Saudoso e doce companheiro;
retornamos d'outra jornada
e encontramos a madrugada
exalando receptivo cheiro:
"O meu nome é Cavaleiro,
e cá fazendo companhia
vem a minha montaria
que me serve noite e dia":
"Sou, pois, o seu cavalo
e preciso ser bem manso
porque, senão, me canso
é de tanto carregá-lo".
"Foi bem custoso domá-lo,
digo eu, o seu suzerano.
Eu que cavalgo todo o ano
só pra continuar humano".
"Meu olhar inda trás algo,
digo eu, o seu vassalo.
Se eu me chamo Cavalo
é porque não sou um galgo
ou porque eu só cavalgo?"
"Desnecessária esta luta.
Se eu o trato como puta
é porque ele não escuta!"
"Antes ter nenhum ouvido
do que só escutar ordem.
Suas esporas já me mordem
e eu queria ser esquecido!"
"Não fiques todo condoído,
pois é só mais um belisco.
Tu sabias que ser arisco
lhe traria este risco."
"Ser arisco é meu direito.
De que serve a valentia
se eu sou só a cavalaria
de quem não tem respeito?"
"Tu já és cavalo feito.
Por que tanta batalha?
Inda que tanto valha,
vá e leve a tua tralha!"
"Que importa valer tanto
se não cavalgo por desejo.
Minha casa é lá no Tejo,
e o relincho é meu pranto."
"Tu já perdeste teu encanto.
Sendo assim eu te liberto.
Vá, pois, de peito aberto
e faça o que lhe for certo."