Religião de Sakya:
Na atualidade há três grandes divisões em Sakya do ponto de vista religioso, nos últimos quinhentos anos. Ela corresponde, em certo sentido, as castas – embora não se possa afirmar com certeza que as castas sejam a origem de sua diferença, embora certamente tenham-na aprofundado. Um elemento comum é o culto aos ancestrais, e a um espírito supremo em sua totalidade – o Espírito Supremo. Daí cabe variações entre os reinos, castas, e mesmo entre regiões.
A casta dos Kaman, a maior dentre todas, partilha um culto comum, relacionado a terra e aos ancestrais de seu povo. As duas Castas mais altas, por sua vez, consideram uma elaborada religião desenvolvida a partir da noção de destino, das previsões do futuro e da conformação com sua vida, e da transmigração eterna das almas até o Fim. A Astrologia e Astronomia avançaram muito sob as inspirações dessa divisão, e a filosofia, poesia e música sacra. A outra é uma espécie de síntese, com a criação da idéia da prática de privações e disciplinas para salvar o Espírito de encarnações ruins.
Uma palavra sobre a religião Hinti: ela se concentra em torno da penitência e dos mortos, com rituais estranhos sobre os quais apenas alguns mestres da sabedoria conhecem algo mais que vagos rumores.
A religião tradicional do campo:
Por esse nome costuma ser conhecida a religião mais comum dentro da casta dos Kaman. É extremamente simples, essencialmente seguindo o ritmo da vida rural – do plantio a colheita, da seca as monções, cada grande data marcada por grandes festividades religiosas, e intercalado por festas menores e de caráter mais regional. Essa religião tem poucos dogmas, retirados da sabedoria da vida rural, e caracterizado por ditos e pequenas histórias ilustrativas, coligidas e presentes na memória local durante séculos – e interpretadas à luz das necessidades de cada época. O sacerdócio pode ser dividido em três tipos: o primeiro, mais comum e sem organização formal é o que admite que o casal-base daquela família desempenha o papel de sacerdote e sacerdotisa para seus familiares – da mesma forma, o fundador de um clã, como uma avó ou avô, e uma irmã ou irmão mais velho tem certa precedência em termos de cerimonial e de alguns tipos de tabus, como casamentos. O segundo sacerdócio é aquele desempenhado pela casta dos Sacerdotes, organizado em escolas de pensamento em volta de ritos antigos de proteção, de augúrios e os mais importantes, os ritos de exorcismo. Entretanto, apenas cerca de um quarto da atual casta de Sacerdotes se encontra habilitada para desempenhar esse papel, e sua quase totalidade vive em pequenos monastérios no campo. O terceiro sacerdócio seria o segundo mais antigo, depois do familiar: é aquele que envolve certas figuras de ambos os sexos, chamadas de sábios ou eremitas, que vivem retirados do mundo – e, dizem, tem o condão de ver além da visão humana turvada.
A mitologia é rica, formada principalmente por ditos, lendas e histórias antigas, envolvendo animais e ciclos de histórias em torno de um herói ou sábio. Embora fora da casta dos sacerdotes – e considerados como “sem casta” pelos mais tradicionais – existe a profissão de jogral, um músico ou ator profissional em contar, cantar, e encenar essas histórias tradicionais, e que vive coligindo e juntando essas histórias antigas. Boa parte do que está registrado em livros corresponde a transcrições orais que um ou outro menestrel letrado fez durante sua vida, e que foram enviadas as bibliotecas das grandes cidades.
Embora eventualmente varie de religião para região, e de escola de sacerdote para escola de sacerdotes, há alguns mitos que são comuns a todos; o mito de criação, por exemplo, coloca em xeque um combate de palavras e canções entre um grão (deus) do arroz, e um grão (deus) do café, para saber quem teria o privilégio de carregar o mundo. Admiti-se que a vitória coube ao grão (deus) de cevada, e esse combate e o assentamento do deus da sevada é a motivação do grande festival de ano novo, que dura nove dias; no primeiro, ocorre a encenação da criação do mundo pelo Espírito Supremo, e o primeiro duelo entre os deuses. Do segundo ao quarto, há celebrações e danças, e alguns homens e mulheres incorporam espíritos de seus ancestrais, sendo consultados e instados a intercederem por um novo ano. No quinto, há o segundo duelo, que o grão (deus) de cevada vence, e seguido de mais festividades, dessa vez de natureza leve e festiva. O último dia é o assentamento do deus da cevada, na terra, por mais um ano. A segunda grande festa, dali a quatro meses, no auge do inverno é a festa dos mortos. Nesse dia, os ancestrais de cada família, vila e clã, bem como os mortos são homenageados durante três dias. Essa festa é aguardada e temida – no segundo dia, quando os mortos efetivamente são homenageados os exorcistas não podem são proibidos de exercer seus grandes poderes. Nesse dias, também, a casta dos sacerdotes celebra a festa de um herói de lendas antigas, chamado de Sábio do bosque, que teria dançado com os mortos e extraído deles o segredo dos rituais hoje utilizados pelas escolas de exorcistas.
O terceiro festival, perto do final do ano, é o da colheita. Ali é celebrada a “moça dos campos”, segundo alguns o primeiro ser, e a ancestral dos humanos, que fora plantada pelo Espírito Supremo. Dizem que ela teria acasalado com um animal – segundo alguns, desse casamento teria tido origem a humanidade. A identidade desse ser varia, de tigre há elefante; de qualquer forma, nos três dias são celebrados seu nascimento, seu casamento e o nascimento de seus filhos, e o presente que sua mãe deu a eles: os rudimentos da língua, e das primeiras técnicas de plantio, colheita, e do fogo.
Além desses grandes festivais há vários outros menores, quase uma vez a cada mês. Os ancestrais são lembrados como conjunto diariamente, e os mais importantes – ou próximos – no aniversário de sua morte.