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Antes do anoitecer

MensagemEnviado: 01 Abr 2009, 10:58
por Peregrino
Antes do anoitecer

- Alô.

- Rico?

- Não, é Helena.

- Ah...Oi Helena é Nicholas. Como vai?

- Vou bem doutor, Henrique não está, saiu mais cedo de casa hoje. É algo urgente?

- Receio que sim, e não é nada bom...

A voz do médico do outro lado da linha era trêmula e vacilante, a situação parecia mesmo séria. Helena achou melhor sentar-se para ouvir a tão urgente notícia, e à medida que ouvia sua expressão mudava de ansiosa para desesperadora.

- Tem certeza? Não há o que fazer? – perguntava a mulher desolada

- Existem vários tipos de tratamento, mas nesse caso as chances seriam mínimas. Há a possibilidade de retardar o processo, mas infelizmente não há muita esperança, eu lamento muito Helena. Quero falar com vocês pessoalmente, mas resolvi ligar antes, pois imagino que você já quisesse se inteirar de toda a situação.

- Sim, eu agradeço – sua resposta parecia automática e sem sentido algum, sua mente já estava longe agora – Quanto tempo?

- Difícil dizer, mas não vejo nada além de seis meses, no máximo. Eu sinto muito mesmo Helena, estou pessoalmente a disposição de vocês dois, é o mínimo que posso fazer.

- Obrigada Nich, eu aprecio seus esforços.

Ela mal esperou o médico despedir-se e desligou o telefone. A sala vazia e opaca inflamara-se com o pesar de uma notícia tão aterradora e cruel.

Helena agora denotava todo o peso de sua idade que há muito se escondia detrás da vida plena que levava; não era bonita nem feia, tinha um sorriso largo e era feliz em todos os aspectos de sua vida, contudo, agora não havia muito tempo era preciso agir ao invés de pensar (...).

Por alguns segundos ela fitou o esplendoroso retrato de seu casamento; há mais de vinte anos atrás se casara com o homem de sua vida e tinha a devida certeza de que Henrique pensava da mesma forma, seus caminhos se encontraram para nunca mais se desviar. Um lampejo ocorreu em sua mente e todo o plano já estava traçado.

- Jim, é Helena, como vai?

- Bom dia Helena, a que devo a honra de tal ligação?

- Preciso de um favor.

O homem ouvia tudo atenciosamente e quanto mais ouvia mais percebia que o favor era extremamente repentino, mas James era um antigo amigo do casal e nunca, em décadas de amizade deixara-os sem atender o que desejavam.

- Helena, isso leva tempo, há muita burocracia, essas coisas não são assim.

- Jim, eu liguei para você, pois dentre todas as pessoas que conheço você é a única capaz de arranjar isso no tempo necessário. Não importa quem você tenha que pagar, e não importa quanto, o dobro, o triplo...Apenas consiga, faça isso como um último favor à Rico e eu.

- Claro (...) – a afirmação veio seguida de desconfiança, mas James não ousaria pedir mais detalhes, conseguiria tudo sem maiores questionamentos.

- Posso contar com você então?

- Sim, às cinco horas?

- Perfeito! Estaremos lá, e Jim... eu agradeço muito.

O resto da manhã pareceu uma eternidade para uma mulher que esperava o fim e ela teve tempo suficiente para despedir-se de cada canto de sua casa, cada objeto estava ali por algum significado especial, desde os talheres até o belo quadro de casamento.

O marido chegara no mesmo horário como de costume, era um homem alto e de cabelos milimetricamente desgrenhados, não gostava de usar gravata e mesmo carregando todo o cansaço do mundo sob os olhos era um homem extremamente feliz. Não tinham filhos, pois o destino fora caprichoso ao fazer com que Henrique não pudesse concebê-los e se não pudessem ser do mesmo sangue do marido, a esposa não fazia questão de criá-los.

Fora recebê-lo na porta com o melhor de todos os sorrisos seguido de um abraço e um beijo demorado. Não era nada incomum a mulher fazer isso com ele, mas naquele dia tudo tinha um motivo oculto e especial, infelizmente.

- Tenho sorte de ter uma mulher como você amor. – ele falava segurando-a firme nos braços e olhando fixamente para baixo em direção a seus olhos.

- Eu tenho o melhor marido de todos, meu companheiro dessa e de todas as vidas; te amo Henrique.

- Também a amo, minha Helena de Tróia.
Almoçaram, e após o término a mulher confessara ao marido que precisava que ele faltasse ao trabalho naquela tarde, havia preparado-lhe uma surpresa e era inadiável.

Mesmo sem entender os reais motivos da esposa o marido não lhe recusou o pedido e imediatamente telefonou para o escritório dizendo que tiraria a tarde de folga, pois tinha um recebido um “convite inadiável”.

A esposa estava cheia de mistérios e não revelava qual seria a surpresa, no fundo seu coração estava cheio de desesperança e medo e só deveria partilhar tais sentimentos com o marido quando chegasse a hora certa.

Passaram a tarde na cama, e após horas de amor, do mais puro amor que um homem e uma mulher podem sentir eles se abraçaram e sentiram em seus corações, que não havia nada mais verdadeiro do que o que sentiam um pelo outro. Depois da maravilhosa tarde que passaram juntos ela disse que a surpresa mal havia começado, e que muita coisa ainda estava para acontecer naquele dia.

Algumas horas depois rumaram para o pequeno aeroclube de sua cidade no qual Helena preparara toda a surpresa, iriam fazer um passeio diferente. Já havia um piloto os esperando na pista com um avião, especialmente preparado para o casal. O piloto logo os cumprimentou e disse-lhes que estava tudo preparado para o passeio com os cumprimentos do senhor James Féder.

De mãos dadas, Helena e Henrique subiram no pequeno avião de passeio e sentaram-se lado a lado entreolhando-se e sentido a felicidade transbordar, infelizmente para Helena uma sombra pairava sobre seu coração como uma nuvem de tempestade que insiste em encobrir o brilho do sol.

A subida fora suave e a vista era incrível, do alto eles contemplavam toda a cidade e vagarosamente rumavam para o campo. Ela havia dito que precisavam ver tudo lá do alto e que as coisas mundanas deveriam ficar pequenas aos seus olhos, e foi sensação maravilhosa para ambos, contudo havia algo a ser dito.

- Querido – ele parou de olhar pela janela panorâmica e sorriu-lhe – Tem algo que preciso contar.

- Diga meu bem, sou todo seu. – o sorriso ainda fitava a esposa com ternura e atenção.

- Não podemos mais ficar juntos, o destino quer nos separar.

- O que!? – ele não entendeu bem o que ela dizia, mas a mão da mulher tocou seus lábios e calou-o.

- Não diga nada, não há o que temer. Lembra-se que prometemos ficar juntos não importando o que acontecesse?

- Helena, eu a amo. E nada vai nos separar...nada!!!

- Eu sei que não meu amor, ficaremos juntos para sempre.

E depois de avançar no marido e beijá-lo intensamente, a mulher agora com lágrimas nos olhos, correu para a porta do avião, abriu-a subitamente e sem olhar para trás mergulhou em direção à vastidão do céu.

O marido espantado e ao mesmo tempo paralisado sentia o seu coração bater a mil por hora, seus olhos não acreditavam na realidade, ‘o que estava acontecendo?’. Após alguns segundos aturdido ele então correu até a porta aberta e olhou o corpo da mulher que caía rapidamente.

Aquela visão era apavorante, sentia-se atônito, impotente e não conseguia raciocinar direito, eram milhões de pensamentos ao mesmo tempo para uma pessoa só processar. Sua boca estava seca, suas pernas trêmulas e suas mãos suavam.

Ele parou, respirou fundo e fechou os olhos; não havia muito o que fazer. Nesse momento o piloto então se deu conta do que havia acontecido e olhando para trás viu que o casal tinha aberto a porta do avião e pulado de lá, um atrás do outro.

(...)

E foi assim que, após descobrir que seu amado companheiro havia marcado um encontro inevitável com a morte, Helena decidiu que não viveria para vê-lo definhar e partir, muito menos que continuaria vivendo solitária nesse mundo sem ele.

A separação de seu amor não estava em seus planos e resolvera deixar nas mãos de Henrique se iriam despedir-se um do outro ou se iriam juntos, assim como em vida, conhecer os campos santos.

Sem hesitação ela havia traçado todo o plano, não sentia mais medo da morte, o receio era o de perder o amor de sua vida. E foi no fim do dia, ao mesmo tempo em que o sol se punha que Henrique e Helena deixaram marcadas suas promessas e partiram inseparáveis para o infinito, antes do anoitecer.