-----------------------------
Memórias e Lamentos
O garoto chega a casa, resmungando. Mora com os avós. Durante o almoço com o avô, está cabisbaixo.
- Porra, vô! Não é justo. Faz um ano e meio que eu paquero aquela menina. E agora que eu criei coragem para falar com ela, a moça arranjou um namorado, faz uma semana. Isso é muita injustiça.
- Você deveria ter ido falar antes com ela. Demorou demais. Deixe-me contar uma história.
“Há muitos anos, eu flertei com uma garota. Flertes que duraram anos, aos quais ela sempre correspondia. Houve um tempo em que ela inclusive tinha namorado, mas continuava flertando comigo, rapaz.
E as coisas assim ficaram por um bom tempo, naquela época eu era muito tímido. Mas por fim, um dia, na biblioteca da cidade, eu criei a coragem de ir até lá, falar com ela. E conversamos brevemente, nem me lembro mais o que nós falamos, de tão nervoso que fiquei, na ocasião.
Ela sempre estava acompanhada das duas amigas dela, de forma que alguém tímido como eu teria ainda mais dificuldade em se aproximar.
Bom, em outra ocasião, encontrei-a novamente, na biblioteca. Como ela estava com as duas amigas, em uma mesa de estudo, sentei-me em uma das poltronas que ficam nos arredores do elevador e da escadaria. Se ela fosse embora, e alguma hora ela teria de ir embora, ela certamente passaria por ali.
Ainda me lembro, a espera foi interminável, a ansiedade imensa, vários planos mirabolantes do que falar. Mas enfim, quando ela se aproximou do elevador, as amigas junto dela, escutei-as dizer a ela para vir falar comigo. Senti então que não era apenas eu a estar totalmente tímido do que poderia vir a acontecer. Deixando desenrolar tudo que eu havia planejado na poltrona, momentos antes, me levantei, e fui até lá. Olhando fixo para a suave tez da rubra face da jovem, senti-me no domínio da situação. E então, olhando para dois lindos universos castanhos que me observavam atentamente, ...”
- Vô, por favor... seus floreios estão me tirando o apetite!
- Desculpe, vou ser mais específico de agora em diante.
“Então, olhando nos olhos dela, disse-lhe que viesse caminhar comigo por uns instantes, daríamos a volta pelo terceiro andar da biblioteca, apenas, e depois ela poderia ir. Olhei às suas amigas, e disse-lhes que poderiam descer, que não levaria mais do que três minutos o passeio que eu tinha em mente. As amigas dela sorriram. Ela ruborizou.
As amigas adentraram no elevador, e, ficando apenas eu e ela, apontei para o corredor da esquerda da biblioteca, fazendo-lhe uma cortesia para que caminhasse comigo. Começamos a andar, e meu coração acelerou. Respirei fundo. E disse-lhe:
- Como você é linda... você é muito linda. Mas jamais imaginei que fosses tão linda, a menos de um metro de distância... sua beleza é indescritível.
Vi que ela sorriu, e aproveitando que eu havia quebrado o gelo inicial, falei-lhe:
- O homem, por natureza, passa a vida toda à procura de uma mulher que lhe tire o fôlego, por mais longa que seja a procura. Até hoje, não me lembro de uma única vez que, ao flertar com ti, meu coração não acelerasse. Agora mesmo, estou sentindo minhas têmporas pulsarem em um compasso acelerado. Da última e única vez que falamo-nos, tive de interromper nossa conversa brevemente, pois sentia que o nervosismo foi tanto que estava para ter um ataque cardíaco. O que eu quero dizer é que, penso eu, minha procura chegou ao fim. Estou querendo começar algo mais sério, aqui.
Rodei meu dedo no ar, descrevendo pequenos círculos, entre eu e ela. Os olhos dela me olhavam intensamente. Ruborizou. Peguei-lhe a mão. E perguntei-lhe o nome. A voz dela saiu trêmula. Dei-lhe meu nome. E disse-lhe, enfim, se ela gostaria de jantar comigo, no final de semana que se aproximava. Ela assentiu. Enfim, solicitei o número de telefone dela, e nisso já nos encontrávamos novamente à porta do elevador, e ela deu-me o número.”
- Puxa, vovô! Que história sensacional! Foi assim que conheceu a vovó?
- Que vovó, mané! Na verdade, era assim que eu gostaria que tivesse sido. Este é o conto do primeiro amor da minha vida. No entanto, eu lhe digo, meu jovem. Eu fui incapaz de levantar daquela poltrona, no momento em que deveria ter levantado. E nunca mais tive a dádiva de encontrá-la. Irônico contar isso para você, já que a vovó veio logo em seguida...