Há umas duas semanas eu e Madruga jogamos umas ideias no caldeirão sobre Tervat e outras áreas das Terras Sagradas, e uma das coisas que saiu foi um pouco da história da região. Eu não acho que história seja o tipo de informação mais relevante para os jogadores, mas eu acho uma ferramenta importante se bem usada pelos desenvolvedores. Então com as ideias que eu e o Madruga discutimos, e algumas outras que já estão espalhadas pelo fórum, eu escrevi o texto que segue. Fiquei em dúvida entre colocar aqui, como desenvolvimento, ou na seção de contos, pra chamar atenção pras Terras Sagradas. Por ora coloco aqui, porque quero que este texto seja parte do desenvolvimento e até do metaplot do cenário, aliado a algumas outras coisas que precisam sair do papel. Óbvio, aguardo comentários e principalmente críticas de todos vocês.
Um abraço,
Emil.
História dos povos de Tervat e Chemkrë
É impossível pensar nos Fnugsata ou nos Privodnaha sem pensar na floresta, e quando a primeira árvore de Avkhass brotou, com o tronco emergiram do solo os últimos, e com as raízes se refugiaram nas profundezas os primeiros. Com os humanos, é completamente diferente. Ninguém sabe de onde os humanos originalmente são, e parece que eles estão sempre indo para um outro lugar. Estudar sua origem pode ser extremamente frustrante, uma vez que quando se descobre o ponto anterior de sua jornada, invariavelmente nota-se que eles só estavam lá porque vieram de um outro lugar. Mas este não é um estudo sobre o Lugar Inicial¹; é apenas um relato da formação dos povos de Tervat e Chemkrë, baseado em pergaminhos encontrados nas bibliotecas de X em Tervat, Nitsakrocou em Chemkrë, e Grande Observatório de Irashir em Daguna.
Os humanos habitam as terras hoje chamadas Tervat desde tempos imemoriais. Talvez um dia descobriremos que os humanos não possuem um, mais vários Lugares Iniciais, porque eles eram um tanto quanto diferente dos humanos que conhecemos hoje: os humanos que viviam ali haviam desbotado. Sua pele era demasiado clara, e alguns haviam perdido a característica coloração escura do cabelo. Ele se tornara amarelo, fino e quebradiço. Seus olhos eram extremamente claros, e doíam muito nos dias em que o sol brilha mais forte na abóboda. Não é de se estranhar, portanto, que quando os então forasteiros chegaram com sua pele queimada, cabelos escuros, grossos e fortes, e sua compleição mais forte, não tiveram problemas em se estabelecer junto aos antigos moradores da região. Ou seja, a população humana morena que hoje habita as áreas de Tervat, Chemkrë e Daguna foi a última a chegar a este continente.
Tudo indica que esses humanos vieram do sul, de além-mar. Talvez eles dominassem artes de navegação agora perdidas, ou talvez o mar bravio, como muitos de nós, tenha se encantado com a persistência e a teimosia dos humanos, e cessado momentaneamente suas correntes, aplainado temporariamente suas pedras, para que, como prêmio pelas diversas tentativas, eles o cruzassem e encontrassem sua Terra Prometida.
Sim, os antepassados dos Tervatianos vieram para estas terras em busca de uma Terra Prometida da qual suas lendas contavam. Claro, hoje eles não sabem mais disso, mas se encontrassem os textos que suas próprias bibliotecas escondem, rapidamente poriam-se a reconstruir navios que os levassem de volta às terras perdidas ao sul, achando que a Terra Prometida da lenda só poderia ser aquela da qual seus antepassados migraram. Todos sabemos, os humanos são um povo muito inquieto e volúvel.
Esse povo mais escuro ocupou primeiro as áreas costeiras do sul de onde hoje é Tervat e talvez do oeste da atual Chemkrë, e travou os primeiros contatos com a população antiga, em sua maioria pacíficos, a partir dali. A nova morada não era exatamente a Terra Prometida, em que o néctar do Uno chovia diariamente dos céus, mas as terras eram bastante férteis, e os novos habitantes não tiveram muito trabalho em domá-la para fazer nascer os alimentos que eles preferiam². A partir dali também, por meio da miscigenação, eles foram devolvendo a cor que faltava ao continente. O chão pedregoso do leste fez com que esses humanos se desenvolvessem em direção ao norte, e muitos encararam aquele solo que se recusava a se submeter à sua vontade como uma pista do verdadeiro desafio a ser superado para alcançar a Terra Prometida. Mas a escassez inicial de recursos, e a preocupação primordial em sobreviver fizeram com que a a empreitada fosse postergada em muitos anos e algumas gerações.
O primeiro excedente de recursos aconteceu em XXXX. Um grande grupo foi destacado com a missão exclusiva de se firmar no leste. Várias comunidades, que doravante chamaremos de proto-tervatianas, ofereceram voluntários para a arriscada empresa. Os proto-tervatianos contavam com um bom contingente e uma boa organização, mas a Vontade da Natureza reservava a expansão tervatiana para um outro momento. Só isso explica a série de catástrofes que se seguiu. A principal delas foi um inverno fora de hora, com grandes nevascas, que acabaram com várias colheitas das comunidades proto-tervatianas, e dizimaram os grandes líderes da expedição. Os sobreviventes ficaram isolados após cruzar uma rota de migração de homens lagarto. Chamaremos esses sobreviventes isolados de proto-chemkri.
A partir daí, as comunidades cresceram de maneira bastante diferente. Do lado dos proto-tervatianos, durante muito tempo a principal preocupação foi recuperar-se dos danos causados pelo rigoroso inverno fora de época. Mais algumas gerações e passaram até que as colheitas se normalizassem, e os primeiros conflitos com povos do norte – que em nada se assemelham a atual Liga dos Povos do Norte – e aos proto-tervatianos tiveram que começar a se organizar e militarizar para resistir. Em alguns anos as comunidades proto-tervatianos dariam origem ao império guerreiro de Tervat. A paixão daquele povo moreno não poderia ficar contida apenas na defesa do seu território, e agora que oeste do continente estava pintado novamente em cores fortes, a Vontade da Natureza permitiu que Tervat crescesse para todos os lados. A busca pela Terra Prometida provavelmente se tornou a expansão pela Terra Prometida, e logo depois a Terra Prometida deu lugar a outras buscas mais ao gosto guerreiro e expansionista, até ser esquecida por completo.
Do lado dos proto-chemkri, a opção pela sobrevivência fez com que o contato com os povos que habitavam as terras pedregosas tive quer pacífico, ou pelo menos neutro. Os proto-chemkri aos poucos se misturaram às populações da planície. Algumas comunidades se integraram aos nômades do oriente, enquanto outras travaram contato com os povos da floresta, e aprenderam o respeito à Vontade da Natureza com os Privodnaha e as artes ocultas com os Fnugsata. Não é a toa que, apesar de viver num solo muito mais hostil, os chemkri atuais conseguem plantar para si e ainda pagar tributos à Tervat. Além disso, com os grandes conflitos que começavam a ocorrer no oriente distante, um certo influxo de populações conseguiu chegar até o território dos proto-chemkri, que, acostumados às adversidades, e solidários com os que passavam por dificuldades semelhantes.
Durante muito tempo, o contato entre Tervat e proto-Chemkrë restringiu-se a exploração esporádica de rotas comerciais por parte de Tervat, e ocasionais contatos de missões religiosas partindo tanto de um lado quanto de outro. Em nenhum lugar falava-se ainda da Terra Prometida, e muito menos sabia-se da expedição que originara as comunidades proto-chemkri. Finalmente, em XXXX, Tervat invadiu os territórios proto-chemkri, e, como nós sabemos, a situação permaneceu assim até XXXX, ano da fundação do reino de Chemkrë. Há vasta literatura sobre os anos da ocupação, as revoltas Naotsof, e os acordos que possibilitaram a elevação de Chemkrë de província a nação amiga de Tervat, além daquilo que é de conhecimento livre e corriqueiro, e mesmo o populacho mais distraído comenta nas mesas das tavernas.
Nem tervatianos nem chemkri estão minimamente cientes de sua origem comum, e não parecem se importar de não saber. Os humanos não são muito cônscios de seu passado, e preferem que assim seja. Soubessem sobre si tanto quanto nós sabemos, porque a nós foi dado conhecer o mundo através da Vontade da Natureza, saberiam que as terras ao sul não são devaneios de uma mente tresloucada, mas sua própria origem está atrelada a elas. Infelizmente, eles preferem abrir mão daquilo que é certo, e abraças as fantasias ébrias dos vunyas dagunares, os mesmos que crêem poder manter uma relação de igual para igual com a sabedoria dos povos d'A Grande Floresta. Talvez, para nós, seja melhor assim. Deixemos que eles ignorem a si mesmos e nos subestimem. Avkhass já deitou suas raízes por cima de reinos muito mais longevos.
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1. Infelizmente, ao passo que cada vez menos o jovem Privodna ouve falar do Lugar Inicial, o ponto a partir do qual os humanos surgiram, mais entre nós se espalha a mortiça crença dagunar de que os a origem dos humanos é a vontade do Uno de mover-se. Assim, só quando o fiel volta ao Uno após sua última encarnação é que ele pode compreender a origem-movimento dos humanos. É preciso reconhecer uma certa criatividade inútil nesta fabulação – os vunyas tem um gosto pitoresco pela contação de estórias. Mas é salutar que se frise: a origem-movimento não passa de uma bela mas ingênua lenda engendrada pela mente de um vunya, baseada em contos de sua vã religião. O único estudo sério possível da origem humana é o da busca do Lugar Inicial.
2. Os humanos chamam trocar as benesses que a terra dá pelas que eles escolhem plantar ao custo do desgaste do solo de agricultura.
Os humanos habitam as terras hoje chamadas Tervat desde tempos imemoriais. Talvez um dia descobriremos que os humanos não possuem um, mais vários Lugares Iniciais, porque eles eram um tanto quanto diferente dos humanos que conhecemos hoje: os humanos que viviam ali haviam desbotado. Sua pele era demasiado clara, e alguns haviam perdido a característica coloração escura do cabelo. Ele se tornara amarelo, fino e quebradiço. Seus olhos eram extremamente claros, e doíam muito nos dias em que o sol brilha mais forte na abóboda. Não é de se estranhar, portanto, que quando os então forasteiros chegaram com sua pele queimada, cabelos escuros, grossos e fortes, e sua compleição mais forte, não tiveram problemas em se estabelecer junto aos antigos moradores da região. Ou seja, a população humana morena que hoje habita as áreas de Tervat, Chemkrë e Daguna foi a última a chegar a este continente.
Tudo indica que esses humanos vieram do sul, de além-mar. Talvez eles dominassem artes de navegação agora perdidas, ou talvez o mar bravio, como muitos de nós, tenha se encantado com a persistência e a teimosia dos humanos, e cessado momentaneamente suas correntes, aplainado temporariamente suas pedras, para que, como prêmio pelas diversas tentativas, eles o cruzassem e encontrassem sua Terra Prometida.
Sim, os antepassados dos Tervatianos vieram para estas terras em busca de uma Terra Prometida da qual suas lendas contavam. Claro, hoje eles não sabem mais disso, mas se encontrassem os textos que suas próprias bibliotecas escondem, rapidamente poriam-se a reconstruir navios que os levassem de volta às terras perdidas ao sul, achando que a Terra Prometida da lenda só poderia ser aquela da qual seus antepassados migraram. Todos sabemos, os humanos são um povo muito inquieto e volúvel.
Esse povo mais escuro ocupou primeiro as áreas costeiras do sul de onde hoje é Tervat e talvez do oeste da atual Chemkrë, e travou os primeiros contatos com a população antiga, em sua maioria pacíficos, a partir dali. A nova morada não era exatamente a Terra Prometida, em que o néctar do Uno chovia diariamente dos céus, mas as terras eram bastante férteis, e os novos habitantes não tiveram muito trabalho em domá-la para fazer nascer os alimentos que eles preferiam². A partir dali também, por meio da miscigenação, eles foram devolvendo a cor que faltava ao continente. O chão pedregoso do leste fez com que esses humanos se desenvolvessem em direção ao norte, e muitos encararam aquele solo que se recusava a se submeter à sua vontade como uma pista do verdadeiro desafio a ser superado para alcançar a Terra Prometida. Mas a escassez inicial de recursos, e a preocupação primordial em sobreviver fizeram com que a a empreitada fosse postergada em muitos anos e algumas gerações.
O primeiro excedente de recursos aconteceu em XXXX. Um grande grupo foi destacado com a missão exclusiva de se firmar no leste. Várias comunidades, que doravante chamaremos de proto-tervatianas, ofereceram voluntários para a arriscada empresa. Os proto-tervatianos contavam com um bom contingente e uma boa organização, mas a Vontade da Natureza reservava a expansão tervatiana para um outro momento. Só isso explica a série de catástrofes que se seguiu. A principal delas foi um inverno fora de hora, com grandes nevascas, que acabaram com várias colheitas das comunidades proto-tervatianas, e dizimaram os grandes líderes da expedição. Os sobreviventes ficaram isolados após cruzar uma rota de migração de homens lagarto. Chamaremos esses sobreviventes isolados de proto-chemkri.
A partir daí, as comunidades cresceram de maneira bastante diferente. Do lado dos proto-tervatianos, durante muito tempo a principal preocupação foi recuperar-se dos danos causados pelo rigoroso inverno fora de época. Mais algumas gerações e passaram até que as colheitas se normalizassem, e os primeiros conflitos com povos do norte – que em nada se assemelham a atual Liga dos Povos do Norte – e aos proto-tervatianos tiveram que começar a se organizar e militarizar para resistir. Em alguns anos as comunidades proto-tervatianos dariam origem ao império guerreiro de Tervat. A paixão daquele povo moreno não poderia ficar contida apenas na defesa do seu território, e agora que oeste do continente estava pintado novamente em cores fortes, a Vontade da Natureza permitiu que Tervat crescesse para todos os lados. A busca pela Terra Prometida provavelmente se tornou a expansão pela Terra Prometida, e logo depois a Terra Prometida deu lugar a outras buscas mais ao gosto guerreiro e expansionista, até ser esquecida por completo.
Do lado dos proto-chemkri, a opção pela sobrevivência fez com que o contato com os povos que habitavam as terras pedregosas tive quer pacífico, ou pelo menos neutro. Os proto-chemkri aos poucos se misturaram às populações da planície. Algumas comunidades se integraram aos nômades do oriente, enquanto outras travaram contato com os povos da floresta, e aprenderam o respeito à Vontade da Natureza com os Privodnaha e as artes ocultas com os Fnugsata. Não é a toa que, apesar de viver num solo muito mais hostil, os chemkri atuais conseguem plantar para si e ainda pagar tributos à Tervat. Além disso, com os grandes conflitos que começavam a ocorrer no oriente distante, um certo influxo de populações conseguiu chegar até o território dos proto-chemkri, que, acostumados às adversidades, e solidários com os que passavam por dificuldades semelhantes.
Durante muito tempo, o contato entre Tervat e proto-Chemkrë restringiu-se a exploração esporádica de rotas comerciais por parte de Tervat, e ocasionais contatos de missões religiosas partindo tanto de um lado quanto de outro. Em nenhum lugar falava-se ainda da Terra Prometida, e muito menos sabia-se da expedição que originara as comunidades proto-chemkri. Finalmente, em XXXX, Tervat invadiu os territórios proto-chemkri, e, como nós sabemos, a situação permaneceu assim até XXXX, ano da fundação do reino de Chemkrë. Há vasta literatura sobre os anos da ocupação, as revoltas Naotsof, e os acordos que possibilitaram a elevação de Chemkrë de província a nação amiga de Tervat, além daquilo que é de conhecimento livre e corriqueiro, e mesmo o populacho mais distraído comenta nas mesas das tavernas.
Nem tervatianos nem chemkri estão minimamente cientes de sua origem comum, e não parecem se importar de não saber. Os humanos não são muito cônscios de seu passado, e preferem que assim seja. Soubessem sobre si tanto quanto nós sabemos, porque a nós foi dado conhecer o mundo através da Vontade da Natureza, saberiam que as terras ao sul não são devaneios de uma mente tresloucada, mas sua própria origem está atrelada a elas. Infelizmente, eles preferem abrir mão daquilo que é certo, e abraças as fantasias ébrias dos vunyas dagunares, os mesmos que crêem poder manter uma relação de igual para igual com a sabedoria dos povos d'A Grande Floresta. Talvez, para nós, seja melhor assim. Deixemos que eles ignorem a si mesmos e nos subestimem. Avkhass já deitou suas raízes por cima de reinos muito mais longevos.
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1. Infelizmente, ao passo que cada vez menos o jovem Privodna ouve falar do Lugar Inicial, o ponto a partir do qual os humanos surgiram, mais entre nós se espalha a mortiça crença dagunar de que os a origem dos humanos é a vontade do Uno de mover-se. Assim, só quando o fiel volta ao Uno após sua última encarnação é que ele pode compreender a origem-movimento dos humanos. É preciso reconhecer uma certa criatividade inútil nesta fabulação – os vunyas tem um gosto pitoresco pela contação de estórias. Mas é salutar que se frise: a origem-movimento não passa de uma bela mas ingênua lenda engendrada pela mente de um vunya, baseada em contos de sua vã religião. O único estudo sério possível da origem humana é o da busca do Lugar Inicial.
2. Os humanos chamam trocar as benesses que a terra dá pelas que eles escolhem plantar ao custo do desgaste do solo de agricultura.
Vadna Menengar, estudioso Privodna radicado em Chemkrë.