O Baile

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O Baile

Mensagempor Myako Lumine em 01 Abr 2009, 07:15

Pisquei de forma abobalhada ao entrar naquele lugar tão ricamente decorado. As luzes eram fracas e convidativas, relacionando-se de forma quase perfeita à música que se espalhava, invadindo meus ouvidos.

Segui até um dos bancos, tímido e cabisbaixo, apesar de atento aos detalhes de tamanha beleza que me cercava. Sentei-me em um dos cantos, isolado dos outros convidados. Não que os temesse ou não os tivesse como amigos, apenas ainda estava absorto em minhas observações do cuidado que os outros haviam tomado para a preparação do baile.

As faixas brancas, as toalhas em um tom de azul-bebê e até mesmo a roupa dos garçons! Tudo estava em perfeita harmonia, como um banquete para os olhos. Até mesmo o banquete alimentava os olhos dos presentes, pois da forma que fora arrumado e decorado fazia muitos – incluindo eu – pararem para observar a mesa por alguns minutos e se deliciarem com o visual que lhes era oferecido.

Distraí-me por instantes, repousando minha atenção nos casais que dançavam ritmadamente no centro do saguão. Os vestidos eram como auroras boreais infinitas, parecendo mudar de cor diante de meus olhos enquanto as damas se moviam, trocando de parceiros naquela coreografia que parecia tão bem ensaiada, mas, ao mesmo tempo, visivelmente espontânea. Era um espetáculo que, diante de minha inocência, não podia ser algo feito pelas mãos humanas. Da mesma maneira que uma criança fica hipnotizada pela primeira visão de um arco-íris, fiquei eu diante daquela onda de sorrisos e cores que me invadia.

Até que a vi. Descendo as escadas devagar, o rosto corando enquanto toda aquela festa parecia parar apenas para venerar a sua presença, estava a personificação de toda a beleza que eu já havia visto até o momento. A prova de que o infinito existia, de que havia um artesão acima de todos nós, moldando toda a existência. Se não é verdade, naquele momento foi, ao menos para mim, pois não havia outra maneira de explicar a sua beleza. Nada seria capaz de criar algo tão rico em detalhes, mas, ao mesmo tempo, tão simples.

Seu sorriso era inocente; tímido se comparado aos que eram vistos por todos os lados. As damas que eu erroneamente havia julgado como puras e dignas de admiração agora tinham, em suas maquiadas faces, sorrisos amarelados de inveja. Enquanto isso, aquele diamante, aquele raio de sol que andava entre nós, não tinha nem mesmo um grão de falsidade, a sua face macia e angelical completamente livre daquela prisão da vaidade, abrindo-se em um sorriso prazeroso ao ser cumprimentada.

Acompanhei sua trajetória até o centro dos casais, sozinha, andando de forma simples e recatada. E finalmente pude repará-la melhor, pois a nossa distância tornara-se quase insignificante.

Usava um vestido simples, caindo até seus tornozelos, branco, que contrastava com sua pele morena muito bem tratada. Os cachos negros caíam sobre os ombros de forma graciosa, emoldurando seu rosto de tal maneira que acentuava os olhos castanhos e aqueles lábios sempre abertos em um sinal de felicidade.

Quase caí quando a música recomeçou: os movimentos que fazia, cercada pelos outros casais, era... indescritível. Tal qual o vôo de uma borboleta que nos faz esquecer o mundo enquanto nos prende nas cores de suas asas simétricas, tal qual é a raridade e a beleza de observar um pôr-do-sol após uma tempestade, podendo contemplar um arco-íris banhado por um tom alaranjado... Tal qual a perfeição com que fora criada a natureza eram seus passos acompanhando as notas que saíam dos instrumentos da orquestra.

Era graciosa de tal forma que não me surpreenderia se, de repente, surgissem asas em suas costas, e ela sumisse na noite iluminada pela lua. Desejava que a música jamais parasse: que eu pudesse observá-la pelo resto de minha existência. E assim fiquei, com os olhos fixados em sua dança por horas sem que eu sequer percebesse o que acontecia ao meu redor, totalmente alheio a tudo e todos, menos a ela.

Despertei de meus pensamentos apenas quando senti os primeiros raios de sol tocarem meu rosto, acariciando minha pele de forma suave. Por um momento pensei que fosse ela me acordando, mas percebi meu engano ao vê-la, já sem os sapatos e com uma expressão de extremo cansaço, subir as escadas novamente, acenando para os presentes de forma gentil. A festa acabara, e eu sequer havia descoberto seu nome...

Levantei do banco, sorrindo de forma satisfeita. Tomei entre minhas mãos uma das rosas brancas que decoravam o saguão, saindo em seguida. Era a minha maneira de jamais esquecer o que havia visto naquele baile, o que havia sentido.

Cheguei a casa recebendo o abraço preocupado de minha mãe, que preparava a mesa do café da manhã para mim e para meu pai. Agradeci seu gesto, mas aleguei estar sem fome, subindo em seguida para meu quarto. Guardei minha pequena lembrança em uma redoma de vidro, repousando-a ao lado de minha cama.

Naquela noite, eu sonhei com o baile. Naquela e em muitas outras que vieram depois. Dentro de mim, eu já sabia que jamais a veria novamente, mas isso não me causava dor. Mesmo que a visse, eu era apenas um desconhecido que a admirava. E eu preferia assim, pois o que eu sentia não era o mesmo que ela imaginaria ser.

Era admiração, apenas. O desejo de vê-la dançando, de vê-la sorrir eternamente. Mas, para isso, já me bastavam as minhas memórias e a rosa branca que, mais tarde, se tornaria uma marca minha.

Não foi a festa que marcou a minha adolescência. Nem a música. Tampouco um grande amor. Mas, sim, a pura e inocente beleza daquela dama que, em sua dança e simplicidade, tornou-se eternamente a minha musa, a minha fonte de inspiração para viver.

Apenas para lembrar-me, ao me deitar, de seu sorriso.
"Estou nessa joça há nove anos e por mais que eu xingue, reclame, despreze, sempre volto. Porque no final das contas, não importe por onde você rode nesse mundo internético, não encontrará local mais engraçado, insano, plural e possível de ter debates de qualidade com pessoas ridiculamente diferentes."
- Sampaio

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