Puppets

Mostre seus textos, troque idéias e opiniões sobre contos.

Moderadores: Léderon, Moderadores

Puppets

Mensagempor Anonimous000 em 21 Dez 2007, 01:35

Acabei de escrever a segunda cena desse texto, e decidi postar aqui.

Não sei muito o que falar sem ser spoiler do que planejo para essa obra, exceto que ela se passa no mesmo cenário que Onslaught, o que, sinceramente, não quer dizer muito (enquanto eu não publicar outras coisas ligadas a estes dois textos pelo menos).

Quem quiser alguma explicação de porque eu coloco títulos em inglês ou dos números ao longo do texto pode encontrar elas no meu outro tópico aqui: Final Flight.

Talvez eu coloque mais notas depois, talvez não.

Sem mais delongas, o texto:




Puppets


1.
Bai-Jing andava pelas passarelas elevadas de Londres com casualidade. Não havia ninguém ligado a Hotaru com ela na cidade, ninguém a vigiando. Tentar fugir seria algo simples, mas ela tinha motivos para não tentar aquilo. Hotaru havia lhe prometido uma nova vida, livre de sua atual condição. Ela desconfiava, havia aprendido que nada estava acima de Hotaru, mas havia presenciado alguma honra nela. Era esperado que ela cumprisse sua palavra no final.

Tentou deixar aquilo de lado, as condições para obter sua nova vida demorariam a se realizar, e até lá ela precisava seguir as ordens que tinha estritamente.

Retirou o palmtop do bolso e releu o último e-mail que havia recebido. A ordem era para localizar e vigiar uma pessoa, uma garota. Hotaru não havia dado muitos detalhes, como sempre, mas ela podia facilmente afirmar que a garota era um dos tais elfos.

Estava livre para usar quaisquer métodos, mas não deveria deixar qualquer rastro que pudesse ligar suas ações a Hotaru, ou ao governo japonês.

“Bem, parece uma tarefa simples, mas nada do que ela me pede é simples. Melhor aproveitar a verba extra que Fukui enviou para me equipar.”

2.
Uthihel observava atentamente seu reflexo na vitrine. O novo corte de cabelo, agora na altura dos ombros, não havia dificultado em nada sua identificação à distância, para sua frustração. As tatuagens genéticas, todas em azul escuro, eram muito aparentes, e ela começava a odiá-las agora. A gota sob o olho esquerdo nunca lhe agradou, mas não incomodava. A dupla hélice no braço direito era algo fácil de ocultar, especialmente no clima frio daquela cidade. O problema real era a corrente no pescoço. Ela poderia usar um lenço, mas ele também chamaria atenção de seus perseguidores.

Por hora ela aproveitava a folga que havia obtido. Seu olhar se desviou das tatuagens quando ela afastou os cabelos do rosto. As orelhas pontudas seriam um problema extra se ela tivesse cortado o cabelo bem curto como havia planejado inicialmente.

Retomando a caminhada ela notou que era um alo ainda mais fácil de identificar. Na correria desde que deixara o complexo cientifico onde era mantida praticamente como prisioneira ela não havia notado que a maior parte das pessoas na cidade possuíam cores escuras de cabelo, ou então eram jovens com cores nada naturais. Seus delicados cabelos loiros se destacavam lá.

O som de sirenes a assustou, fazendo-a se encolher contra a vitrine, instantes antes dos veículos policiais passarem zunindo pelo vão entre as passarelas elevadas. Quando se recuperou do susto ela voltou a pensar no problema em mãos: a facilidade com que podia ser encontrada.

Por fim uma conclusão produtiva foi alcançada. Uthihel nada podia fazer agora sobre as tatuagens ou o cabelo, mas certamente podia se livrar das roupas que era obrigada a usar em seu cativeiro. A roupa branca colante cobria tudo abaixo do pescoço, exceto pelos braços, e fazia pouco para esconder o exuberante corpo da jovem, algo que certamente chamava a atenção de todos, não apenas seus perseguidores. Ela havia sido confrontada com essa dura realidade apenas algumas horas antes, ao tentar se ocultar nas partes mais pobres da cidade, onde despistara os perseguidores, e atraíra a atenção de marginais. Sua ousadia, ou talvez seu descaso com sua própria vida, lhe permitiram escapar por uma rota suicida: saltando entre as passarelas elevadas.

Ao parar diante de uma loja de roupas Uthihel finalmente se deu conta de fatores desconsiderados em sua fuga. Ela não possuía nada além das roupas do corpo. Enquanto estava parada diante da vitrine, pensando nos problemas recém descobertos notou outra preocupação. Em algum momento de sua fuga desesperada ela havia se cortado no braço esquerdo, próximo ao ombro. Um corte leve, nada preocupante, exceto que ele ainda sangrava. Ela notou a pequena trilha de gotas de sangue na passarela por onde andara.

Foi quando se lembrou: ela não havia tomado a dose diária do coquetel de drogas que recebia no cativeiro. Apesar de conhecer muito pouco sobre medicina ou biologia foi fácil para ela concluir que seu sangue não coagularia naturalmente sem o coquetel. O medo a tomou de forma que ela nunca havia sentido antes. Ela havia sido criada já adulta, havia apenas alguns meses, mas já se habituara aos ciclos de seu corpo. Sua menstruação chegaria dali cerca de uma semana, mais tardar em dez dias na melhor das hipóteses. Se a conclusão precipitada de que seu sangue não coagularia sem o coquetel estivesse certa isso significaria morte certa para ela.

Sua atenção foi novamente desviada, agora para a realidade de sua condição de fugitiva. Ela avistou Kalian pelo reflexo na vitrine, um dos outros elfos, como ele gostava de se referir aos seus semelhantes. Uthihel não entendia os motivos por trás de insistência dele nessa denominação, para ela eles não passavam de humanos com modificações genéticas que resultavam em orelhas pontudas e tatuagens únicas para cada individuo, além de uma série de melhorias mais discretas.

Kalian já havia avistado ela, e se aproximava rapidamente. Ela fixou o olhar nas tatuagens dele, um par de raios negros no rosto, e na espada que ele portava. Rapidamente analisou os arredores, a única rota de fuga rápida o suficiente para despistar alguém como Kalian seria uma rota igualmente suicida à que ela usara poucas horas antes. Sem pensar duas vezes ela avançou até a beirada da passarela, lançou um olhar para baixo, não via nenhuma outra passarela ao alcance, mas viu o rio ao fundo. Saltou.

Kalian acelerou o passo ao ver Uthihel saltar, mas parou na beirada, observando a garota escapar. Observou a distância, era uma longa queda, facilmente mais de meio quilometro. Retirou o celular do bolso, não fazia sentido dar continuidade a perseguição, Uthihel certamente tinha chances de sobreviver a queda no rio, embora não sem graves ferimentos, seria fácil encontrá-la e recolhê-la sem pressa.
Imagem
Imagem
Imagem
Avatar do usuário
Anonimous000
 
Mensagens: 1076
Registrado em: 25 Ago 2007, 00:34

Puppets

Mensagempor Anonimous000 em 22 Dez 2007, 01:22

Aproveitando a insônia por aqui, mais três cenas recém escritas.




3.
Bai-Jing se surpreendeu quando o palmtop apitou, indicando um novo e-mail. Retirou ele do bolso, se inclinando para encosta a pesada mochila contra a parede. O e-mail não tinha remetente, mas isso era uma indicação de sua origem. Havia um mapa de Londres, com um ponto indicado numa das margens do Tamisa, acompanhado pela palavra “Mova-se”.

Ela preferiu não questionar, e obedeceu. Tomou o caminho mais direto que encontrou, logo chegando ao local indicado. Avistou uma vã parada ali, e alguém ao lado dela. A baixa estatura, aliada aos longos cabelos, denunciou Hotaru.

-Demorou.

-Estou a pé...

-Não se justifique. Tem um par de binóculos ou algo semelhante nessa mochila?

-Algo semelhante? Sim, creio que sim.

-Pois pegue-os. Há algo aqui de interesse, e eu planejo encontrar rapidamente.

-Algo de interesse?

-Você já sabe que eu sou precognitiva. Minhas visões nem sempre são claras, mas de modo geral se realizam. Acabou de acontecer algo que vai me interessar, e eu quero saber o que é. Pelo pouco que vi algo, ou alguém, caiu no Tamisa. E pode apostar que se é algo que me interessa também interessa a outros.

Bai-Jing desistiu de fazer novas perguntas, retirou um rifle da mochila, e usou a mira telescópica para observar mais longe. Depois de algum tempo procurando se deu ao trabalho de lançar um olhar sobre Hotaru. Ela não usava nada para ajudar na busca, mas sabendo que ela era um ciborgue imaginou que isso não era necessário. E também notou que ela balançava levemente a cabeça, com um ritmo bem marcado. Deduziu se tratar de música, e confirmou logo em seguida, quando ela começou a cantar quase num sussurro. Como precisava apenas de seus olhos para a tarefa em mãos ela decidiu prestar atenção na letra, mera curiosidade.

-Pack on my back I wander/Over mountains across the seas/My yearning soul keeps roaming/In the endless search for peace//sky is my roof, my shelter/Stars shine and light my way/Earth is my bed, my altar/On this road that leads to nowhere//In silence I scream but no one listens to me/Absolution, salvation, my sins won't leave me be/The first cry, the last breath/We are born to die/This madness neverending/Don't know the reason why/Soul of a vagabond/Illus...

Um movimento na água chamou a atenção de Bai-Jing, e ela assoviou, interrompendo Hotaru. Ela se virou para a mesma direção, levou um instante para analisar o achado.

-Nosso alvo, aparentemente. E pelo jeito ela está sangrando.- Hotaru se virou para a vã e começou a andar.- A correnteza está trazendo ela para essa margem, vá recolhê-la, eu vou preparar as coisas por aqui, fiz bem em trazer uma ambulância, apenas sem a pintura nem as sirenes.

4.
Uthihel estava semi-consciente quando a correnteza do Tamisa a carregou até a margem. A dor dos ferimentos causados pela queda era insuportável, mas ainda assim ela insistiu em se levantar. Kalian não havia saltado trás dela, mas se ela havia sobrevivido ele certamente estaria ciente da possibilidade de tal fato. Ao tentar se levantar pela primeira vez sentiu uma agonia indescritível, e voltou a cair. Quando a dor amainou ela concluiu que seu braço esquerdo estava quebrado, ele e mais alguns ossos. Ao se inclinar para outra tentativa sentiu uma pontada no peito. Costelas quebradas, foi a única explicação que lhe ocorreu. Com muito esforço ela se levantou. Cuspiu sangue e em seguida limpou a boca nas costas da mão direita.

A dor era persistente, cada passo uma tortura. Ao se esforçar para olhar ao redor notou uma presença. Uma garota, de aparência mais jovem do que ela, e ligeiramente mais alta. Examinou rapidamente o rosto dela, não notou nenhuma tatuagem, isso a aliviou. Estranhou as feições dela, olhos estreitos, o rosto tinha pouca profundidade. Tentou se lembrar do que aquilo deveria significar, mas a dor não a deixava pensar. Algo que chamava a atenção eram seus longos cabelos púrpuras, que chegavam aos joelhos.

-Ela mal para em pé.

A garota falou em inglês, mas tinha um sotaque estranho. Não era sua língua materna, mas Uthihel conseguia pensar bem o suficiente para se lembrar que era a língua mais universal. Se esforçou um pouco para pensar no que falar na mesma língua. Se lembrava vagamente de quando Kalian havia lhe explicado sobre as duas línguas que os elfos tinham como próprias deles. Tinha certeza de que aquela garota não entenderia nenhuma.

-Quem é...?

-Pode parar de falar.- ela cortou, parecia impaciente.- Você vem comigo, se não cooperar vai pela força.

Uthihel não fazia idéia de quem era a garota, nem se ela estava aliada cós responsáveis por seu cativeiro ou não, mas não se importava. Ela não seria levada a força para lugar nenhum, mesmo que isso significasse morrer ali.

Ela se abaixou, e agradeceu a sorte da faca que mantinha oculta na perna não ter se perdido na queda. Sacou a pequena arma e se preparou para lutar.

A garota riu em resposta. Nem mesmo se posicionou para brigar, tamanha sua certeza de que Uthihel não era uma ameaça.

-Seu outro braço está quebrado, e pela sua postura deve ter mais não sei quantos ossos quebrados. Aposto que algumas costelas entram na conta.

Uthihel cedeu a provocação, e tentou avançar. Sentiu um choque e tombou inconsciente.

5.
-Menos conversa da próxima vez.

Hotaru falou assim que a elfa tocou o solo. Uma maca flutuava logo atrás dela.

-Perdão.- Bai-Jing se apressou em se desculpar.- Se me permite... perguntar. O que fez com ela?

-Um ataque mental simples. Ela esta inconsciente, apenas isso. Coloque ela na maca, rápido. Pela aparência dos ferimentos eu vou ter que fazer algo rápido, ou podemos perder ela.

Bai-Jing obedeceu sem perder tempo. Logo em seguida ela conduziu a maca até a vã, e sem perguntar ou esperar pela ordem pegou as chaves, se encaminhando para o assento de motorista.

Hotaru subiu na parte traseira, e abriu a pequena janela que permitia comunicação com a parte da frente.

-Nosso transporte para casa está próximo à foz do Tamisa, mas não tenha pressa. Preciso de estabilidade para começar a operação, e não creio que consiga correr sem muita turbulência com isso aqui.

-Acredito que eu conseguiria, mas não me sinto inclinada a correr riscos.

Hotaru não respondeu. Em seguida ouviu-se o som do maquinário médico sendo acionado. Pouco depois ela começou a cantar.

-Insomnia-nia-nia-nia-nia//I'm running in quicksand/something's haunting me/the guilty past I've buried/my mind won't let me sleep
Imagem
Imagem
Imagem
Avatar do usuário
Anonimous000
 
Mensagens: 1076
Registrado em: 25 Ago 2007, 00:34

Puppets

Mensagempor Dahak em 23 Jan 2008, 01:49

Opa, tudo bão contigo?
Espero que sim!

Olha, achei as cenas 1 e 2 muito, mas muito destoante das cenas 3, 4 e 5.
Não sei se porque nas primeiras você fez uso de uma abordagem mais densa e depois pulou pra um abrandamento, mas em algum momento eu me perguntei o que acontecia.

Normalmente suas histórias são bem consistentes e gozam de harmonia. Aqui não foi diferente. Estruturalmente você foi bem, gramaticalmente também e até a organização das idéias. Mas é como se você tivesse resolvido mudar totalmente a forma de nos apresentar a história.

Aliás, diga-se de passagem, a história é interessante, apesar de eu não curtir muito os nomes orientais e de ter achado meio forçado a inserção das composições musicais.

Bem, fiquei curioso, intrigado.


Dahak Out
Life. Live.
Avatar do usuário
Dahak
 
Mensagens: 1655
Registrado em: 20 Ago 2007, 22:32
Localização: São Paulo

Puppets

Mensagempor Anonimous000 em 23 Jan 2008, 11:51

Tinha até esquecido que tava postando isso aqui...

Sobre as músicas, é completamente forçado mesmo, a personagem tem mania de começar a cantar do meio do nada, e não necessáriamente algo com a menor relação com o que está se passando. É tipo aquela pessoa que anda pra cima e pra baixo com um iPod e do meio do nada começa a cantar junto com a música que está ouvindo. (Como "critério" pra escolher a música para inserir eu pego a que estiver tocando no PC).

A mudança na narração foi uma tentativa não muito bem sucedida de demonstrar pressa e desorientação. As personagens centrais (Bai-Jing e Uthihel) estão apressadas, confusas ou desorientadas, assim fica um noção vaga do que se passa. Uthihel está assim por motivos óbvios, seus ferimentos, e Bai-Jing fica nesse estado agitado porque sabe que Hotaru pode decidir matar ela sem nenhum motivo aparente a qualquer momento. Mais tarde posto outras cenas...
Imagem
Imagem
Imagem
Avatar do usuário
Anonimous000
 
Mensagens: 1076
Registrado em: 25 Ago 2007, 00:34

Puppets

Mensagempor Dahak em 23 Jan 2008, 16:50

Hun...entendi seus propósitos.
Acho que você poderia tentar demonstrar pressa e tal através de palavras, descrições e etc. Tentar fazê-lo mudando drasticamente a narração não deu lá tão certo.

Sobre as músicas, bom, acho que se você tivesse colocado como o fez na explicação que me deu agora, teria ficado bem mais natural, sem a necessidade de inserir uma letra ^^"


Dahak Out
Life. Live.
Avatar do usuário
Dahak
 
Mensagens: 1655
Registrado em: 20 Ago 2007, 22:32
Localização: São Paulo

Puppets

Mensagempor Anonimous000 em 09 Fev 2008, 02:46

Mais...




6.
Uthihel sentia fortes dores de cabeça quando acordou, mas nada devido a ferimentos. Permaneceu com os olhos fechados. Sentia que estava em uma cama, coberta com lençóis finos. O local era completamente silencioso, exceto por um breve apito repetitivo, que parecia seguir algum ritmo. Além disso, não ouvia nada. Nem mesmo vozes em sua mente, como costumava ouvir quando junto de outras pessoas. Havia aprendido que essas vozes só poderiam ser pensamentos dos outros, das pessoas ao redor, que ela ouvia baixo demais para compreender.

Ela tinha pouco conhecimento sobre suas habilidades. Podia manipular luzes e sons de maneira que só sabia descrever como sendo mágica. Havia lido sobre coisas parecidas em alguns livros no seu pouco tempo livre no cativeiro, mas era forçada a treinar tais habilidades. Os livros que havia lido dificilmente chegavam a algum acordo sobre magia, mas eram apenas ficção, classificados como fantasia, ou algo nessa linha. O que ela sabia era que suas habilidades eram reais, apenas não havia encontrado uma única fonte totalmente de acordo com elas.

E já havia experimentado capacidades de seu corpo que desconhecia. Havia usado elas apenas em situações extremas, sempre de modo instintivo, e era algo cansativo, muito cansativo.

À medida que recobrava sua consciência completamente ela notou algo preso em seu braço direito. Finalmente abriu os olhos.

O teto era branco, foi a primeira coisa que notou. Logo em seguida avistou um cabo saindo dele, preso a um trilho e ligado a uma peça em seu braço. Ao se levantar, descobrindo a parte superior do corpo notou que estava despida. Apressou-se em puxar o fino lençol para cobrir sue corpo. Olhou ao redor. Notou um fio ligado ao seu corpo, próximo ao seio esquerdo, e à uma máquina, a fonte do apito. Alguém monitorava seus sinais vitais.

Olhou ao redor. Havia uma única porta, que aparentemente só podia ser aberta por fora. No lado oposto à aparelhagem médica ela viu uma pequena cômoda, com um copo de água sobre ela. Achou que era água pelo menos, mas não arriscou beber. Havia também um armário, próximo a porta, indo do chão ao teto, fechado.

Depois de analisar o quarto parou para verificar o próprio corpo. O braço esquerdo estava imobilizado do cotovelo até a mão, incluindo esta, por uma braçadeira metálica com um visor vítreo. Ela já havia visto um daqueles antes. Usado em casos de ossos quebrados, o visor permitia uma verificação de raio-x instantânea, para acompanhar a recuperação. Examinou-o rapidamente, havia uma entrada para cabos de interface e um único botão. Pressionou-o, acionado a tela. Havia fraturado os dois ossos do antebraço, e mais alguns na mão, incluindo os dedos mínimo e anular. Desligou a tela com a desconfortável conclusão que sua recuperação seria lenta, e passou a examinar o torso. Localizou alguns poucos curativos.

Sua análise foi interrompida pelo som da porta. Cobriu-se o máximo que pode sem se deitar e com o uso de apenas uma mão. A pessoa que entrara era uma mulher, não aparentava ser mais velha do que ela própria, mas certamente era, uma vez que Uthihel tinha na verdade apenas alguns meses de vida. Ela possuía feições que lembravam a garota que ela havia visto ao deixar o rio, mas ainda assim bem diferentes. Vestia um jaleco branco, mas ele estava aberto, lhe permitindo avistar o corpo metálico. Ela possuía pele apenas em seu rosto.

A mulher nem sequer havia olhado para ela, estava entretida lendo algo em uma prancheta eletrônica, e mexendo nos longos cabelos negros.

-Vejo que acordou.- ela falou por fim.

-Quem...?

-Silêncio. Eu faço as perguntas por aqui. Seu nome, por favor.

-Hã... Mas...

-Seu nome.- ela insistiu, ainda olhando para a prancheta.

Uthihel decidiu cooperar, sua situação não parecia permitir outra decisão.

-Uthihel.

-Hã-huh. Data de nascimento, tem idéia?

-Não exatamente. Uns dois ou três meses atrás.

-Certo.- ela fez uma pausa.- Por que estava fugindo deles?

Uthihel ficou em silêncio. Seu nome e a data de nascimento eram algo que não teria uso para ninguém, mas a última pergunta já entrava em terreno pessoal. Após um instante a mulher finalmente olhou para ela.

-Eu não tenho o dia todo, vai me responder ou não?

-Não!- ela reuniu toda a força que tinha para responder.

-Escuta aqui garota.- ela manteve o mesmo tom, sem demonstrar qualquer irritação na voz, apenas nas palavras.- Se não fosse por mim você ou estaria morta ou recapturada. E fique feliz que eu descobri quais drogas usar para lhe permitir se recuperar dos ferimentos e anular sua hemofilia.

-Hemofilia? Permitir me recuperar?

-Não sabe? Não me pergunte como isso é possível, mas você é o primeiro caso de que ouvi falar de uma mulher com hemofilia. Seu sangue não coagula. E aparentemente sem o auxílio de drogas seu corpo é incapaz de regenerar danos em média e larga escala. Cortes superficiais e hematomas pequenos desaparecem mais lentamente do que deveriam, mas qualquer coisa além disso não se regenera. Pra alguém que quebrou o braço, quatro costelas e mais de dez ossos da mão isso seria morte certa. Mas chega de conversa. Vai me dizer por que estava fugindo ou não?

-Não.

Ela suspirou em resposta.

-Tudo bem. Eu descubro depois. Descanse agora, mais tarde eu vou lhe colocar totalmente a par de sua situação. Mas posso lhe adiantar que ela não mudou muito.

Uthihel não respondeu, e em seguida a mulher deixou o quarto. Ela ficou ponderando no que fazer por um momento, mas finalmente se deitou, cansada. Depois de alguns minutos finalmente se deu conta de algo inesperado. Aquela mulher havia entrado na quarto sem que ela ouvisse os sussurros que sempre ouvia próximo a outras pessoas. Nada, o silêncio permanecera total.
Imagem
Imagem
Imagem
Avatar do usuário
Anonimous000
 
Mensagens: 1076
Registrado em: 25 Ago 2007, 00:34

Puppets

Mensagempor Dahak em 17 Fev 2008, 22:19

Adorei a parte da hemofilia XD
São poucos contos por aqui que lidam com fenômenos biológicos :b

Gostei muito da clareza do diálogo.
Bastante organizado.

Até a próxima.

Dahak Out
Life. Live.
Avatar do usuário
Dahak
 
Mensagens: 1655
Registrado em: 20 Ago 2007, 22:32
Localização: São Paulo

Puppets

Mensagempor Anonimous000 em 23 Fev 2008, 23:26

Mais três cenas, para encerrar o conto de uma vez por todas.



7.
Bai-Jing andava com passo apressado pelos largos corretores do complexo cientifico perdida nos próprios pensamentos.

“Faz mais de um mês que voltamos de Londres, e dês então Hotaru não me passou nenhuma tarefa. Nenhuma. E agora me manda encontrá-la aqui, sem dizer nada, mas sem dar qualquer urgência, algo errado há.” Seus pensamentos se interromperam ao avistar figuras conhecidas. Phantom e a garota elfa atravessaram um corredor perpendicular.

Considerando que não havia urgência no chamado de Hotaru ela se colocou a seguir os dois, os alcançou no refeitório.

-Phantom.

Ele se virou lentamente, sempre mantendo um olho na elfa, que começava a se servir no balcão. Sem demonstrar surpresa ou incomodo ele sinalizou para ela se aproximar.

-O que faz aqui jovem?

-Hotaru me chamou, não sei o motivo, mas ela não deu urgência ao chamado.- ela observou a elfa por um instante.- Vejo que ela se recuperou rapidamente dos ferimentos.

Antes de responder Phantom sentou-se em uma das muitas mesas, mas mantendo alguma distância dos funcionários do local.

-Hotaru está estudando o DNA de Uthihel, encontrou diversas surpresas, ela não é um elfo comum. Não posso lhe passar os detalhes, mas admito que foi algo que capturou minha atenção. Devido a um ou dois eventos não programados eu tive que ficar de vigia dela hoje. Estamos sempre mantendo um antipsi perto dela.

Bai-Jing piscou por um momento, confusa.

-Ela é psi? Mas Hotaru tinha me dito que nenhum elfo era psi.

-Porque era o que acreditávamos.- ele falou num sussurro- Mas isso foi um dos motivos pelo qual ela mandou você investigar essa garota. Bom, é o que eu penso, não tenho provas disso. Acho que ela sábia o tempo todo sobre os poderes dessa garota.

-Certo. Bom, melhor eu ver o que ela quer logo.

8.
Foi com algum desconforto que Bai-Jing abriu a porta e adentrou a sala de Hotaru. A porta se fechou atrás dela em seguida.

Hotaru estava lendo algo no computador, mas sinalizou para ela se sentar em uma das cadeiras. A mesa estava completamente limpa, exceto por dois palmtops sobre ela.

-Alguma tarefa nova?

-Se fosse isso eu teria dito que era urgente, e certamente não deixaria você perder tempo falando com Phantom. Você fez sua parte do trato, hora de eu fazer a minha.

Bai-Jing ficou em choque por um instante. Estava mesmo livre de Hotaru? Ela foi trazida de volta à realidade por palavras frias.

-Eu sei no que está pensando garota. Acha mesmo que não tem uma pegadinha?

-Mas você prometeu...

-Eu vou cumprir minha promessa. Você não será mais uma Marionete minha. Olhe os dois palmtops. Eu preparei duas identidades para você. Uma chinesa, onde você ficaria completamente livre de mim, e poderia fazer sua vida nova. Mas você tem poucos recursos próprios, seria um começo difícil. A outra é uma identidade japonesa. Dentro do sistema de castas. Suas habilidades de controle de chi não passam de uma variação de poderes psionicos. Você é psi, e portanto pertenceria à casta de psis. Você não escapa completamente de mim, mas tem seu futuro garantido, e também pode começar uma vida nova.

-E eu tenho que escolher uma delas, simples assim?

-Eu sei que coloquei as opções de modo que seria muito melhor para você continuar por aqui, sem escapar de mim, o que é meu real interesse, mas não vou obrigá-la. Vamos colocar preto no branco. Eu já consegui uma nova Marionete.

-A elfa?

-Exato. Pouco me importa qual decisão você vai tomar, embora tenha preferência por uma delas. Como eu já lhe disse antes, não posso lhe devolver sua antiga vida, apenas lhe oferecer uma nova. Escolha com cuidado.

Ela parou, ponderando.

-Eu preciso de algum tempo para pensar...

-Eu sei. Por isso preparei os palmtops, com todos os detalhes, mas por motivos de segurança eles não devem deixar essa sala. Eu sei que posso confiar em você, são meio dia e dezessete, e eu tenho uma reunião marcada para as treze horas em ponto, portanto devo sair daqui a pouco. Eu vou deixar a sala aberta, se quiser ficar aqui e ler tudo, ou sair para pensar um pouco e voltar mais tarde, faça como preferir. Se tudo correr bem eu volto aqui às dezenove horas, e permaneço até a madrugada. Quero uma resposta ainda hoje, está bem?

-Claro. Não sei como agradecer.

-Não me agradeça.

9.
Phantom recolheu o laptop e os discos com os últimos relatórios calmamente, em seguida acelerou o passo se dirigindo ao exterior do complexo. Ao chegar à porta de saída avistou Bai-Jing.

-Ainda aqui?- perguntou olhando o relógio, já eram oito da noite.

-Estava saindo agora mesmo.

-Quer uma carona? Seu apartamento é caminho para mim.

-Acho que não. Não moro mais lá.

Phantom parou um momento, encarando ela nos olhos.

-Fukui cumpriu a promessa dela?

-Sim, já tenho minha nova vida. Agora como cidadã japonesa. Acho que vamos continuar nos encontrando.

-Melhor encontrar você como uma pessoa do que como...

-Não fale. Quero enterrar isso no passado.

-É um direito seu.- ele se aproximou dela lentamente.- Se você é cidadã japonesa, então faz parte do sistema de castas. E a única casta a que pode pertencer é a dos psis.- ele estendeu a mão.- Bem vinda colega. Tenho certeza que vai contribuir muito para nós.

Ela respondeu o cumprimento timidamente.

-Colega? Você está muito acima de mim...

-Temos poucos psis, ainda. Restrições hierárquicas significam pouco. Até mesmo Fukui as ignora a maior parte do tempo, sendo que ela supostamente deveria reforçá-las.

-Acho que entendo.

-Boa sorte garota, o futuro próximo será turbulento.
Imagem
Imagem
Imagem
Avatar do usuário
Anonimous000
 
Mensagens: 1076
Registrado em: 25 Ago 2007, 00:34


Voltar para Contos

Quem está online

Usuários navegando neste fórum: Nenhum usuário registrado e 3 visitantes

cron