Entre As Caças E Os Caçadores

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Entre As Caças E Os Caçadores

Mensagempor Lady Draconnasti em 07 Jun 2011, 01:12

Entre As Caças E Os Caçadores

O restaurante estava razoavelmente cheio naquela sexta-feira de início de mês. Muita gente que havia recebido seu salário pareceu querer esbanjá-lo naquele recinto. Era tido como um dos melhores da cidade, e um dos mais caros, mas isso não parecia ser motivo de preocupação.

Na pior das hipóteses, alguém iria parar na polícia, ou iria “bater um papo” com os seguranças nos fundos do estabelecimento. Nada que quebrasse a rotina.

Alguns dos freqüentadores daquele dia não passavam de homens de negócio que haviam decidido levar o trabalho para a mesa de jantar, ou funcionários que aproveitavam para bajular seu superior em busca de uma promoção mais fácil.

E era entre um gole e outro de Châteauneuf-du-Pape que Tales lançava os olhos cor-de-mel na direção da jovem filha do empresário com quem estava tratando de negócios. Fazia-o discretamente, pouco virando a face alva e bela, mas tanto a jovem quanto seus pais já haviam percebido.

Não era alto. Vestia-se com um Armani de corte moderno, escuro, por cima da camisa social tipicamente branca e acompanhada de uma gravata de cor azul escura. Os olhos frios escondiam toda e qualquer emoção que ele poderia sentir. Seu próprio rosto era muitas vezes descrito como uma máscara de cera, emoldurada por algumas mechas de seus cabelos castanho-claros presos em um elegante rabo-de-cavalo ao qual ele parecia fazer questão de manter.

A verdade era que há muito que ele havia desistido de cortá-lo.

Marcus, seu parceiro de negociação e anfitrião do jantar, lutava contra os instintos paternos para não comprometer aquele tão custoso trabalho. Em pensamento, praguejava com todas as palavras de baixo calão possíveis e imagináveis por aquela persistência quase imoral. Porém estava de mãos atadas.

Sem o dinheiro de Tales, sua empresa jamais conseguiria financiar um projeto tão complicado quanto o que pretendia desenvolver. Como odiava ficar numa situação tão passiva como aquela. E mais ainda, odiava ter de admitir que um rapaz quase trinta anos mais novo conseguisse deter muito mais poder e respeito que um batalhador como ele.

Mas Karen não era tão tolerante assim e já estava farta daquilo tudo. Cansou de fingir não notar aqueles olhos em sua direção, chegou a encará-lo na esperança de que ele parasse com aquilo, no entanto não conseguiu resultados. E a cada minuto, ele parecia estar com o olhar cada vez mais fixo.

A garota nunca gostou de Tales por causa de sua constante apatia. Via-o tão expressivo quanto as pedras de gelo do balde onde o caro vinho se encontrava.

Ela já pensava em sair da mesa, sob a desculpa de tomar um pouco de ar fresco lá fora, quando o jovem empresário se levantou educadamente e se encaminhou para a entrada do restaurante.

A pequena família suspirou aliviada, ignorando um homem loiro e de jaqueta escura que passava pela mesa de trás, na mesma direção que Tales.

As nuvens densas derramavam uma fina chuva, anunciando o temporal que se seguiria algumas horas mais tarde. Tales soltou os cabelos e os deixou cair sobre os ombros. Esfregou as mãos com força, para aquecê-las e guardou o elástico no bolso da calça.

Puxou um maço de Gudang Garam de dentro dele, abriu e deu uma leve batida, antes de levar a delicada caixa à boca. Tornou a guardá-la. No bolso oposto, retirou um isqueiro prateado com o desenho de uma rosa em alto relevo e o usou para acender seu pequeno e novo vício.

A fumaça mentolada dançou diante de seus olhos, tomando-lhe a atenção por uma fração de segundo, como se aquilo trouxesse alguma lembrança à tona. Riu de si mesmo e só após uma longa e calma tragada que o frio homem se permitiu guardar o isqueiro e voltar-se para a porta.

- Não imaginei que era permitida a entrada de animais neste restaurante. – O jovem empresário disparou tão logo viu o homem sair.

- E eu sempre achei que lugar de cadáver era no cemitério. – Respondeu o loiro.

Tales suspirou já acostumado com aquela petulância típica dos lobisomens e olhou bem para o homem de jaqueta.

Ele tinha um bom porte e beirava os trinta anos. Um pouco mais alto que a média, cabelos loiros que iam até a altura ombros largos, braços fortes. Olhos verdes que pareciam queimar constantemente em fúria. Por baixo da jaqueta preta, uma camisa velha de alguma banda de rock adorada por adolescentes. Uma calça jeans azul meio desbotada e rasgada a qual o empresário não sabia precisar se era de fábrica ou se era por uso intenso.

- Vamos lá, eu não tenho tempo a perder com essas brigas. – Sussurrou Tales com certa impaciência. O punhado de cinzas que se formara no cigarro se permitiu desprender do papel e do fumo em brasa.

- Porque eu deixaria essa oportunidade escapar? – Questionou o lobisomem abrindo um sorriso arrogante. – Temos contas a acertar, sanguessuga.

- Ora vamos, não seja um cão estúpido. – Murmurou o vampiro olhando discretamente para os lados. – Não faz muito tempo desde o nosso último confronto e, se não me falha a memória, você foi para o hospital. Mesmo para alguém com suas capacidades, duvido que esteja bem o suficiente para me derrubar.

- Só saberemos se tentarmos, não? – Disse o loiro levando a mão à cintura. Tales sabia muito bem o que havia alí, e da pior forma descobrira o quanto um golpe de Klaive poderia ser doloroso.

O vampiro fechou os olhos, não vendo outra saída. Aquele lobo não ia mudar de idéia, mesmo que custasse sua vida. Não apreciava aquele método, porem não via uma oportunidade melhor e mais rápida.

- Sua companhia para este jantar é deveras atraente. E pelo jeito meio inocente, ouso arriscar que ela ainda seja pura. – Soltou Tales, lançando um olhar de desdém. – Você pareceu gostar muito dela, já que fez o possível para que ela não entrasse em meu campo de visão.

O sorriso audacioso do homem morreu lentamente, dando lugar a um rosnado silencioso.

- Não ouse envolver mortais nisso, cadáver! – O loiro murmurou de volta. – Isso é entre nós dois...

- Não, isso é uma briga idiota entre sua raça e a minha, na qual eu não lembro de ter tomado partido. – Devolveu o empresário dando mais uma longa tragada. Sua voz soou firme, mesmo com uma faísca de irritação maculando a frieza de seu olhar. – Portanto faça de conta que não me viu hoje e eu farei de conta que não o vi. Ninguém precisa saber de hoje.

- Você faz tudo parecer tão fácil...

- Vocês que complicam. – Disse dando uma última tragada antes de lançar os restos do cigarro na rua encharcada pela chuva e tirar o elástico do bolso para, novamente, prender o cabelo claro. – Bem, tenho assuntos mais importantes a tratar lá dentro. Tenha uma boa noite e cuide bem da sua companhia. Boas moças estão cada vez mais escassas nos dias de hoje.

Não esperou pela resposta e abriu a porta sentindo o ar frio do interior do ambiente tocar seu rosto inexpressivo. Ao lobisomem, apenas restou o olhar injuriado e a fúria prestes a explodir em seu peito.
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Lady Draconnasti
 
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