Os Últimos Dias (ou conto do Pichu)

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Os Últimos Dias (ou conto do Pichu)

Mensagempor Sr. Pichu em 06 Abr 2009, 20:36

Os últimos dias

Me encontro no chão, quebrado, tal qual a minha espada, rasgado como a minha armadura; não sei mais se rezo ao meu antigo patrono por uma salvação pois o vi morrendo diante de meus olhos, nesta mesma batalha.
Sim, tive a glória de poder lutar ao lado daquele que nos dava tanto suporte espiritual através de seu poder, seus milagres que conseguiam nos curar mesmo durante diversas batalhas. Também tive que suportar a visão de vê-lo sendo atacado por todos os lados, sem poder fazer nada além de continuar defendendo a minha própria vida e a vida daqueles que não podiam lutar. Senti o peso de me sentir completamente impotente diante dos inúmeros ataques que ceifavam tanto a vida de meu patrono e seus semelhantes quanto a de meus, até daqueles que outrora eu chamara de adversários...
Aqueles a quem nós chamávamos de deuses tombaram diante de nossos olhos, junto de seus antigos rivais, batalhando como irmãos, assim como nós, seus filhos, também lutávamos lado a lado, sem nos importar com nossas antigas rivalidades, esquecendo nós mesmos dos pecados que cometemos uns contra os outros durante incontáveis gerações, às vezes sob o estandarte da justiça, outras por vingança e muitas, confesso, pelo simples prazer de matar...
Nunca achamos que um dia lutaríamos juntos, qualquer coisa era motivo para derramar mais sangue: desde uma simplória ofensa, quanto até raptos de pessoas importantes, dos dois lados, inclusive batalhas por terras e até escravos para trabalhos menos dignos; entretanto, há pouco tempo atrás tudo mudou. A menos de um mês começamos a receber relatórios estranhos, algo estava vindo pelo oeste massacrando cidades, vilas, reinos, tudo aquilo que conseguia tocar, era destruído, era dito que nada conseguia escapar vivo de seus ataques, não eram escravizados, apenas mortos.
Alguns dias depois, pelos horizontes começaram a vir as massas de refugiados, todos aqueles que tiveram a sorte de conseguir fugir daquele pesadelo que avançava, lenta e impassivelmente, nada temendo, nem diminuindo seu ritmo enquanto massacrava o que alcançava, uma gigantesca massa de devastação. Logo começaram a chegar os relatórios do que era aquilo... Um grupo de criaturas das mais variadas formas, variando desde insetóides a amontoados de carne e órgãos pulsantes, sem um padrão exato, apenas algo em comum: era como se os pesadelos tivessem tomado vida e resolvessem nos atacar. E então, os exércitos das grandes nações começaram a chegar e fortificar este vale, que por incontáveis anos tentaram tomar de nós, que fomos escolhidos pelos deuses para guardar. Este vale cujas lendas dizem que neste local sagrado que os deuses surgiram e começaram a criar tudo neste mundo, que outrora era apenas um lugar estéril, incapaz de suportar qualquer tipo de vida, e ironicamente o último local deste mundo a ser habitado antes do fim.
Nós, os Trolls, sempre estivemos ligados à este local, desde o início dos tempos, e sempre conseguíamos repelir os diversos esforços dos outros nas suas vãs tentativas em se apoderar do “berço do mundo” e mesmo tendo lutados várias vezes durante anos a fio, jamais entendi o porque dessa motivação... Entretanto foi deveras satisfatório ver as outras raças se preparando para a batalha vindoura, se ajudando, montando estratégias, misturando suas tecnologias para melhorar as nossas chances, todos trabalhando como irmãos... da mesma forma que no início, antes das bençãos dos Deuses nos diferenciarem, e começarem os primeiros embates.
E então, numa chuvosa tarde, há apenas dois dias atrás, eles chegaram, como uma onda batendo em uma encosta e nós resistimos, as sólidas formações de músculo e metal conseguiram repelir essa primeira onda, mas como o implacável oceano despeja suas ondas contra as encostas, o nosso inimigo continuou atacando, suas pesadas baixas não os incomodavam, os corpos caídos logo começavam a dissolver em uma gosma ocre, fétida. O frenesi de batalha ia inflamando cada vez mais o nosso inimigo, suas criaturas cada vez mais violentas, tomadas por sede de sangue tamanha, que começam a atacar aqueles que deveriam ser seus aliados, chegando até a atropelá-los para que pudessem chegar mais rápido em nossas fileiras.
Embora as defesas resistissem bem, o cansaço começou a tomar conta de nossas tropas e a moral também começou a fraquejar cada vez mais, pois nem mesmo o mais experiente soldado consegue se manter impassível diante de um inimigo que não se cansa nem teme a morte, se jogando de peito aberto sobre lanças para que surja uma brecha que poderá seja aproveitada por um outro. Mesmo com as preces fervorosas, ondas curativas e os magos fazendo chover fogo e destruição, nossas defesas começaram a ruir, ainda no começo da primeira noite.
Conforme ela ia avançando, a batalha continuava feroz, mas as perdas iam pesando cada vez mais e no raiar do novo dia, os céus se partiram, os deuses começaram a descer de seus tronos celestiais para se juntar à batalha, trazendo suas tropas de anjos e heróis do passado, assim como revivendo e revigorando aqueles que tombaram e os que se encontravam feridos. Com a moral restaurada, mais uma vez a nossa muralha de músculos e metal resistiu, mas os ataques ficavam mais violentos, como se o desespero começasse a tomar conta do inimigo e isso era bom, ele ficou mais descuidado, suas baixas começaram a fazer uma diferença, podíamos vencer!
Mas esse não era o nosso destino. Quando o inimigo começou a recuar, ao horizonte nós vimos algo que calou até o mais alto brado: Seres gigantescos, tão altos quanto montanhas se aproximavam, e o chão tremia... O céu escureceu, trovões gritavam em agonia, e caiu aquela chuva, oleosa, como se os céus tivessem sido rasgados e agora vertessem seu próprio sangue sobre a terra; os ventos gritavam em terror e o frio gélido da morte tocou a nossa alma, quase arrancando-a de nossos corpos, minando as nossas forças, trazendo o desespero à todos. Essa sensação era tamanha que muitos caíram, desmaiados, outros simplesmente morreram de medo.
Um dos deuses da Guerra se adiantou, e lançou à um dos monstros uma lança, tão carregada com seu poder destrutivo que ela riscou o céu, iluminando-o como um pequeno sol que corria veloz até seu alvo até que o atingiu e por um momento, tudo desapareceu, uma forte luz branca brilhou, cegando a todos, quando voltamos a enxergar, um dos monstros se encontrava despedaçado, com uma coluna de chamas devorando-o, e partindo dele, alguma coisa assombrosa, que crescia e engolia a tudo em seu caminho, as árvores que se encontravam no caminho dessa coisa sumiam, algumas com sorte eram arrancadas inteiras do chão até que aquilo nos atingiu, um estrondo gigantesco que varreu o campo, derrubando a todos. O Deus sorri, e grita se contorcendo em dor... ele estava sob ataque de dezenas de braços, surgindo de pequenos rasgos... Outros gritos, os outros deuses também estavam sendo atacados, assim como nós mesmos. As criaturas ressurgiram e agora atravessam as nossas fileiras espalhando caos e morte. Ao fundo, no horizonte, eu vejo que as montanhas desapareceram e eu posso ver as estrelas... aonde deveria ter o chão! Mas antes que eu pudesse pensar em qualquer outra coisa, aquela terrível dor! Quando olho para baixo, posso ver garras tão longas quanto espadas saindo da minha barriga e, tão violentamente quanto elas saíram da minha barriga, elas são puxadas para um lado e meu corpo cai no chão...
A dor é terrível, minhas pernas, onde estão as minhas pernas? Pelos deuses! A dor é demais! Está tudo ficando lento... mais claro... vejo uma criatura voar para onde veio... Ouço vozes entoando algo... a dor está diminuido, que bom, não deve ser tão grave assim... ah... a luz me envolve... ela é reconfortante...
"What is profit to a man, if he gains the world but loses his own soul?" (Matthew 16:26)

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