Havia muitas palavras que poderiam ser usadas para descrever John Richard Stevenson. Definitivamente, simpático não era uma deles. Ele era um sujeito careca, de bigode e estatura mediana. Andava sempre cabisbaixo, quieto, mal humorado. Para satisfazer o desejo dos pais, tornou-se advogado. Aos 35 anos, continuava fazendo o serviço que escolheu quando era recém formado: defender criminosos, muitos dos quais eram obviamente culpados. Esses eram os que davam maior prazer a John ao serem absolvidos.
O passatempo de John era ler romances policiais. Lia todos, desde os mais conhecidos até aqueles que ninguém mais lia. Passava suas horas livres lendo, e se sentia de certa forma distante de sua vida medíocre. Na sua casa havia uma enorme estante com livros de todos os tamanhos, cores e formatos. Todos romances policiais. O advogado só não gostava do final dos livros, pois sempre o criminoso ia preso. Pensava: "Como são estúpidos, sempre deixam pistas! Até detetives idiotas como esses podem prender criminosos tão estúpidos!".
Seu único amigo, se é que pode-se chamar assim a única pessoa que o suportava, era Willian Bakerman, seu vizinho da frente. Willian trabalhava numa fábrica de peças de automóveis. Era engenheiro mecânico e piromaníaco. Uma mistura perigosa quando se tem bastante dinheiro à disposição.
Certo dia, John foi visitar Willian, que estava ocupado em sua oficina nos fundos da casa. Como de costume, a porta estava aberta e ele foi logo entrando. Ao ver Bakerman trabalhando, quis logo saber:
-O que você vai inventar dessa vez, cientista maluco?
-Não me atrapalhe, já estou terminando - respondeu ríspido o vizinho, e John obedeceu.
Passados alguns minutos, Willian levantou-se orgulhoso e mostrou com um sorriso sua obra. Era uma espécie de espingarda com o diâmetro do cano aumentado. Sem dizer uma palavra, ele disparou contra um alvo do outro lado da oficina, que começou a pegar fogo quando foi atingido.
-Uau! Isso é... Mas o que é isso? - perguntou o homem, que nada entendia de máquinas, e muito menos de armas.
-Essa é simplesmente a arma mais interessante já criada. Usa ar comprimido e gasolina para disparar bolas de fogo. Lindo o fogo, não? Mas é extremamente perigosa, se usada pela pessoa errada. Não toque nela. - disse o engenheiro ao apagar o fogo com um extintor.
-É linda... - John parecia deslumbrado. Só agora havia percebido como as armas poderiam ser tão belas. Sim, maravilhosamente belas. Causavam destruição com um simples apertar de gatilho. E a destruição era bela. Muito mais bela que a criação, tediosamente demorada. A destruição era quase instantânea, e por isso muito melhor.
-Acho melhor você ir para casa. Tenho que ir para o trabalho em quinze minutos e isso aqui está uma bagunça!
-Está bem...
Naquela noite John não conseguiu dormir. Estava fascinado. O modo como o alvo pegou fogo, tão rápido. Tentou ler um de seus novos livros, mas não conseguiu. "Se ao menos esse bandido tivesse aquela arma... Que estrago faria!" E pensando isso, viu o dia raiar e foi se arrumar.
No noticiário da noite seguinte, o repórter falava nervoso, com uma expressão séria no rosto:
-Estamos aqui no Banco Nacional de Londres, onde um maníaco com uma estranha espingarda está com 15 reféns e ameaça matar a todos a menos que a polícia se retire do local. É uma situação muito delicada, e as forças especiais já estão a caminho. Esperem! O louco está saindo do banco! Parece que ele criou um círculo de reféns em volta de si para se proteger. Um dos reféns está com a espingarda, e o maníaco mascarado está apenas com uma pistola de baixo calibre. A polícia observa tudo de longe.
Passados alguns minutos:
-Parece que ele vai se entregar! Finalmente o bom senso veio à cabeça desse homem perturbado. Ele está se deitando no chão, e a polícia se aproxima vagarosamente. O refém com a espingarda entrega ela para um policial. O maníaco abaixo sua pistola e se entrega. É isso, está tudo acabado.
Ao chegar em casa, no dia seguinte, John pensava: "Políciais estúpidos! Como foi fácil enganá-los. Agora só preciso ser uma testemunha convincente e aquele homem do banco, que estava no lugar errado na hora errada, levará a culpa em meu lugar. Como são burros!". Divertia-se como nunca havia se divertido antes na vida.
A poucos dias do julgamento, a polícia aparece em sua rua às 4 da manhã. O coração de John gela. Como seria possível? Somente o refém que foi preso sabia de sua verdadeira identidade. Todos os outros pensavam que ele era um cliente do banco que estava no banheiro na hora do assalto.Os carros de polícia se aproximavam cada vez mais.
Felizmente para John, eles pararam no gramado da frente. Estavam lá para levar Bakerman. Bakerman se entrega sem resistir, e antes de entrar na viatura olha para a janela do quarto de John, e para este pareceu que olhou diretamente nos seus olhos. Era um olhar que dizia: "Eu sei que foi você. Mas não vou denunciá-lo".
Aquilo não afetou a consciência de John nem um pouco. Aguardou ansiosamente o julgamento. Em sua mente, Bakerman não o ter entregado não foi um golpe de sorte, mas sim algo brilhantemente calculado e que funcionou como previra. Agora só faltava a condenação como prova definitiva de que era mais inteligente que todos eles.
E assim aconteceu. Carlos, o refém daquele dia no banco, foi condenado não só pelo assalto, mas por ser um imigrante ilegal no país. Bakerman aceitou sua sentença sem dizer uma só palavra. Por dentro, John queimava de alegria.
Passada uma semana, na qual faltou no trabalho, o advogado decidiu que já era hora. Já havia lido todos os romances policiais que queria, identificando o erro de cada criminoso antes do final do livro, e em seguida dando um sorriso. Levantou-se calmamente do sofá, vestiu seu melhor terno, e saiu de casa.
Entrou na delegacia sorrindo. Esperou na fila para falar com o delegado. Ainda sorrindo, gritou:
-Estúpidos! Como são obtusos! Prenderam dois homens inocentes no assalto ao Banco Nacional. Era eu o culpado! Eu! Planejei tudo e ninguém percebeu, pois são intelectualmente inferiores. Como se sentem sabendo que foram enganados?
Foi preso e condenado a 15 anos na prisão. No primeiro dia, ao se ver naquela cela apertada, suja e escura, atrás das imundas e enferrujadas grades de metal, sua única reação foi abrir um largo sorriso. Era finalmente feliz.