por Gehenna em 01 Set 2007, 13:40
Sombra
Parte 12: Jogos
Minha mãe não é normal? Porque sinto essa presença nela? Não entendo. Desfaço os feitiços restantes, troco de roupa e vou dormir. Inconsciência... Escuridão... Vazio... Desespero... Uma planície desolada... Céu vermelho com nuvens negras... Árvores mortas e retorcidas... Gritos de dor e ódio... Barulho... Silêncio... Barulho. Silêncio. Barulho. Silêncio. Abro os olhos. Barulho. O telefone tocando. Será que ninguém vai atender? Mais uma vez ele toca. Me levanto e vou até ele. Ao abrir a porta do quarto, meus olhos doem desacostumados com a luz. Toca de novo. “Já vai”. Atendo. “Alô”.
“Athos?” Voz feminina estranhamente familiar...
“Eu”.
“Oi, sumido! Sabe quem ta falando?”
“Alguém que me acordou...”
“Hahaha, vai mais. Fica até altas horas na farra, né?”
“Quem é?”
“Nossa, que falta de consideração. Também não digo, vai ter que adivinhar”.
“Então vou desligar e voltar a dormir. Quando você quiser falar quem é, me liga de novo”.
“Larga de ser chato, Athos. É a Graça”.
Graça... Amiga de longa data... Estudamos juntos da 7ª série até o 2º ano... Se mudou pra capital no mesmo ano que eu. Nos encontramos bastante no início, mantendo a proximidade, mas já faz mais de mês que não nos falávamos. Gosto muito dela. “Graça? Oi, há quanto tempo”.
“Nossa, agora melhorou bastante, seu rabugento. E faz tempo por culpa sua”.
“É, eu sei... Foi mal. Ainda bem que você existe pra me corrigir. Não sei o que seria de mim, sem você”.
“Acho que seria mais preguiçoso e menos rabugento”.
“É... Mas, e aí? Como vão as coisas?”
“Bem. E com você?”
“Mais ou menos. Entrei numa fase meio estranha da minha vida”.
“Vai fazer alguma coisa hoje? A gente podia se encontrar. Ficar falando por telefone não é muito legal”.
“Poxa, hoje eu to cheio de compromisso. Pode ser amanhã à noite, o que você acha?”
“Ótimo, adoro sair segunda-feira à noite. É tão... Nada a ver”.
“Então escolhe um dia, aí”.
“Pode ser amanhã mesmo. Ter conseguido um horário na sua agenda lotada já está ótimo”.
“Não exagera, Graça. Aonde você quer ir?”
“Pode ser num shopping. Que horas?”
“Lá pelas sete e meia. Qual shopping? Goiânia?”
“É. Mais perto”.
“Ok, então a gente se vê lá”.
“Vê se não esquece, hein?”
“Pode deixar. Beijo. Tchau”.
“Beijo”.
Desligo. Graça... Nas últimas vezes que nos vimos, começou a rolar alguma coisa. Mas não queria me envolver em algo sério. Para não magoá-la, tentei me distanciar. Por isso fazia tanto tempo que não nos falávamos. A culpa é minha mesmo. Olho as horas. Onze e meia! Tenho que me arrumar, não posso me atrasar pra sessão. Me arrumo rapidamente, como qualquer coisa... Ao pegar a calça, percebo o revólver. Escondo-o bem, juntamente com as balas. Um papel. O telefone da Roxane. Conheci ela ontem. Depois eu ligo. Agora não vai dar. Vou para o ponto de ônibus e me dirijo pra casa do Bruno.
O grupo de aventureiros finalmente encontra seu inimigo: Dracon, um dragão vermelho que há tempos escravizava uma pequena cidade. Lá estava ele, no fundo de um labirinto subterrâneo, detentor de incríveis poderes e grandiosas riquezas. Orgulhoso e confiante, e com motivos para isso, ele olhava para os meros mortais que ousavam adentrar seu covil. Como todos os outros, estes pereceriam ali. Pouco se diferenciavam de outros estúpidos aventureiros que se julgavam poderosos o bastante para vencê-lo.
Um anão barbudo vestindo pedaços de couro e metal, para proteger seu corpo, empunhava, com seu braço forte, um enorme e pesado machado. Ele sorria exibindo uma selvageria nunca antes vista num representante de seu povo.
Um humano alto e belo vestindo um manto azul com faixas de couro amarradas em pontos estratégicos, para não prejudicar seus movimentos, empunhava um cajado de madeira trabalhada. Em seu rosto a seriedade de alguém que encara a morte de frente e avança.
Uma mulher de orelhas pontudas e olhos amendoados, devido à sua descendência élfica, trajando escassas peças de couro, portava uma adaga que gelava o ar em volta da lâmina, criando pequenos flocos de neve que caiam e se dissipavam no ar. A ambição fazia seus olhos brilharem ao imaginar os tesouros que o monstro dracônico, em sua frente, guardava.
Por último, liderando o grupo, seguia um homem alto, magro e esguio, orelhas muito mais longas e pontudas que as da mulher e os olhos amendoados claros e decididos mostrando ser um legítimo representante da raça élfica. Vestia uma armadura leve feita de couro, em seu pescoço estava pendurado um medalhão com o símbolo da deusa dos elfos e em sua mão estava um florete belíssimo de onde escapavam raios elétricos.
O elfo apontou a arma para seu adversário e bradou: “Dracon, oferecemos-lhe uma chance de rendição. Aceite-a ou ouse testar sua força contra a nossa, sabendo que temos conosco 120% de nosso poder total... E aumentando”.
O dragão respondeu com sua baforada de fogo capaz de incendiar uma cidade inteira. A mulher rolara rapidamente na direção da criatura, escapando das chamas assassinas, posicionando-se embaixo do monstro e rasgando sua carne com a adaga que congelava o ferimento logo após provocá-lo. O couro da criatura era forte, mas mesmo assim, não resistiu aos golpes da semi-elfa.
Antes mesmo da baforada terminar, o elfo saíra do fogo ileso, como se protegido pelo poder da deusa que guiava seu caminho, e já se dirigia na direção da criatura. Seus ágeis e graciosos golpes faziam cortes profundos que logo eram cauterizados pela eletricidade descarregada pela arma. “Teve sua chance de continuar vivo, Dracon. Mas seu orgulho lhe fez desperdiçá-la. Não temos escolha, senão mandar-lhe para o mundo dos mortos. E que os deuses tenham pena de sua alma, se é que você tem uma”.
Após o fim da baforada, surgiam triunfantes o homem de manto e o anão selvagem, atrás de uma barreira mágica. Como se possuído por uma fera furiosa, o anão saiu em disparada portando seu enorme machado e abrindo cortes ainda mais profundos no couro vermelho do dragão. “MORRE, SEU PUTO!”
O dragão, logo vira sua poderosa baforada se mostrar inútil e partira para o combate corpo a corpo, atacando os diminutos inimigos com garras e presas afiadas. Devido ao tamanho dos oponentes, tornava-se difícil acertá-los. Porém, ao atingir a ágil meio-elfa, Dracon percebeu que não seriam necessários vários golpes para derrubar seus frágeis adversários. Com apenas um golpe certeiro, Dracon jogou a mulher já inconsciente e agonizante contra a parede da gigantesca caverna.
O homem de manto apenas observava, aguardando o momento certo para agir. Diferente de seus companheiros, não portava armas, pois sua área de atuação não era o combate. Era um estudioso, alguém que exercitava a mente. Graças à anos de estudos, aprendera a utilizar magia, uma ferramenta que podia ser muito mais poderosa que qualquer arma, se usada corretamente. Ao jogar a mulher contra a parede, Dracon ergueu-se imaginando a vitória próxima. Ao ver isto, o mago encontrou o que queria. A cabeça de seu adversário se encontrava longe de seus companheiros. O elfo corria para socorrer a mulher. Preparou uma de suas magias mais destrutivas mirando a cabeça do oponente. Fazendo os movimentos corretos, ele recitava as palavras mágicas num idioma tão complexo que até ele tinha dificuldades em entender: “Oh, fonte de todo o poder, luz que queima mais que tudo, deixe que teu poder se reúna em minhas mãos. BOLA DE FOGO!”
Dei um tapa em minha testa não acreditando no que ouvi. Diego jogava inúmeros dados de seis faces para calcular o dano que sua magia causaria na criatura. Bruno e Ellen davam risadas, enquanto Cláudio ajudava Diego a contar o resultado dos dados.
“Do que estão rindo? Gostaram das palavras mágicas?” Disse Diego após calcular tudo. Sempre bem vestido, meio playboy, mas muito gente boa. Diego era o mais alto do grupo perdendo apenas para o Bruno. O problema dele era sua lerdeza. Apesar de pensar rápido, demorava para perceber as coisas. Ainda não entendo porque ele quis jogar com o Mago, que tem que ser alguém sempre ligado e atento. Não eram raras as vezes que ele usava magias erradas nas horas erradas e esquecia de usar as magias certas nas horas certas.
“Caralho, vai explodir a cabeça desse dragãozinho de merda”. Disse Cláudio. O mais baixo do grupo, menor até mesmo que Ellen. Compensava isso malhando. Era forte. Apesar da altura, qualquer um pensaria duas vezes antes de se meter com ele. Gostava disso. Não era de briga, mas gostava de impor respeito. Devido ao tamanho e a força, brincávamos chamando-o de Anão. Acabou tomando certo gosto pela raça dos anões, sempre jogava com um deles.
“Foi um belo dano mesmo, pena que não vai ser muito útil”. Disse Bruno, após parar de rir e olhar os inúmeros dados na mesa. Bruno era negro, alto e forte com cabelo blackpower. Pensava rápido e tinha ótimas idéias, por isso era o Narrador do jogo.
“Porque não?” Perguntou Diego ainda sem entender a burrada que fez.
“Dragões vermelhos são imunes à fogo”. Respondeu Bruno sorrindo malignamente.
“Seu burro!” Disse Cláudio acertando um tapa na cabeça de Diego.
“É isso aí, grande mago. Parabéns”. Debochou Ellen. Baixa, magra, bonita e esperta. Gostava de rock. Vivia com camisetas pretas de bandas de heavy metal. Namorava com Bruno há algum tempo. “E você, ô super paladino? Vai deixar a moça aqui morrer?”
“Eu já disse que ia curar seus ferimentos, enquanto Cláudio segura o dragão”. Super paladino. Realmente, meu personagem era do tipo ‘super’ mesmo. Todas as estatísticas e rolagens de dados eram altas. Sou incrivelmente sortudo com os dados. Eram sempre minhas rolagens que salvavam o grupo e frustravam os planos dos vilões criados por Bruno.
RPG. Role Playing Game. Um jogo de interpretação. Um jogo de contar histórias. Um teatro improvisado. Minha forma de fugir da realidade e me divertir. Uma forma de esquecer os problemas do nosso mundo racional e sem graça. Um hobby. Apesar do preconceito que as pessoas têm por não conhecer o jogo, ele é apenas isso: um hobby.
Agora estou descobrindo que nosso mundo não é tão racional e sem graça quanto imaginava. A diferença é que não temos aventureiros combatendo monstros e sim, criaturas se escondendo e usando humanos para seus propósitos.
“Então vou usar Tentáculos Negros de Evard pra segurar o dragão”. Disse Diego pegando o dado apropriado.
“Calma lá, na sua vez você faz isso. Agora é o Athos. Você vai curar a Ellen, né?” Disse Bruno contendo a vontade de Diego de reparar o erro.
“Isso. Cura pelas Mãos. Vou curar todos os pontos de vida dela”.
“Cara, esse bosta do seu paladino é muito apelão”. Disse Cláudio, com seu peculiar linguajar recheado de palavrões desnecessários.
“Ok, Ellen, na próxima rodada você já pode agir. Você acorda com as dores do seu corpo sumindo enquanto seus ferimentos vão se fechando pela bênção do guerreiro divino, aí”.
“Por isso que eu gosto desse nosso super paladino apelão”.
“Agora é o Dracon, que vai mastigar o anão nervosinho”. Diz Bruno jogando os dados do dragão.
“Nervosinho, o caralho! Fúria Bárbara destrutiva que vai transformar seu dragão em suchi. Vou arrancar a língua dele se vier com a boca pro meu lado”.
“Aham... Espera aí que eu to arrumando seus pontos de vida aqui. Ok, o dragão te abocanha. As presas dele dilacerando sua carne e você tentando se safar abrindo a bocarra do monstro, apoiando as mãos no céu da boca dele”.
“Bem desenho animado, né? Eu meto o machado na língua desse cuzão. Vai sangrar até a morte”.
“Na sua vez. Agora é a Ellen.”
“Volto à batalha. Continuar a atacar com a adaga congelante. Sei que ele é vulnerável a dano por frio”. Diz Ellen jogando os dados.
“É?! E porque ninguém me avisou?” Pergunta Diego.
“É meio lógico, né? Forte contra fogo, fraco contra frio”. Responde Ellen.
“Pô, eu tenho Cone Glacial preparado. Podia ter transformado o bicho num boneco de neve há tempos”.
“Na próxima rodada. Nesta você disse que ia usar Tentáculos Negros. Joga aí”.
“To sabendo. Lá vai: ‘Escuridão além do mais negro piche, mais profunda que a mais profunda das noites! Ouça meu chamado e estenda seus braços até nós. TENTÁCULOS NEGROS!’ Beleza, doze tentáculos. Quero prender as garras e segurar a cabeça dele, pra deixar ele imobilizado e enforcá-lo”.
“De onde é que você tirou essas palavras mágicas?” Pergunto curioso. É a primeira vez que ele às utiliza. Depois de improvisar por tanto tempo, parece que dessa vez ele bolou antes de vir pra sessão.
“De Slayers, um anime japonês de fantasia medieval. Legal, né?” Sorrio. Plágio... Era de se esperar.
“Ok, doze tentáculos emergem do chão e começam a agarrar o dragão. Alguns conseguem, outros não”. Diz Bruno jogando os dados, enquanto uma música começa a tocar vinda do celular de Diego.
“Ih, meu pai já ta lá embaixo”.
“Então a gente continua na próxima sessão”.
“Diego, me dá uma carona até lá em casa”. Pede Cláudio que mora perto de Diego.
“Bora. Falô, pessoal”. Diego se despede.
“Falô, seus piolhentos. Até mais”. Cláudio o acompanha.
“Até mais”. Todos se despedem. Ficamos eu, Bruno e Ellen. Como não tenho vocação pra vela e ainda preciso fazer uma coisa, decido ir embora.
“Também to vazando. Tenho que resolver umas coisas ainda e já ta escurecendo”.
“Falô, irmão. Vai nessa”.
“Tchau, super”.
“Falô. Tchau”.
Me dirijo pra casa. Está na hora de ver se a pista que consegui com o traficante é mesmo boa. E tenho a impressão de que é.