É,
vamos.
Os três primeiros eu fiz sem planejamento ou ideia alguma do que ia escrever.
Pros três últimos, as músicas sempre me fizeram pensar nos temas sobre os quais escrevi. São de RPG, mesmo. O primeiro é do meu cenário, o segundo é de Terras Sagradas, e o terceiro é de Changeling: the Lost.
O segundo ficou especialmente lédico.
Daemonia Nymphe – Nocturnal Hecate [3:19]Reuniram-se na calada da noite, sob a luz da lua cheia. As duas estradas se cruzavam próximas a uma grande cachoeira, e o som da água ribombando sob as estrelas acalmava, com espanto e imponência. As três estavam usando mantos brancos, que refletiam a luz lunar como fantasmas em meio à terra abandonada.
Cantavam.
Deram as mãos, e deixaram as túnicas caírem; o orvalho tomou seus corpos, e a brisa fria as abraçava conforme começavam a dançar; os pássaros da noite as fitavam dos galhos altos, e muitos olhos de raposas refletiam seu brilho distante.
Ela estava chegando.
Abraçaram-se.
Lupercalia – Formismelarasanctusfilix [10:39]A praia havia se tornado um mar de lama; as linhas do tempo distorciam-se, fazendo os viajantes ficarem confusos. O futuro ali era mesclado, tramado e retorcido junto do passado, fazendo a urdidura-mãe ficar como um novelo.
- Não era assim no meu tempo – disse a mulher.
- O problema é que não devia ser assim em nenhum tempo, Kali – concluiu Nasim. Ele deu de ombros. – E nem dá pra gente voltar.
- É uma bosta, cara.
Sim, era uma bosta, ele concordava.
Andaram até sair da praia-mar-de-lama, passando por planícies-cidades-árvores-trinárias. As percepções ainda confundiam-se. Ora sentiam cheiro de coisas ásperas, ora ouviam o barulho terrível do vermelho do horizonte, com o sol que se punha lentamente – ao menos isso era um sinal de passagem do tempo.
- Tá, não dá mais. – Kali sentou-se de repente, num tronco de árvore. – Cansei, sério.
- E vamos fazer o quê? Nem comida temos mais.
- Perguntar pr’aquela doida cantando.
Há pelo menos duas horas (pelo menos achavam isso) havia uma mulher estranha descabelada, seguindo ambos. Ela resmungava coisas num soprano azulado e mucoso.
- Ei, velha – chamou Nasim.
- MELARA! – vermelhidou e azulesceu a mulher. Ela parara de cantar e cochichar, e passou a dizer coisas estranhas. Parecia latim.
Então outras vozes a acompanharam.
A floresta-parque-céu-transbordando falava.
Não restava nada mais a fazer senão dançar, já que uma música animada começara. O mundo enlouquecera, as folhas revoavam em bandos migratórios, e Kali e Nasif resolveram se entregar à falta de sentidos que experimentavam.
Viajar no tempo tinha sido a pior ideia que os dois haviam tido.
Depois de se casar.
Morreram felizes para sempre.
Les Fragments de La Nuit – Entre Ciel et Fer [2:42]O céu caiu. Despedaçava-se no horizonte, recarcomia-se pelas bordas, desfibrilava-se nas intempéries que se formavam por todos os lados. Nuvens de todas as cores rasgavam-se em milhares de outras, enquanto as aves brancas voavam incólumes no meio do fim do mundo.
Desviavam de prédios, casas, precipícios, estátuas, obras de arte e milhares de pessoas que voavam pelos ares, no turbilhão doentio que o fim dos tempos formara.
As aves brancas dividiram-se em borboletas e mosquitos, cada um tomou seu rumo e devoraram-se uns aos outros, no fim das coisas. O criador observava as suas crianças digladiando-se, e sorria acima das nuvens.
Enfim, acabara.
L’Effet C’Est Moi – Les Passions Des Chevaliers Errants [3:27]Após os dois meses de cerco a Beriloshir, as tropas vindas de Samari e Muhânon finalmente puseram-se a marchar pelos campos cheios de corvos e cadáveres. Mais uma batalha estava prestes a acontecer, e as aves gritavam.
O estandarte azul e laranja trazia o sol de Amirtan, desafiando as muralhas impenetráveis da capital de Bados. Os soldados xingavam, muitos deles bêbados e mais corajosos diante do perigo de morte que corriam. As torres de cerco giravam lentamente.
O fim se aproximava, e desde a passagem da Grande Besta o povo não sentia a terra tremer daquela maneira.
Uma flecha voou, solitária, flamejante e precisa, em direção ao portão. O destino do mundo estava sendo decidido. E acabaria ali.
Ulytau – Jumyr-Kylysh [5:04]As cortinas do bordel balançavam, sozinhas. Não havia mais ninguém respirando ali. Kayaz matara todas as vagabundas, seus filhos e a cafetina. Não havia espaço para aquelas pessoas em Audrara. Elas sabiam, desde sempre. O Arhat não tolerava prostituição, e a Casa das Flores vivia escondida, até que ele descobrira por fim onde ficava.
Não havia remorso, ainda que as crianças chorassem. Eram crias da podridão, não podiam viver mais, pois suas almas já nasceram maculadas com o desequilíbrio, com o caos das coisas mundanas.
Kayaz olhou mais uma vez para o sangue espalhado pelas paredes, ali, sentado na janela. Só a lua crescente e os grandes aneis foram testemunhas de seu feito. As estrelas brilhavam, como se aprovassem o ato sagrado.
Desceu pelo parapeito, pulando pelos telhados da capital. Ninguém ouvia seus passos, nem sabiam de sua passagem, pois ele era o Invisível.
Ele era a lâmina do Arhat, e ninguém ficava em seu caminho.
Miranda Sex Garden – A Fairytale About Slavery [8:48]A escada era longa, em espiral. Os degraus tinham musgo e umidade de eras passadas, e o cheiro de sangue seco e morte impregnava o maldito fosso. As paredes, de tijolos riscados e arranhados, estavam todas recobertas de desenhos e frases que amaldiçoavam os donos daquele lugar. A cada lance da longa escada espiralada, jazia um esqueleto acorrentado. Todos eles eram de mulheres, todas elas eram felizes, e toda sua felicidade se esvaiu assim que a porta fechara-se pela primeira vez.
Ninguém sabia quantas correntes haviam lá, nem até onde ia a profundidade daquele fosso. Um único fiapo de luz descia, reto e doloroso, do topo até onde Deus (ali esquecido) sabe onde.
Há semanas a mulher que vemos ali, sentada, não ouve mais ninguém. Os cabelos pretos, desgrenhados e sujos com seus próprios excrementos, cobrem a face que carrega olheiras e cicatrizes, marcas de sabe-se lá quantos meses ali ela fora trancada. Não sabia mais seu nome, não sabia de onde vinha nem como fora parar ali.
Olhe, ela ainda respira. Às vezes ela se deita e fica olhando para cima, para o céu, como se a porta do fosso não existisse. Nessas horas ela sorri, não por lembrar-se de como era o céu, mas porque alguma coisa dentro de si a faz achar graça em tudo. Ou em nada. Não existe mais vida lá embaixo, e toda a esperança se esvaiu.
Só restava o desespero e a fome, a tristeza e a solidão.
Espere.
Alguém abriu a porta. E está descendo. Foi até ela e a abraçou. Até que ela fechou os olhos.
Sorrindo. E morreu.