por Seth em 24 Jul 2008, 08:03
História:
Sumbuda foi, originalmente, um dos pontos extremos da civilização. A ilha foi descoberta pelo capitão corsário Sumbuda, há mais de quatrocentos anos. Depois de duas noites inteiras brigando com uma tormenta, Sumbuda avistou uma baía natural, e viu naquele local um ponto para se recuperar não apenas da tempestade, mas para obter alimentos e água potável. Ele encontrou algumas tribos de pescadores seminômades, com os quais ele estabeleceu algumas relações. Ele, no retorno ao lar, deixou até mesmo um grupo de oitenta marinheiros morando na região, pois tinha planos para explorar aquele pequeno paraíso perdido nos mares.
Sumbuda, porém, morreu sem voltar a navegar, e a ilha saiu da história por oitenta anos. Foi o neto de Sumbuda, Sumbudodhama, quem, de fato, fundou o primeiro e principal porto da ilha. Esse é um capítulo das histórias do mar que merece ser recontado:
Sumbudodhama era um homem ambicioso, apaixonado pela vida no mar e com notável tino comercial. Era, porém, uma pessoa que sabia observar as potencialidades de um local além daquelas imediatas; também era muito cético para ilusões como “em nome dos deuses”, ou “pela glória do império”. Na verdade, foi o homem certo na hora certa.
Seu avô morrera pobre e em desgraça, apenas porque apoiara a facção derrotada do governo. Seu pai tinha crescido e reconstruído a boa fortuna da família, a ponto de obter novamente o título de nobreza de seu pai; mesmo assim, era um destino medíocre para o jovem viver apenas em entrepostos comerciais. Um dia, com a morte de seu pai, e uma herança razoável nas mãos, o barão d’Espadarte propôs ao rei uma aventura: colonizar as ilhas e terras que ao longo de quase cem anos tinham sido registradas pelos navegadores. Foi uma empresa destinada ao fracasso, posto que o monarca estivesse ocupado com as guerras de sucessão, e pouco ou nada desejasse das terras além mar que não fossem os lucros.
Sumbudodhama montou, então, sozinho uma expedição com cinco naus, e seiscentas pessoas entre mercenários, colonos e marinheiros. Acordou com o gabinete do rei que um quinto de todo lucro seria do soberano, ao passo que toda terra seria explorada, de forma autônoma, pelo Barão. Não houve especificação quanto à em nome de quem isso seria feito, o que daria margem a grandes discussões, no futuro.
Guiado pelas anotações de seu avô, Sumbudodhama encontrou a ilha sem dificuldades. Naqueles anos, ele tinha se perguntado qual o destino dos oitenta marujos que optaram por viver na ilha, e não tinham sido resgatados. Isso ele descobrira logo depois de sua chegada: eles tinham se miscigenado com algumas das tribos autóctones, e seus descendentes (pois quatro gerações tinham se passado) se espalharam pela ilha. Na baía do Espadarte (pois Sumbuda tinha dado a ilha o seu nome, e o nome do peixe-símbolo do se brasão a baía) havia, agora, uma aldeia com cem casebres de madeira, e um pequeno forte defendendo a área. Como ele soube, depois, naquelas décadas um grande número de capitães tinham estabelecido feitorias, mas a maioria foi hostilizada pelos nativos, ou se fundiram a colônia de Sumbuda voluntariamente. Os descendentes dos primeiros oitenta viviam naquela casa, e seu líder era um dos marujos do avô do capitão.
Ele foi, por isso, muito bem recebido, e sua liderança foi aceita sem maiores contestações – mesmo porque ele estava à gente de cento e cinquenta mercenários muitíssimo bem treinados.
Sumbudodhama cartografou a ilha em poucas semanas, e fez um levantamento das riquezas da região. Ele demoraria cinco anos para retornar a terra natal, não sem antes estabelecer firmemente a colônia, colocando seu filho mais velho à frente dela. Também lançou os germes da exploração de vidro, ao fundar uma cidadela nas montanhas, chamada de Forte Novo.
Ao voltar para o reino Sumbudodhama levava apenas três navios, atulhados de madeira, cana de açúcar, pimenta, aves raras com as penas vistosas, e frutos curiosos. O resultado de sua expedição foi muito lucrativo, mesmo com o pagamento de parte dos lucros ao soberano; eles não eram, entretanto, em um quarto das riquezas que o capitão trouxe da ilha.
Ele espalhou a história que sua colônia fora varrida logo no início, de forma que ele não pudera estabelecer uma rede de feitorias. Naquele momento, ele era o único capitão com mapas precisos (ainda que não se
imaginasse isso, na época) e tripulação experiente, e mesmo com capacidade de custear outra expedição.
Foi o que veio a fazer, dois anos depois.
Dessa vez, ele dividiu a exploração em dois grupos distintos: ele, pessoalmente, lideraria nove naus, com mil e cem pessoas, com o objetivo oficial de fundar uma colônia, nos termos do acordo anterior com o rei. Seu irmão partiria dois anos depois, com seis navios e oitocentas pessoas, e seu objetivo era fundar outra colônia, de forma a criar uma rede de feitorias; na verdade, ambos iriam para a ilha, fortalecer o domínio de Sumbudodhama na região.
A segunda expedição consolidou a ilha de Sumbuda, transformando-a em uma galinha dos ovos de ouro do barão d’Espadarte. Não apenas pelo número de colonos, mas pela sua diversidade: ao lado de camponeses, ele trouxe ferreiros, médicos, estudiosos, enfim, uma gama de pessoas que se dispunham a viver e enriquecer aquela região. De fato, Sumbudodhama queria uma espécie de principado que ele pudesse moldar de acordo a sua visão de mundo e de realidade. Durante outros trinta anos ele manteve o movimento de pêndulo, e chegou, mesmo, a fundar pequenas feitorias em nome de seu rei, mas tinha como objetivo fundamental enriquecer sua ilha.
Ele passou os dez restantes anos de sua vida na cidade que ajudara a fundar e consolidar. Seu filho, agora, era quem realizava o movimento de ida e volta para o reino, complementando, assim, a sua experiência como governante. Já não era possível esconder do rei o que ele fizera a sombra do monarca; mas os tempos eram outros, e não era ele o único monarca que começava a se interessar por terras além do horizonte do mar de juncos.
Ao morrer Sumbudodhama, a Era da Pirataria no mar de juncos acabava de se iniciar. Ele foi chamado, depois da morte, de primeiro Rei de Sumbuda, o fundador da dinastia até hoje reinante na ilha.
Coube ao filho dele, Rahnudha I, conceber uma forma de sua ilha sobreviver ante ao caos da descoberta do novo mar. Rahnudha era parecido com um pai, só que dotado de maior pragmatismo e de espírito mais empreendedor. Assim, ele não se envolveu numa quimera da dominação dos mares (que era impossível em termos humanos), mas sim em se tornar útil aos contentores. Rapidamente sua ilha assumiu o papel de um território neutro, um porto ordeiro e organizado onde qualquer nau poderia parar e abastecer-se de comida e água, obter instrumentos ou concerto, vender ou comprar mercadorias, etc, desde que cumprisse as leis do local e pagasse as taxas. Em pouco tempo, piratas e marinheiros caminhavam e bebiam juntos nas tavernas, para se matar, dali a meses, em combates navais. Piratas vendiam carregamentos e produtos do saque obtidos em seus reides a comerciantes de outras bandeiras, bem como compravam suprimentos dos nativos da ilha, ou tripulações mercenárias. E, como antes, diversas nações iam buscar a pesca, da madeira, e das manufaturas de vidro de alta qualidade fabricados na ilha.
O grande elemento do reinado de Rahnudha foi à inserção de Sumbuda na rota das grandes navegações como um porto seguro. Outro feito digno de nota aconteceu pouco depois de sua ascensão ao trono: ele reuniu, no reino, alguns dos melhores cartógrafos, fabricantes de bússolas e mapas, bem como navegadores experientes, dado que, no reino, alguns estavam sendo perseguidos em face de supostas ligações com piratas. Com essa elite, e uma biblioteca enorme em mãos, Rahnudha fundou a (hoje bicentenária) Corporação dos Cartógrafos e Fabricantes de bússola, cuja função era fornecer, por um preço, instrumentos e mapas de qualidade, bem como conselhos e a localização de determinados locais. Esse grupo de sábios rapidamente ganhou notoriedade, já que eles viviam em um dos centros mundiais de novas descobertas. Os mapas fabricados em Sumbuda eram vendidos a preços altos, e reputados pela qualidade e exatidão – e o rei tinha sempre uma parte apetitosa do lucro.
Sucedeu Rahnudha I seu filho, Sumbuda I. O reinado desse soberano é lembrado pela riqueza que cobriu a ilha, bem como pela reconstrução da cidade de Sumbudodhama. Ao contrário do pai e do avô, homens sem instrução mais apurada, Sumbuda I foi educado desde o início como um marinheiro e como um erudito; foi ele quem redigiu a primeira crônica do reino de Sumbuda, e foi ele quem agiu como mecenas de diversos artistas e outros eruditos de outras regiões do mundo. Como registram estudiosos da época, “em um dos centros comerciais do mundo havia possibilidade de sem encontrar grupos de filósofos discutindo a natureza metafísica do mundo, passear ao largo de dezenas de obras de arquitetura moderna, ou visitar uma das maiores bibliotecas da época. E isso tudo num clima de liberdade inédito em outras partes, onde ainda se proibia a realização de reuniões para debater algo fora do padrão determinado pelas cortes”.
Mas não apenas como mecenas ou historiador Sumbuda deve ser lembrado. Ele também inseriu a venda de velocinos, um mercado que rapidamente proporcionou outros grandes lucros; também foi ele quem iniciou a exportação da aguardente, produto que alcançou grande popularidade. Outro fato que seria especialmente lembrado por seus sucessores foi o de que ele iniciou a diversificação dos negócios privados do rei: ele garantiu que de forma direta ou indireta, o soberano participasse como um mercador de cada nicho de mercado. Seja subvencionando fazendas, seja explorando minas, seja por meio da venda de escravos (que ele multiplicou), seja na produção de mapas e artigos de navegação, seja nas manufaturas de vidro ou madeira, em todos os negócios ele fazia questão de participar.
Outro fato em seu reinado foi que, pela primeira vez, a ilha foi atacada. Ele debelou as duas tentativas com facilidade, mostrando a outros reinos o poderio de sua não tão grande, mas bem preparada esquadra de guerra. Ao mesmo tempo, seus soldados trucidaram os dois exércitos que conseguiram desembarcar, dado que seu treinamento era excepcional.
Morto Sumbuda I, ele foi seguido pelo curto reinado de seu neto, Sumbuda II, morto em conseqüências de uma praga; há, porém, quem diga que uma bruxa amaldiçoou o jovem monarca no dia de sua coroação.
O filho de Sumbuda, chamado de Sumbudodhama era uma criança de dez anos. Nessa época, diversos comerciantes estavam insatisfeitos com o caráter autocrático do governo do rei, e iniciaram um movimento no sentido de limitar os poderes do soberano. O Ato de Autonomia garantiu os direitos, e deu a essa população representatividade na política, ao mesmo tempo em que limitava o papel do soberano.
O tio do jovem príncipe, Rehrydu, foi o grande artífice de um acordo de caráter pragmático: ele sabia que, mais cedo ou mais tarde, seria preciso limitar os poderes autocráticos do rei; assim sendo, que fosse mais cedo e de bom grado, de forma que ele pudesse garantir a seu sobrinho o máximo de autoridade que fosse possível. Além desse fato, dado que seu pai, com suas reformas, tinha aumentado o poder econômico do soberano, não foi difícil apresentar seu sobrinho como dono de um poderio formidável. Nessa época, ocorre a transição do rei para uma espécie de primeiro entre os iguais, e de monarquia consentida.
Sumbudodhama II reinou por longos setenta e oito anos; tendo ascendido ao trono na idade de oito anos, ele viveu por impressionantes oitenta e cinco anos, e é chamado, por alguns, de O Grande. Ele foi o responsável pela total reforma política da ilha, harmonizando e surgindo como árbitro entre a zona rural (fiel a coroa) e aos anseios dos comerciantes radicados nas cidades.
Ele foi substituído por seu filho, Sumbuda III, num reinado sem grande expressão. Hoje, seu neto, Rahnudha II, é quem cinge a Tiara do Espadarte.