaria se concentrar. Lembrou do destino de um personagem nervoso antes do primeiro duelo. Balançou com mais afinco a cabeça, tentando afastar esses pensamentos.

- Bem, cá esstamos. Qualquer coisa chefe, eu tomei anti-rabica. - pensou que a frase ficou estranha. Pediu intimamente por cavaleiros antigos e inspiração divina provinda de gigantes do passado e presente.

- Esspero que minha oferenda no bossque impeça que os fantassmas de lá me influenciam, ou que eu crie mais deles, e que "painho" Dumas, olhe por mim. - ergueu a cabeça então, uivando que nem um doido selvagem.

- Pronto, agora esstou pronto. - sorria, e mais uma vez agradecia por estar sem cauda para não demostrar sua euforia.

Dahak:
Pessoas, hora de apresentar as regras do embate:

- Os contos deverão ser pertinentes ao tema ou a introdução vigente àquela edição do Penas.

- Cada embatente terá direito a duas semanas a partir da postagem do tema para concluir seu conto.

- Os contos deverão necessariamente serem enviados para os organizadores do Penas (no caso, Nasty e eu) via MP e não poderão ser postados no tópico até segunda ordem.

- Os contos, tão logo sejam enviados a nós, não poderão sofrer alterações. A postagem neste tópico deve ser idêntica a cópia que teremos recebido previamente.

- A partir do momento da postagem estará aberta a votação, esta que também deve se dar via MP. Um único voto por usuário. Os comentários, no entanto, podem ocorrer sem limite de número no próprio tópico. Dessa forma os autores podem absorver e crescer com as opiniões de cada um de nós.

- A votação se prolongará por pelo menos 8 dias após a postagem dos contos (como o tema será liberado na segunda-feira, soma-se as duas semanas de prazo para a confecção dos contos além desses oito dias, presume-se que se encerrará dia vinte e oito) até as 18:00 horas.

- O limite de cada conto é de 3000 palavras. Se esse limite for excedido, o participante será penalizado em um voto a cada 20 palavras excedentes, portanto, trabalhem bem suas versões, para não serem prejudicados.

Draconnasti:
Apenas lembrando que o limite de palavras não incluem os títulos dos contos e nem a introdução que é comum aos participantes.

É chegada a tão esperada hora. Que o duelo tenha início!



O Tema: Maldições

A Introdução:



- Não consigo mais contar as noites que desejei não chegar o amanhã. Perdidos os sonhos e o amor, molhada pela chuva, estou chorando... Mas ninguém me ouve... – Ela disse num sussurro ao qual ninguém conseguiu ouvir. – Por mais que grite e chore lágrimas negras, eu sei que ele não chegará para mim.

Naoe Kanami escondeu o rosto com as duas mãos alvas e frias, manchadas de sangue vermelho e quente, ao ouvir os passos pesados se aproximarem de seu quarto. Medo e vergonha se misturavam enquanto as cores do aposento eram roubadas, restando apenas o desagradável cinza. O amanhecer se aproximava, trazendo consigo a dor daquele dia que nunca terminará para a jovem. O sino novamente ressoava.

Estava condenada a reviver aquilo a cada dia, e condenada a compartilhar seu destino com qualquer um que puser seus pés na casa dos Naoe.
Imagem

Status: Cursed
Alinhamento do mês: Caótica e Neutra
Avatar do usuário
Lady Draconnasti
 
Mensagens: 3753
Registrado em: 25 Ago 2007, 10:41
Localização: Hellcife, 10º Círculo do Inferno

Penas&Espadas: O Retorno

Mensagempor Lady Draconnasti em 27 Ago 2007, 20:38

Conto postado pelo Sombra

– Não consigo mais contar as noites que desejei não chegar o amanhã. Perdidos os sonhos e o amor, molhada pela chuva, estou chorando... Mas ninguém me ouve... – Ela disse num sussurro ao qual ninguém conseguiu ouvir. – Por mais que grite e chore lágrimas negras, eu sei que ele não chegará para mim.

Naoe Kanami escondeu o rosto com as duas mãos alvas e frias, manchadas de sangue vermelho e quente, ao ouvir os passos pesados se aproximarem de seu quarto. Medo e vergonha se misturavam enquanto as cores do aposento eram roubadas, restando apenas o desagradável cinza. O amanhecer se aproximava, trazendo consigo a dor daquele dia que nunca terminará para a jovem. O sino novamente ressoava.

Estava condenada a reviver aquilo a cada dia, e condenada a compartilhar seu destino com qualquer um que puser seus pés na casa dos Naoe.



Culpa


Olhando para aquela velha casa abandonada, o jovem, com idade aparente entre vinte e trinta anos, tirou um isqueiro Zippo do bolso e acendeu um cigarro, enquanto a examinava atentamente com seus escuros e profundos olhos amendoados. Vestia um terno preto, com camisa branca, mas sem gravata, o que, juntamente com seus cabelos pretos despenteados, lhe dava um ar meio desalinhado.

– É um ótimo terreno, Karasu-san. E está com um preço realmente muito bom. – Disse, nervosamente, a corretora de imóveis que o levara até ali para conhecer a casa, enquanto destrancava o portão. Não sabia se o nervosismo dela era por culpa dele ou das histórias que ele ouvira sobre a construção. Talvez as duas coisas. Ela parecia bem feliz por ele estar ali. Devia estar achando que Karasu Yoru, com seu ar estranho e mórbido, se sentiria em casa, na antiga propriedade dos Naoe.

Os dois adentraram à propriedade, enquanto Yoru seguia ignorando os comentários de sua acompanhante, cujo nome nem se lembrava direito. Yamamoto? Talvez. O jardim estava abandonado e descuidado, não sabendo a quanto tempo fora largado à própria sorte. Quando a mulher abriu a porta da casa, ele pode sentir o frio que emanava lá dentro. Soube instantaneamente o que era aquilo. A marca do Yomi na Terra. Um local onde dois mundos se encontravam. Um lugar assombrado.

– O que me diz sobre as histórias que ouvi sobre youkais vivendo nesta casa? – Yoru disse, dando uma tragada, enquanto examinava a velha casa. A corretora parou por um instante, como se pega de surpresa. Ele podia sentir o abandono do local, mesmo ainda estando de dia. Durante a noite, devia ser um lugar bem assustador.

– Bem, senhor Karasu... É verdade que ocorreram mortes nesta casa. Mas também ocorreram em inúmeros outros lugares. Nós praticamente andamos encima de ossos e sangue de pessoas do passado. Nem por isso, temos youkais espalhados por aí. O problema é a forma como os boatos se espalham e criam histórias e crendices.

– E eu aqui louco para ver youkais de verdade... Mas dizem que só aparecem à noite. Estou muito interessado nesta propriedade, mas gostaria de vê-la sob a luz da lua. Creio que não será um empecilho, será?

– Cla-claro que não, Karasu-san! Empecilho nenhum. Eu só não poderei lhe acompanhar, mas pedirei para alguém fazê-lo. – Ela disse, feliz pela possibilidade de finalmente se livrar daquela maldita casa.

– Seria ótimo. Eu estarei aqui novamente às dez da noite, tudo bem?

– Dez? Ok, haverá alguém lhe esperando em frente ao portão neste horário.

– Se preferir, pode deixar as chaves comigo e venho sozinho. – Ele disse enquanto observava uma janela, soprando fumaça para o ar e tornando o ambiente ainda mais desagradável.

– Não, está tudo bem. Não há problema nenhum, Karasu-san. – Ela disse temerosa, imaginando o que aquele sinistro homem pretendia. A casa fria e escura só intensificava a estranheza emanada dele. Mas por mais assustador que ele fosse, ainda era um comprador pra casa dos Naoe. Tinha de se lembrar disso.

– Ótimo. – Karasu Yoru disse com um sorriso discreto no rosto, enquanto se dirigia para a saída, sem dar maiores esclarecimentos.

---------------------------------------------------------------------------------------------------

Kanami sentiu a chegada da noite, enquanto o cinza dava lugar às parcas cores que resistiam naquele mundo. As brumas, que tomavam tudo durante as horas do dia, já haviam se dissipado quase totalmente. Era noite uma vez mais. Era chegada a hora dos mortos...

Ela saiu de dentro do velho armário que havia usado como esconderijo, pouco depois de ver os vivos visitando sua casa. Aquele estranho homem disse que viria novamente, às dez da noite. Estava interessado em youkais. Estava interessado nela. Algum idiota se metendo com coisas que não compreende. Visitar a casa dos Naoe não era uma boa idéia. Os mortos sabiam disso e até os vivos já haviam aprendido a temer o lugar.

Kanami apanhou seu bastão e saiu, para caminhar um pouco, enquanto podia. No Yomi, as ruas e casas se mostravam mais velhas e decrépitas do que eram realmente. A morte tomava tudo num doentio reflexo distorcido do mundo dos vivos. Naquele horário, ainda havia pessoas nas ruas. Ela não era vista, mas podia vê-las pulsando com vida em abundância, enquanto suas conversas e risos ecoavam, como se estivessem distantes, devido ao véu que separava os mundos.

Quatro pássaros negros, parecidos com corvos, porém, com olhos vermelhos brilhantes e maliciosos, esperavam pacientemente sobre a casa de Tanaka-san, um velho morador daquela rua. Com o tempo, ela aprendera que os misteriosos Shinigamis estavam sempre próximos de pessoas cujo tempo de vida estivesse no fim. Como arautos da morte, estavam sempre presentes quando alguém morria, voando em bandos pelos céus do sombrio Yomi.

Kanami caminhou, com tristeza no olhar, sabendo que, em pouco tempo, teria de voltar para casa, novamente. Ele estaria lá, como sempre. E ela também teria de estar. A casa tinha de ser protegida. Naquela noite, depois de muito tempo, receberiam um visitante.

---------------------------------------------------------------------------------------------------

Sato aguardou durante quase duas horas, na frente da sinistra casa dos Naoe. Chegara cedo, como aconselhado, para não fazer o possível comprador esperar, porém, ele nem chegara a aparecer. Irritado e assustado, finalmente decidiu ir embora, enquanto xingava mentalmente o sacana esquisito que inventara a estupidez de visitar aquele lugar à noite.

Karasu Yoru agradeceu quando Sato finalmente decidiu ir embora. Aparentemente, queriam mesmo vender a casa, pois o coitado esperou bastante, mesmo estando visivelmente incomodado com aquilo. Depois que seu pretendente a acompanhante partira, Yoru saltou o muro e se dirigiu até a janela que havia destrancado, em sua visita diurna. Não conseguira convencer a corretora a deixar as chaves com ele, por isso agia daquela forma não muito agradável, mas igualmente eficaz.

À noite, o frio do lugar era ainda mais intenso. Felizmente estava agasalhado, apesar das roupas não impedirem o calafrio que subia por sua espinha, sempre que se envolvia com o Yomi. A sensação de abandono e desespero eram quase palpáveis, ali dentro. Sons de passos podiam ser ouvidos, devido ao contato com o chão, e a sensação de estar sendo observado era fortíssima. Olhando para o Outro Lado, podia ver o quanto aquele abandono fazia mal a casa, pois a morte impregnava cada canto, infestando-o com mofo, rachaduras, teias de aranha...

A fraca luz da lanterna quase não iluminava nada, como se a escuridão que imperava naquela propriedade não aceitasse ser violada pela luz trazida pelo invasor. Ele acendeu um cigarro e começou a subir as escadas, tendo a impressão de que ouvia algum barulho vindo de um quarto no andar de cima. Um sussurro ou choro, talvez. Um youkai.

---------------------------------------------------------------------------------------------------

Naoe Kanami estava novamente em seu quarto, como das outras inúmeras vezes. Agradecia pelo visitante ter, aparentemente, mudado de idéia e cancelado a vinda naquela noite. Porém, mais uma vez, como sempre acontecia naquele horário, ela pôde escutar passos furtivos vindo na direção de seu quarto. Como das outras vezes, ela nunca tinha como saber quem era, até que fosse tarde demais. Lágrimas escorriam de seu rosto, enquanto se perguntava por que estava ali. Porque não foi para o Makai, sofrer torturas pagar por seu crime? Porque seu castigo tinha de ser tão horrível?

Escondida atrás da porta, Kanami a viu ser aberta mais uma vez, tendo já perdido a conta de quantas vezes aquilo já havia acontecido. Ela viu, como sempre acontecia, um homem entrar procurando por ela. E, pela enésima vez, ela ergueu o bastão e atacou a cabeça do invasor. Porém, desta vez fora diferente.

---------------------------------------------------------------------------------------------------

Yoru abriu a porta e adentrou um dos quartos, de onde pudesse estar vindo o barulho que ouvia. De repente, sentiu novamente o calafrio característico percorrer sua espinha e se jogou no chão, rolando e se virando, apontando o facho de luz da lanterna com uma mão e um amuleto que trazia amarrado à outra. A fraca iluminação foi o suficiente para que ele reconhecesse aquela garota pálida, de cabelos negros, olhos amendoados profundos e incrédulos, marcas no pescoço e um bastão nas mãos. Ela parecia estar mais assustada que ele. Naoe Kanami...

– Om tare tütare ture soha! – Yoru disse apontando o amuleto em direção a ela jogando-a contra a parede com uma força invisível. Ao se chocar e cair no chão, o bastão escapou de suas mãos, rolando pelo chão do quarto. Ele ainda se perguntava se ela conseguiria atingi-lo com aquilo, mesmo estando no Yomi, mas não estava disposto a descobrir.

Tirou giz e velas de dentro do bolso do casaco e desenhou um círculo no chão, colocando as velas ao redor dele e acendendo-as. A garota o olhava assustada, enquanto ele recitava um mantra, estando posicionado dentro do círculo no chão. Era o visitante que ela acreditou ter desistido. Era um homem estranho. Podia vê-la, evitou seu ataque e, com algumas palavras, a jogara contra a parede. O que ele queria ali?

– Você é Naoe Kanami, assassinada pelo pai, Naoe Akira, considerado perturbado mental, fugitivo do manicômio em que estava internado e morto neste mesmo quarto, por Yoshida Ichiro, na época, seu padrasto. Estou certo? – Ele perguntou, enquanto acendia outro cigarro e a fitava com um olhar assustador. Nem parecia ser ela a youkai. Yoru adorava aquela inversão de papéis.

– Não... Eu sou Naoe Kanami, mas você está errado quanto ao resto. Quem é você? Como pode me ver? – Ela perguntava sem acreditar que aquilo estava acontecendo. Seu rosto, ainda molhado em lágrimas, expressava incredulidade.

– Temos a noite toda, Kanami-san. Por que não me conta sua história?

– Você não devia ter vindo aqui. Ele pode chegar a qualquer momento.

– Ele quem?

– Eu. – Disse uma voz grossa vinda da porta aberta, onde estava um homem grande e forte, cuja face trazia selvageria e insanidade. Aquele sim, devia ser o youkai que Yoru procurava. Pela expressão, devia ser Naoe Akira, o louco que assassinara a própria filha.

Kanami gritou e ainda tentou apanhar o bastão caído no chão, mas o homem fora mais rápido e saltara sobre ela, segurando-a. Yoru assistia a tudo aquilo, impassível. Provavelmente, veria a morte da garota, nas mãos do próprio pai. Fora um evento tão dramático para ela que a levou ao Yomi. A decepção e o desespero que sentira na hora da morte a prendera na casa, condenada a relembrar aquilo toda noite. De acordo com os registros que lera, ela morreu estrangulada. O homem que a agarrava no chão, naquele momento, estava tapando sua boca e a molestando. Não se lembrava de ter lido nada sobre estupro. Deu mais uma tragada no cigarro, antes de interferir.

---------------------------------------------------------------------------------------------------

Kanami gritara em desespero, pois desta vez ela não conseguira acerta-lo. Ele saltara sobre ela, segurando-a e tapando sua boca para que não gritasse. Lágrimas vertiam de seu rosto pálido, enquanto ele a segurava com força e se aproveitava de seu corpo imobilizado. O maldito visitante assistia a tudo sem esboçar reação. E a culpa, naquela noite, era dele, por tê-la distraído.

– Você é minha, Kanami-chan! – Dizia o monstro sobre ela, enquanto ela ainda tentava, inutilmente, lutar. E o desgraçado continuava lá, fumando seu estúpido cigarro. Ela o olhava, suplicando em silêncio e pranto, mas recebia apenas frieza como resposta. Desta vez, o monstro teria até platéia, aumentando sua vergonha e dor. Mais uma vez, ela implorava por ajuda, sabendo que não chegaria nenhuma. Felizmente, ela estava errada.

– Om tare tütare ture soha! – O monstro voara de cima da garota, se chocando contra a parede e olhando furiosamente para Yoru que ainda apontava a mão com o amuleto amarrado. A face daquele homem parecia monstruosa, agora, refletindo a forma como a garota provavelmente o via. A criatura olhou para Kanami, no chão, bufou e correu pela porta do quarto, desaparecendo na escuridão da casa.

– O-obrigado. – Ela disse, se recompondo como podia. Yoru continuava impassível.

– Você disse que eu estava errado. Então aquele não era Naoe Akira, seu pai. Quem era?

– Yoshida Ichiro, meu padrasto. – Ela disse, sem cessar o choro, e então contou-lhe o porquê de estar ali.

Em prantos, relatou como seu pai foi considerado perigoso injustamente, como o maldito padrasto dominou a vontade de sua mãe e como ela passou a ser perseguida por aquele monstro. Pedira ajuda para a única pessoa que podia fazer algo: seu pai. E ele disse para ela lutar. Ela chorou de vergonha, pois não era forte como ele, mas ao chegar em casa e ver aquele monstro sorrindo para ela, decidiu lutar, mesmo não acreditando na vitória. Naquela noite, ela o esperou, escondida atrás da porta. Quando ela se abriu e um homem adentrou no quarto, Kanami concentrou no bastão em suas mãos toda sua força, toda sua raiva, todo seu rancor e acertou a cabeça do invasor, que chegou ao chão morto. Porém, ao ver pelo que a filha estava passando sem poder se defender, Naoe Akira decidiu agir. Naquela noite, quatro enfermeiros foram mandados para o hospital, ao tentar deter a fuga daquele insano perigoso. Porém, ao chegar no quarto de sua filha, fora traído por seu próprio conselho.

Kanami caiu em prantos ao descobrir que tinha matado o próprio pai. Yoshida Ichiro ouviu os barulhos e chegou rapidamente ao quarto de sua enteada. Ao constatar que a maldita fizera aquilo pensando ser ele, estrangulou-a até a morte e alegou às autoridades que Akira tinha assassinado-a e ele o teria matado tentando salva-la. Yoru ouviu tudo atentamente, sem esboçar reação alguma. A garota continuava em prantos, devido ao inferno que ela mesma tinha criado. Apesar de não demonstrar, o desejo dele era conforta-la, mas sabia ser impossível. Kanami estava no Yomi e, no máximo, sentiria o calor da vida de seu corpo relembrando-a que ela estava morta. Era melhor para ela que mantivesse distância.

– Você não seguiu o conselho de seu pai. – Yoru disse, pegando a garota desprevenida.

– Co-como disse?

– Você o matou. Tem o sangue dele em suas mãos. Se culpa por isso toda noite e, mesmo assim, ignora o conselho que ele te deu. Você não lutou. Tem um homem lá fora que tem o SEU sangue nas mãos e está impune. Graças a ele, todos pensam que seu pai te matou, quando foi ele. Se quer culpar alguém, culpe ele!

– Mas... Eu tenho de lutar com ele toda noite...

– Você luta com uma maldita lembrança! Você mesma se amaldiçoou! Ficou aqui se lamentando, enquanto o bastardo ficou impune. Acho que já está na hora de mudar.

– Mas eu não posso deixar a casa... E aquele monstro... Aquela... Lembrança... Continuará atrás de mim.

– Ele também está preso à casa, mas não tem vontade própria. Você o criou e você pode destruí-lo. E em pouco tempo, não haverá uma casa para você ficar presa. Eu comprei o terreno e vou demolir tudo. É bom se mudar logo, pois não quero youkais na minha propriedade. – Yoru disse tirando um caderninho do bolso, arrancando uma de suas páginas e jogando-a no chão, próximo à garota.

– Antes de vir aqui, eu pesquisei o passado e o presente deste local. Este é o endereço atual de seu padrasto. Acho que ele vai gostar de uma visita sua. – Disse, jogando a bituca de cigarro no chão e apanhando as velas, devolvendo-as aos bolsos.

---------------------------------------------------------------------------------------------------

Com o baixo preço do imóvel, Yoru fez um ótimo negócio, bastando dar um tempo para que as histórias fossem esquecidas e a propriedade se revalorizasse. Voltou a buscar pessoas e youkais problemáticos. Ouvira falar de um Akuma ao sul. Devia ser mentira, mas não custava averiguar. Repassando sua vida em mente, chegou a conclusão de que, para quem via o Yomi desde criança, sofrendo preconceitos por seu jeito estranho, estava se dando muito bem.

Yoshida Ichiro acabou internado como louco, depois de receber constantes visitas de sua enteada, que decidira usar contra ele o medo que ela sentira por tanto tempo. Naoe Kanami o acompanhou até o manicômio e até o visitou algumas vezes, mas tinha de evitar aquele lugar. Youkais perigosos assombravam a área. Por isso, passou a acompanhar e proteger sua mãe, Naoe Yoko, que, após perder toda a família, não estava muito bem.

No alto de um prédio, dois homens vestidos de preto e portando máscaras monstruosas observavam a cidade noturna. Uma fraca garoa caía sobre o guarda-chuva, enquanto Naoe Yoko caminhava, sem saber que era observada. Os dois pareciam jovens, com pele clara e escuros olhos amendoados. Um era alto, forte e possuía um cavanhaque negro, enquanto o outro era mais baixo e tinha o rosto liso.

– Satisfeito, Akira? – Perguntou o mais baixo.

– Sim, Sensei. Obrigado.

– Então, vamos. Os Gwai Wang nos esperam. – Ele disse, colocando sua máscara no rosto e saltando do prédio, desaparecendo na escuridão da noite e sendo seguido por seu pupilo, Naoe Akira, que sorria por trás da máscara. Sua filha fora salva da maldição que ela mesma criara. O Povo das Sombras não podia se envolver diretamente, mas jogar as informações corretas para Karasu Yoru tiveram o resultado desejado. Se misturou às trevas e acompanhou seu mestre rumo à batalha contra os monstros vindos do Makai para prejudicar a humanidade.
Imagem

Status: Cursed
Alinhamento do mês: Caótica e Neutra
Avatar do usuário
Lady Draconnasti
 
Mensagens: 3753
Registrado em: 25 Ago 2007, 10:41
Localização: Hellcife, 10º Círculo do Inferno

Penas&Espadas: O Retorno

Mensagempor Lady Draconnasti em 27 Ago 2007, 20:44

Conto postado pelo Lobo Branco


O Acordo


por Breno “Lobo Branco” Brito


- Não consigo mais contar às noites que desejei não chegar o amanhã. Perdidos os sonhos e o amor, molhada pela chuva, estou chorando... Mas ninguém me ouve... – Ela disse num sussurro ao qual ninguém conseguiu ouvir. – Por mais que grite e chore lágrimas negras, eu sei que ele não chegará para mim.

Naoe Kanami escondeu o rosto com as duas mãos alvas e frias, manchadas de sangue vermelho e quente, ao ouvir os passos pesados se aproximarem de seu quarto. Medo e vergonha se misturavam enquanto as cores do aposento eram roubadas, restando apenas o desagradável cinza. O amanhecer se aproximava, trazendo consigo a dor daquele dia que nunca terminará para a jovem. O sino novamente ressoava.

Estava condenada a reviver aquilo a cada dia, e condenada a compartilhar seu destino com qualquer um que puser seus pés na casa dos Naoe.

Lentamente, com um mórbido rangido, ela pode ver a porta se abrir, revelando a macabra silhueta de um velho de olhos amarelados cheios de lasciva. Sua pele rachada, lábios finos e tortos, abertos em um sorriso, revelando dentes mal formados.

A jovem se encolheu contra a parede, não mais sentia os punhos, e sorria ao imaginar que não mais iria sentir o toque do velho que avançava a curtos passos em sua direção.

As mãos ressecadas do velho, tocaram os punhos sangrentos de Naoe, os apertando, a puxando para si, enquanto ele sentava na mesma cama que a garota usava antigamente para ter bons sonhos.

- Jovem tola. Sabe que isso não a fará fugir do seu destino. – disse ele friamente, enquanto lambia as lagrimas da jovem que desfalecia pela perda de sangue.

(...)


Outro dia se iniciava, mais uma vez a srta. Kanami despertava com o soar de seu celular. Não mais havia o entusiasmo das novidades que o dia traria, ou a esperança de que seus pais voltassem de viagem e a salvassem das ações de seu avô. Apenas abriu os olhos, os deixando transbordar de lagrimas pela dor, que nem a morte podia salvá-la da situação de repetir o mesmo dia eternamente junto às depravações que o velho fazia a ela.

Tentou juntar forças para erguer-se, podia matá-lo, como já tinha tentado antes, mas sempre se mostrou inútil. De alguma forma ele sabia, e no próximo dia, ele a trataria pior e garantiria que ela lamentasse por isso.

A mesma dor de sempre, o mesmo toque gelado de mãos ávidas de vida, em busca de um prazer bizarro.

Sentou-se, não conseguindo conter um grito ao ver a criatura na janela. Viu o reflexo de um homem de cócoras, esquálido, com braços e pernas longas. Mãos esqueléticas, fechadas sobre um báculo, pálidas como a morte. Rosto fino, com grandes olhos vazios, lábios que se estendiam de orelha a orelha. Tinha pintado no rosto um sol e uma lua, o dividindo ao meio. E era assim que se vestia.

A metade direita, tinha detalhes como chamas, de um dourado vivo, e a esquerda parecia apenas um colante prateado, sem vida. Cabelos negros e quebradiços, caiam-lhe pela face, lhe dando um ar de louco.

Por um breve momento, ela pode sentir o frio dos olhos vazios da criatura caírem sobre seu corpo, mas o abrir repentino da porta o fez sumir, a deixando mais uma vez sozinha com o velho.

- Quão tola é você, minha netinha querida. Não há como fugir, não há como buscar ajuda. Já deveria saber que o que está feito, o que eu fiz por nosso amor, não pode ser vencido pela morte ou por qualquer coisa.. – disse o velho, se sentando sobre a cama, estendendo a mão até a perna da jovem, que se encolhia ao toque do mesmo.

Demorou em ele sair do quarto, a deixando em prantos no chão, limpando o sangue de seus lábios partidos.

(...)


Humilhada, ferida, envergonhada, Naoe se escondia com o lençol, vendo o velho sumindo no corredor à frente, consertando as puídas calças.

- Cadê você? – sussurrou em meio a lagrimas para a janela. – Seja quem for, me tire daqui! – gritou ao nada, não obtendo resposta.

Arrastou-se até o banheiro, se levantando com o apoio da pia. Iria cortar mais uma vez os pulsos. Faria isso todas às vezes ao acordar. Não poderia mais suportar aquela situação.

Seu corpo dolorido, suas pernas tremendo. Mal conseguia ficar de pé, ou se encarar no espelho. Com terror viu a criatura no reflexo, atrás dela.

Ele sorria, um largo sorriso. Seus dentes pontudos e serrilhados como os de um tubarão, seus negros fios de cabelo tampando seus olhos vazios.

A jovem sentiu falta de ar, e não mais sentia o chão – como se afundasse no mais frio e profundo lago. Logo fora tomada pela escuridão.

Acordou horas depois, deitada no chão gelado do banheiro. No teto, novamente de cócoras, estava a criatura a observá-la. Mantinha o sorriso nos finos e tortos lábios.

Naoe piscou varias vez, imaginou-se louca. Depois, por nervosismo, sorriu de volta a criatura, que ficou de pé, revelando ter mais de três metros de altura. Ele girou o seu báculo, o deixando de cabeça para baixo em relação a ele.

O equilibrou no chão gelado do banheiro, depois estendendo seus longos braços, tocando suas esquálidas mãos no chão, como se plantasse bananeira. Com um arcar de corpo, ele levou seus pés até o chão, como se fizesse uma ponte.

Indo contra as leis da física, ele pôs de pé. Do alto de seus três metros, pareceu encarar a jovem Naoe, que o observava boquiaberta.

Girou seu báculo, fazendo o cabelo da jovem balançar levemente. Apoiou sobre o ombro, o arrastando na parede suja do banheiro. Estendeu seu rosto até próximo do rosto da jovem, o inclinando levemente, como um animal selvagem que analisa o desconhecido.

Estendeu mais o sorriso sinistro, colocando a língua fina, comprida e negra para fora, se aproximando do lábio ferido da jovem.

Naoe fechou os olhos com força, sentindo o frio toque nos lábios. O cheiro acre da saliva da criatura tomou suas narinas, a fazendo recuar, tocando suas costas nuas contra a pia.

- Acre sangue, doce dor. Dela me atraíste, luxuoso farol cintilante. Darei-te os céus, ficarei com os Sonhos. – disse com a voz aveludada, soando no intimo do ser da jovem oriental. Soava como se cantada, rítmica, ninando os ouvidos.

Naoe tremeu ao ouvi-la. Abriu os olhos, vendo a criatura ainda curvada, mantendo seu rosto próximo ao dela. Ele apertava o báculo, com uma mão, enquanto gesticulava com a outra, tentando encantar a jovem com movimentos lentos no mesmo ritmo de suas palavras.

- Quem é você? – gaguejou Naoe, se prensando contra a pia.

A criatura girou o corpo, sem tirar o rosto da direção da face da jovem. Parecia que seus ossos, se é que ossos tinha, não seguiam as mesma limitações dos outros seres. A olhava agora com a face de cabeça para baixo, com a coluna arqueada em um arco torcido. As mãos juntas atrás do corpo, apoiadas no báculo, que parecia ter em alto relevo um quadro esculpido revelando um picadeiro circense, com um maestro, palhaços, leão e marabalistas, porém, todos eram apenas esqueletos.

- O mais faminto dos artistas. Devorador daquilo que sustenta os poetas. Herói e vilão dos presos a sombras. Nomes não serão ditos, poder não será dado. Alcunhas tenho o bastante para encher mil tomos e ainda faltaria. Quem sou não interessa, apenas sou Circus. – cantarolou o sombrio ser, abrindo mais seu sorriso, revelando melhor seus dentes pontiagudos.

Ela continuou o encarando, encantada pela sua voz, hipnotizada pela sua indumentária estranha, assustada pela sua face cadavérica.

- O que você quer? – sussurrou a jovem, temendo a resposta da criatura.

Circus, fechou sua bocarra. Seu corpo girou, o deixando mais uma vez ereto, sem contorções de seu dorso. Tocou a parede, primeira uma mão, depois um pé, sendo seguido do outro. Com passos largos, estava mais uma vez no teto, de cabeça para baixo, tendo sua face virada para a jovem.

- Anseio por muito. Do singelo dente-de-leão ao cósmico nascer de uma estrela. Assim como quem sou não estas em questão, também a ninguém interessa o que de todo quero. O Guaxinim cantou teu nome, teus desejos têm poder aqui, eles serão saciados no seio que irei oferecer. – disse, voltando a cabeça em direção a porta.

Naoe olhou na mesma direção que ele, vendo o seu avô surgindo no quarto, procurando por ela com olhos obsessivos.

Ela se encontrou sozinha mais uma vez, e logo estaria com o velho a desfrutar de seu belo corpo. Sua dor recomeçaria, sua tortura eterna, condenada pelos anseios do ancião.

Lutou, gritou, implorou. Mais uma vez, suas suplicas de nada adiantaram, apenas conseguindo excitar mais o avô.

(...)


O dia mais uma vez iria se iniciar como muitas vezes o fizera. O toque do celular, tirando a jovem Naoe dos braços do Sonhar.

Porém, desta vez, a primeira coisa que avistou, foi Circus, agachado ao lado da cama, passando sua mão a poucos milímetros de seu corpo, como se o contornasse. Seus olhos vazios, seu rosto inclinado para o lado. Mais uma vez sorria, e tinha o macabro báculo, apoiado no ombro.

- Me abandonou ontem. – disse a jovem, prendendo a respiração, tentando evitar o toque de mais um ser repugnante.

- Nunca com vos realmente estive, nunca a realmente abandonei. – sussurrou Circus, se aproximando do ouvido da jovem.

Ela o encarou, voltando sua atenção para a porta. Por mais estranho que aquilo parecesse, a porta manteve-se fechada.

- Como consegue entrar aqui? Ninguém o pode, assim como ninguém pode sair. Caso ocorra, a pessoa estará perdida em meio ao mesmo fato por séculos a fio. – choramingou Naoe.

- Mais de uma entrada, uma sala sem portas revela. Acordos mal feitos não garantem a segurança d’Aquilo que busco. – sorriu o estranho ser.

Naoe encarou o monstro ao seu lado. Apesar de bizarro, não conseguia sentir realmente medo dele, não conseguia explicar o porque. Isso a assustava mais que o seu largo sorriso e seus dentes pontiagudos.

- Por muito tempo gritei por socorro, é isso que veio fazer aqui? – disse esperançosa, apesar de não saber por que entregava seus anseios abertamente a criatura.

- Atrás de sustento me encontro. Voar deixarei, se alimentado me encontrar. Dois dias se passaram, no Terceiro, respostas serão dadas, pois tudo deve depender de uma trindade. – disse Circus, se endireitando.

- Uma espiral será feita, no próximo dia que esse é, um sim ouvirei. – sorriu, deitando levemente a mão gelada sobre o ventre de Naoe, que tremeu ao toque.

Ela sentiu como se vermes circundassem seu umbigo, algo gelado e viscoso dançando sob a extensão das mãos de Circus.

Contorceu-se, escondendo a face sobre os olhos. Logo não sentia mais o toque de Circus, e se encontrava mais uma vez sozinha no quarto.

Olhou a região onde Circus tinha tocado, vendo ali, uma espiral disforme, marcada em negro. Passou a mão sobre ela, sentindo um sinistro calafrio percorrer sua espinha enquanto sua mão ali estava. Não sentiu nem dor, nem prazer, tomada por uma enorme apatia.

Com suavidade retirou a mão, assustada por ter perdido tanto com um mero toque.

Encarou a porta por um breve momento, erguendo-se logo depois para poder se vestir. A sensação do toque de Circus não a abandonava, a ponto de que foi surpreendida pelo abraço do velho, que procurava a jogar no chão, enquanto lambia avidamente seu pescoço e orelha.

Com surpresa Naoe viu o velho estagnar, se afastando logo em seguida. Ele começou a se debater assustado, como se tivesse algo andando sobre seu corpo. Naoe sentiu fortes tonturas, e uma dor lancinante, como se a pele de seu ventre estivesse a girar no mesmo sentido da espiral.

Ela gritou, alto o suficiente para ignorar os gritos do seu avô. Logo estava vomitando, se contorcendo ao chão.

Não demorou a estar imersa na escuridão da inconsciência.

(...)


Pela primeira vez em muito tempo, Naoe não acordara com o som de seu celular. Acordou com o som de gralhas, e o bater de asas das mesmas.

Ao abrir os olhos viu Circus parado a frente de sua cama, coberto de aves negras, como um assustador espantalho.

Ele a encarava, com o mesmo sorriso das outras vezes, parecia um corcunda agora, apoiado sobre o báculo com vigor.

- Três dias se passaram, no mesmo dia paramos. Um sim dos teus doces lábios espero. – disse jovialmente a criatura esquálida.

Ela o encarou, lembrando-se da dor do dia anterior, assim como lembrou que conseguiu ficar longe do vil toque do avô.

Suspirou profundamente, evitando olhá-lo.

- Mais dor me espera, caso eu diga sim? – indagou, de forma quase inaudível, Naoe Kanami.

- Não sentiras mais dor. Voará sem a dor física, sem a dor emocional. Não mais chorará ao ver cristais se partirem, não mais verás o desespero de ver a areia voar. Arrancarei de ti, o pesado fardo que a impede de ver a azul da liberdade. – sorriu Circus, mostrando todos os dentes, girando a cabeça.

Naoe manteve-se pensativa, olhando a criatura e as aves que empestava todo o cômodo. Viu Circus girar uma mão, mostrando a porta atrás dele, pode ouvir então os fortes passos do avô subindo as escadas.

- Estaria livre dele para sempre? – perguntou a jovem, encarando a criatura.

Circus concordou, imitando uma leve vênia de cabeça.

Naoe respirou fundo, apertando as próprias mãos, a ponto de sentir suas unhas encravar na própria carne.

- Sim. – sussurrou temerosa.

- O dito não pode ser mais desdito. Escolhas marcam nossos caminhos e pela eternidade nos assombrarão. Bem feito fez. Bem dito foi. – riu Circus, abrindo os braços, fazendo as gralhas começarem a voar pelo quarto, grasnando sinais de mau agouro.

Os passos estagnaram frente à porta, estavam prestes a retornarem, quando Circus, com um leve empurrão a abriu.

O velho gritou frente à imagem da criatura esquelética, vestida como um bufão. Recuou um passo, porém, logo estava coberto pelas gralhas, que lhe bicavam a carne frágil, a pele quebradiça se abrindo frente as navalhas que os bicos representavam.

Desesperado gritou, recuando pelo corredor, se debatendo confuso.

Circus o seguiu, subindo pela parede, se arrastando pela mesma, utilizando pés e mãos como apoio.

A porta logo se fechou, deixando Naoe sozinha mais uma vez no quarto. Logo os gritos acabaram, fazendo a casa imergir no mais profundo silêncio.

A jovem levantou-se, caminhando lentamente até a porta. A abriu com cuidado, vendo penas e sangue espalhado por todo o corredor. Temerosa, seguiu o rastro macabro.

Gritou ao ver a cena na sala.

O avô encontrava-se nu, com lacerações por todo o corpo, seus olhos tinham sido arrancados. O baixo ventre encontrava-se aberto, e seu intestino, utilizado como corda para amarrar suas mãos e prendê-lo ao teto.

Ele ainda gemia e respirava, balbuciando por ajuda.

Naoe vomitou ao ver tão asquerosa cena.

- Logo estarás livre. Alimentar-me-ei. Enfadonha vida retornará. – disse Circus, surgindo atrás da jovem.

Seus longos dedos repousaram sobre o ombro da garota, que tremeu ao toque frio do mesmo.

Ela fechou os olhos, imaginando o que viria agora. Não viu o esquelético ser curvar-se sobre ela, de boca aberta, engolfando seu pálido rosto.

(...)


Um pequeno guaxinim, trajando um quimono claro, com folhas servindo de estampa. Ele observava um casal carregar uma jovem por um jardim. Ela tinha a face pálida, olhos inexpressivos, mortos. Em aparente estado de catatonia.

- Triste acordo fora feito. – sussurrou o guaxinim. – Para livrar-se de uma situação ruim, adentrou em outra.

Ele virou-se em direção a sombra de uma frondosa árvore.

- Condenada a nunca mais sonhar, nunca mais sorrir, nunca mais chorar. É sempre isso que procuras não Devorador de Sonhos? – indagou o guaxinim a sombra próxima.

- Condenada a ser livre das esperanças que prendem os homens ao chão. – sorriu macabramente Circus, de cócoras, apoiado sobre o báculo.

O guaxinim suspirou, acenando em despedida a ele.

Afastou-se do parque, pegando uma pequena bolsa de dentro do quimono, a abrindo e vendo amarelos e brilhantes olhos no interior da mesma, que refletiam o eterno quadro macabro do ancião Kanami, ainda vivo, preso aos mesmos eventos pela eternidade.

- Carmicamente me condeno por levar crianças a isso. Mas, sou o que sou. Que jeito mais fácil de roubar, que não seja outro fazendo isso por você? – sorriu enquanto sumia entre as moitas próximas.
Imagem

Status: Cursed
Alinhamento do mês: Caótica e Neutra
Avatar do usuário
Lady Draconnasti
 
Mensagens: 3753
Registrado em: 25 Ago 2007, 10:41
Localização: Hellcife, 10º Círculo do Inferno

Penas&Espadas: O Retorno

Mensagempor Dahak em 27 Ago 2007, 21:59

Os golpes foram lançados, aliás, e que golpes!

Mas é chegada a hora de dar o veredito final: por 4 a 2, o vencedor do Penas & Espadas: O Retorno é o Lobo Branco!

Lobo, meus parabéns, seu conto angariou a atenção de todos através de suas linhas com uma boa produção, uma boa estrutura e, sobretudo, bastante habilidade. ;)
Um conto muito, muito gostoso de se ler.

Nesse embate não há um perdedor, porque construir um conto como o do Sombra é algo muito difícil e digno de muitos méritos. Aliás, Sombra, sua capacidade de discorrer sobre um tema é fantástico. A Draconnasti e eu ficamos muito orgulhosos do seu conto. Excelente.

Para ambos, devemos dizer que o tema foi escolhido justamente para vê-los em situações as quais normalmente não os vemos escrever. Este que foi um motivo a mais para qualificar o trabalho e a versatilidade de vocês. Vocês deram um show ;)

No mais, este juiz se despede temporariamente. A Arena Virtual volta em breve, vocês não perdem por esperar!


Dahak Out
Life. Live.
Avatar do usuário
Dahak
 
Mensagens: 1655
Registrado em: 20 Ago 2007, 22:32
Localização: São Paulo

Penas&Espadas: O Retorno

Mensagempor Lobo_Branco em 31 Ago 2007, 11:07

O lobo se encontrava deitado no chão, lambendo as graves feridas. Com um salto ele recebeu a noticia que havia sido o vitorioso. Realmente não esperava por isso.

- Surpreendente. Antess de maiss nada, devo agradecer a todos vocêss que lêram e participaram dessse evento, em esspecial aos que votaram em mim. - ele sorri, tentando fazer uma brincadeira.

Não tinha forças para ficar de pé, parando então de tentar.

- Valeu meu bom amigo Filipe, que se chama Gehenna - que antes era Sombra. Também esstarei no aguardo para um novo embate. Abraços a todos, e mais uma vez obrigado!
"— Nós também éramos crianças, e se eles nos deixaram órfãos, os deixamos sem filhos."(

Óglaigh na hÉireann)


O Último Duelo - conto Capa&Espada
Avatar do usuário
Lobo_Branco
 
Mensagens: 289
Registrado em: 26 Ago 2007, 13:22
Localização: Aquele Bosque com ares de Floresta, na periferia de Contonópolis

Penas&Espadas: O Retorno

Mensagempor Madrüga em 09 Set 2007, 00:43

Seu_Madruga se levanta e diz, tentando não parecer agressivo: é um duelo de contos ou de novelas? Extensão demasiada!
Cigano, a palavra é FLUFF. FLUFF. Repita comigo. FLUFF

Imagem
Avatar do usuário
Madrüga
Coordenador do Sistema E8 e Cenário Terras Sagradas
 
Mensagens: 10153
Registrado em: 23 Ago 2007, 12:30
Localização: São Caetano do Sul, SP

Penas&Espadas: O Retorno

Mensagempor Dahak em 09 Set 2007, 10:48

Madruga, sugestão anotada ;)
Já preparamos uma redução no limite de palavras para a próxima edição.

Abraço!

Dahak Out
Life. Live.
Avatar do usuário
Dahak
 
Mensagens: 1655
Registrado em: 20 Ago 2007, 22:32
Localização: São Paulo


Voltar para Contos

Quem está online

Usuários navegando neste fórum: Nenhum usuário registrado e 2 visitantes

cron